O Conselho Federal de Farmácia, por sua vez, enviou
carta ao presidente apoiando a sanção.
A ozonioterapia consiste em aplicar uma mistura de
gás oxigênio e ozônio no corpo humano. Defensores da técnica dizem que o ozônio
tem propriedades anti-inflamatórias, antissépticas e melhora a oxigenação do
corpo.
Hoje, a ozonioterapia só é autorizada no Brasil
para alguns procedimentos odontológicos e estéticos. Apesar disso, dezenas de
clínicas operam de forma irregular, conforme mostrou reportagem da
BBC News Brasil em 2021.
Propagandas proliferam na internet oferecendo
aplicações do gás ozônio através do ânus, da vagina e por via intravenosa, por
exemplo, que ajudariam, segundo os anúncios, na cura do câncer, no combate a
infecções virais, endometriose, hérnia, doenças circulatórias e depressão —
benefícios não comprovados cientificamente, segundo o Conselho Federal de
Medicina (CFM), que em 2018 realizou uma revisão dos estudos disponíveis.
Questionado pela BBC News Brasil, o CFM não
respondeu se está a favor ou contra a sanção da nova lei. A pedido da
Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), o conselho tem hoje um novo
grupo estudando se há embasamento científico para regulamentar a técnica no
Brasil, mas não quis fornecer detalhes à reportagem.
Por meio de nota, o CFM esclareceu que “a
ozonioterapia não tem reconhecimento científico para o tratamento de doenças” e
que “trata-se de procedimento ainda em caráter experimental, cuja aplicação
clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos
científicos, conforme critérios definidos pelo Sistema CEP/CONEP”.
“Entre as condições previstas para participação
desses estudos, estão: a concordância dos interessados com as condições em que
a pesquisa será realizada, a garantia de sigilo e anonimato para os que se
submeterem à prática, a oferta de suporte médico-hospitalar em caso de efeitos
adversos e a não cobrança do tratamento em qualquer uma de suas etapas”, disse
ainda a nota.
Outros conselhos da área de saúde, por sua vez,
autorizam seus profissionais a aplicar a técnica, como os conselhos federais de
Farmácia (CFF), Odontologia (CFO), Fisioterapia (COFFITO) e Enfermagem (COFEN).
No entanto, como a Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) só aprovou o uso de equipamentos de ozonioterapia para
alguns tratamentos odontológicos e estéticos, hoje esses profissionais não
podem aplicar a técnica para outras finalidades, o que constituiria infração
sanitária, punível por multas e fechamento do estabelecimento.
“A ozonioterapia é um procedimento de caráter
complementar e multidisciplinar, que não substitui as técnicas e tratamentos já
incorporados ao sistema de saúde, mas sim vem agregar aos tratamentos
estabelecidos, como uma nova opção terapêutica, promovendo melhor qualidade de vida
aos pacientes”, defendeu o Conselho Federal de Farmácia (CFF) em carta à Lula.
“A importância da ozonioterapia para a saúde
pública está amplamente evidenciada, haja vista a incorporação desta prática
pelo SUS à lista de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS)”,
diz ainda a carta.
Uma portaria de 2018 do Ministério da Saúde,
durante a gestão do ministro Ricardo Barros, de fato incluiu a técnica no rol
dessas práticas, ao lado de outros tratamentos como homeopatia e acupuntura. As
PICS são descritas pela pasta como “recursos terapêuticos que buscam a
prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora,
no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o
meio ambiente e a sociedade”.
No entanto, o Ministério da Saúde disse à
reportagem que a ozonioterapia só é oferecida no SUS para tratamento
odontológico, seguindo as regras da Anvisa.
O que poderia mudar com a nova lei?
A proposta de lei aprovada autoriza a ozonioterapia
como procedimento de caráter complementar dentro de algumas condições: a
técnica só poderá ser aplicada por profissional de saúde de nível superior
inscrito em seu conselho de fiscalização profissional e por meio de equipamento
de produção de ozônio medicinal autorizado pela Anvisa. Além disso, o paciente
deverá ser informado do caráter complementar da técnica.
A BBC News Brasil consultou a Anvisa sobre como
seria a aplicação da lei, caso entre em vigor. Segundo a resposta, não haveria
mudança, na prática: na visão do órgão, os equipamentos de ozonioterapia
autorizados pela Anvisa para uso odontológico e estético continuariam
permitidos apenas para essa finalidade.
“É importante esclarecer que as empresas que,
porventura, ensejem a submissão de regularização de novos equipamentos
emissores de ozônio com indicações de uso diferentes daquelas citadas na Nota
Técnica Nº 43/2022 deverão apresentar estudos clínicos com resultados eficazes
e seguros a fim de corroborá-las, conforme disposto na RDC nº 546/2021 e,
quando aplicável, na RDC nº 548/2021”, disse a Anvisa.
“Assim, somente depois de aprovados junto à Anvisa
é que os equipamentos poderão ser utilizados para outras finalidades”, reforçou
o órgão.
Já o advogado e sanitarista Silvio Guidi disse à
BBC News Brasil ter leitura diferente. No seu entendimento, a lei dá abertura
para que profissionais de saúde usem os equipamentos já aprovados pela Anvisa
em outros tipos de tratamento complementar.
A expectativa de Guidi, porém, é que a lei não será
aplicada. Na hipótese de Lula sancionar a nova legislação ou de o Congresso
derrubar seu veto, o advogado acredita que a lei tende a ser considerada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que ocorreu em
2020 com a lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida
como “pílula do câncer”, por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna.
Para Guidi, apenas o Conselho Federal de Medicina e
a Anvisa poderiam ampliar os usos da ozonioterapia no país. “A sensação que eu
tenho é que o Congresso (ao aprovar essa lei) está dando uma volta numa técnica
regulatória instituída dentro do nosso país para a aprovação de equipamentos e
procedimentos médicos”, criticou.
O projeto de lei passou no Congresso sem grande controvérsia.
A matéria foi aprovada inicialmente em 2017 na
Comissão de Assuntos Sociais do Senado em caráter terminativo, ou seja, foi
enviada para análise da Câmara sem passar pelo plenário.
Depois, foi aprovado em 2021 pelos deputados em
duas comissões e voltou ao Senado também sem passar pelo plenário da Câmara.
E, em julho deste ano, os senadores aprovaram o
projeto em votação simbólica, remetendo a matéria para sanção presidencial.
A BBC News Brasil tentou ouvir o senador Otto
Alencar (PSD-BA), que é médico e relatou o projeto no Senado, mas ele não
atendeu aos pedidos de entrevista.
Também médico, o senador Hiran Gonçalves (PP-RR)
foi o único que se pronunciou durante a votação simbólica, e manifestou
preocupação com a aprovação da lei. Na sua visão, o Congresso não é a
instituição adequada para autorizar tratamentos médicos no país.
Ele teme que a lei, caso entre em vigor, leve
pacientes a negligenciarem outros tratamentos, por acreditarem nos benefícios
da ozonioterapia.
“O problema (com a aprovação dessa lei) é que você
termina por estimular as pessoas de maneira indireta a usarem uma técnica que
não é um tratamento eficaz e deixar seus tratamentos mais eficazes e com mais
comprovação científica de lado”, disse à reportagem.
Para o obstetra César Fernandes, presidente da
Associação Médica Brasileira (AMB), não é correto promover um tratamento que,
além de não ser comprovadamente eficaz, traz riscos aos pacientes, a depender
das doses aplicadas.
“Há várias vias de aplicação. Pode queimar as
mucosas do reto, da bexiga e da boca, por exemplo. E, a depender das
quantidades em que ele é inalado ou é absorvido pelo organismo, pode causar
danos vasculares, cardiológicos, cerebrais. Então, não é totalmente inócuo. Vai
depender da dose, da via de administração”, ressalta.
O que diz a Associação Brasileira de Ozonioterapia?
A aprovação da lei contou com forte atuação da
Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz), entidade que promove a técnica e
comercializa cursos para sua aplicação.
O presidente da instituição, Antônio Teixeira,
sustenta que existem avanços científicos para a comprovação da eficácia da
ozonioterapia especialmente no tratamento complementar de dores e inflamações,
como osteoartrite de joelho e lombalgia (dor lombar) associada à hérnia de
disco. É nesse campo que a Aboz tenta hoje ampliar a regulamentação na Anvisa e
na CFM, explicou.
Teixeira, porém, diz que a técnica traz benefícios
mais amplos. O site da Aboz lista patologias que poderiam ser tratadas, como
tumores de câncer, hepatite, úlceras, hérnias de disco, inflamações
intestinais, entre outras.
“A grande questão que precisa ficar clara é que
ozônio não é um remédio, ele não atua da mesma forma que um medicamento, agindo
sobre uma doença específica”, disse Teixeira à reportagem.
“O ozônio medicinal é um recurso terapêutico que
modula o sistema antioxidante endógeno, melhora a oxigenação dos tecidos, ativa
células imunocompetentes e tem atividade antimicrobiana tópica. Sua aplicabilidade,
portanto, é ampla e suas indicações estão baseadas nestes mecanismo de ação
moleculares”, defende.
Em defesa do tratamento, a Aboz também destaca o
uso da ozonioterapia em outros países, como Cuba, China, Portugal e Espanha. O
portal da entidade dá amplo destaque para a informação de que, “na Alemanha,
este procedimento médico faz parte dos tratamentos pagos pelos seguros-saúde do
governo” e acrescenta que, “anualmente, milhões de pacientes são tratados com a
Ozonioterapia” no país.
No entanto, o órgão responsável por definir os
tratamentos cobertos pelos seguros-saúde na Alemanha (Gemeinsamer
Bundesausschuss) disse à BBC News Brasil que a ozonioterapia foi excluída da
cobertura padrão no ano 2000.
“Isso significa que a terapia com ozônio não pode
ser reivindicada através do regime de seguro de saúde estatutário. É oferecido
como um serviço de pagamento privado na Alemanha, mas não coletamos números
sobre a frequência de utilização”, disse o órgão.
A resolução sobre
a decisão informa que a revisão da literatura científica
existente naquele momento não apontou evidência confiável de benefício e
necessidade médica. O documento também diz que a decisão do órgão foi unânime e
que não houve contestação do Ministério da Saúde alemão.
A reportagem também consultou o órgão alemão
correspondente à Anvisa (Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte).
A instituição informou que “o ozônio não é um medicamento autorizado” no país.
Por outro lado, esclareceu que “existe a chamada liberdade de terapia” na
Alemanha.
“Isso significa que um produto não precisa necessariamente de uma autorização como medicamento para ser selecionado por um médico como terapia para um paciente”, acrescentou o órgão.
(Fonte: BBC)
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