"Quem se beneficiou da venda dessas joias foi
o atual governo do PT, haja vista que quando se trata de dinheiro eles sempre
dão um jeito de tomar as coisas das pessoas!", escreveu ela.
Mas outro eleitor do "capitão" no ano
passado, um gerente de 54 anos que mora no mesmo Estado, pensa de maneira bem
diferente.
"Apesar de ter votado no Bolsonaro, está mais
claro que nunca que ele foi o beneficiado, assim sendo deve responder
penalmente por esse crime. Pois está muito claro a sua participação no devido
delito", assinalou.
Opiniões de bolsonaristas com percepções tão
opostas sobre o ex-presidente no caso já não surpreendem os pesquisadores do
Monitor da Extrema Direita (MED) que monitoram 36 eleitores de Bolsonaro por
meio de grupos de WhatsApp divididos em dois grupos: os convictos e os
moderados.
O projeto abrigado pelo Instituto de Estudos e
Pesquisas Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)
colheu suas opiniões sobre estes acontecimentos entre 14 e 17 de agosto.
Bolsonaro nega ter cometido quaisquer
irregularidades.
Isso não o isenta de críticas, que embora ainda
sejam minoritárias, são agora externadas sem constrangimento por eleitores que,
no ano passado, digitaram 22 nas urnas da eleição presidencial.
É um sinal de que fissuras já se formam no
eleitorado bolsonarista, assim como vem sendo apontado por sondagens com um
maior número de participantes.
Mas a pesquisa do MED aponta um divisor claro entre
eles: os mais críticos são em geral os apoiadores mais moderados.
Diferentemente dos eleitores mais devotos, que
seguem fechados com ele e buscam explicações para o caso das joias.
'Efeito teflon'
A dona de um salão de beleza na Bahia atribuiu
crimes a outras pessoas - não ao ex-presidente.
"Eu confio totalmente na inocência de
Bolsonaro", escreveu a cabeleireira.
"O que ocorre é que durante um período de
governo não tem como policiar todas as pessoas e saber seus pensamentos e
atitudes. Resumindo: sempre tem traidores e ladrões nos domicílios de governos,
mas quem acaba sendo prejudicado é o chefe de Estado, principalmente na questão
do jogo do poder!"
Isentar Bolsonaro de responsabilidade pelo desvio e
venda das joias e atribui-los a supostos "traidores" tem sido
apontada por analistas como uma possível estratégia do ex-presidente para se
defender das acusações e atribuir a situação até a pessoas tratadas, pouco
tempo atrás, como leais ao ex-presidente.
O ex-ajudante de ordens da Presidência, o tenente-coronel Mauro Cid, foi citado como um
destes traidores por alguns dos bolsonaristas do grupo.
Cid é apontado pela Polícia Federal como um dos
principais articuladores das vendas das joias. Sua defesa diz que ele teria
cumprido ordens.
No entanto, os bolsonaristas mais radicais não
recuam, apontam os pesquisadores, mesmo se confrontados de que Cid era assessor
direto e de confiança do ex-presidente.
"A gente vê que, entre os convictos, esse
assunto (das joias) não pega", diz a cientista política Carolina de Paula,
doutora em Ciência Política pelo IESP-UERJ e coordenadora, com o colega João
Feres Júnior, do projeto no Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública
(LEMEP) da instituição, com apoio do Instituto da Democracia e da
Democratização da Comunicação (INCT).
"É o que a gente chama de 'efeito teflon', não
gruda nada."
Ao analisar as interações dos eleitores mais
radicais no WhatsApp, o relatório do MED afirma que "o grupo demonstrou
acreditar piamente na inocência de Bolsonaro, argumentando que os presentes
eram pessoais e não de Estado ou que ele havia sido traído por seus aliados".
"Muitos falaram que se tratava de perseguição
ao ex-presidente", aponta ainda.
"A investigação seria mais uma tentativa
fracassada de incriminá-lo."
Entres os moderados, porém, o quadro é diferente.
Há um sentimento generalizado de que é necessário investigar o escândalo para
saber o que de fato aconteceu.
"Por unanimidade, o grupo foi favorável à
investigação, para que os fatos fossem prontamente esclarecidos e os reais
envolvidos no caso julgados e punidos", apontou o relatório.
"O grupo ficou dividido entre os que
acreditavam na inocência de Bolsonaro e os que aguardavam mais informações
sobre o caso. Alguns retomaram os discursos do ex-presidente estar sendo
perseguido pelo PT."
Convictos versus moderados
Há cinco meses, o MED acompanha os grupos de
bolsonaristas por meio do Painel On-Line de Monitoramento de Tendências.
Para participar da pesquisa, as pessoas devem
revelar ter votado em Bolsonaro, ser de diferentes Estados e regiões do país e
responder à pergunta-filtro: apoiaram ou se opuseram à suposta tentativa de
golpe de 8 de janeiro?
Os apoiadores foram então divididos entre radicais
e moderados.
Os participantes da pesquisa são remunerados, não
se conhecem, e há alguma rotatividade: periodicamente, alguns saem e são
substituídos por outros.
Os temas de debate, não apenas de política (também
se fala de costumes, por exemplo), são introduzidos por moderadores.
Os participantes também são selecionados por
critérios de sexo, raça, idade e outros, para dar maior diversidade aos grupos.
Os temas são apresentados de três a quatro vezes
por semana para debate, desde abril, mas todo dia há manifestações dos
participantes.
"Não é uma pesquisa estatística, que permita
generalizações", diz Carolina de Paula, explicando que não se trata de um
levantamento quantitativo.
"É sobre o comportamento e a vida no país
hoje. Não é só política. A gente trata de temas de costumes para tentar esse
perfil também do eleitor bolsonarista."
O trabalho gera relatórios periódicos, sobre vários
assuntos.
Questionamentos começam a surgir
Carolina de Paula ressalta que, entre os moderados,
é possível perceber que o caso das joias começou a gerar questionamentos e
cobranças por apuração dos fatos.
"Eles acreditam mais nas instituições da
Justiça. Então, existe uma primeira, digamos assim, abertura. É um eleitor que
pode ser mais flutuante", diz a pesquisadora.
"A gente tentou algumas questões, por exemplo,
sobre arcabouço fiscal, que eles apoiam. A gente vê que um eleitor que fica
mais solto, então é um eleitor em disputa."
Uma autônoma do Distrito Federal, de 28 anos,
citada no relatório da pesquisa, parece se enquadrar nesse caso.
"Também concordo com meus colegas, (o caso das
joias) é algo que falta uma investigação melhor e mais detalhada, deve se
averiguar, se foi mesmo a mando do presidente essa venda deve sim devolver e
ser punido pela lei", disse ela.
"Mas creio que se estava tanta gente tentando
vender, então, todos eles citados no texto estavam sendo beneficiados, mas isso
só cabe à Justiça investigar."
Carolina de Paula considera
"impressionante" a resiliência de Bolsonaro entre os eleitores mais
radicais, apesar de a agenda anticorrupção seguir forte no segmento
bolsonarista como um todo.
Segundo a pesquisadora, alguns pontos chamam a
atenção no discurso dos bolsonaristas mais radicais.
Um é a repetição de falas muito ligadas ao PT, como
se o caso das joias fosse uma orquestração de membros da legenda que hoje está
no governo federal.
Os discursos são muitas vezes parecidos, como se
estivessem sendo replicados do que foi lido em outras fontes, como as redes
sociais, segundo os pesquisadores.
"Por exemplo, (a suposta existência de)
contêineres com joias que o Lula teria, torna a narrativa única", avalia
Carolina de Paula.
"É uma mistura de fake news com visão limitada
sobre as regras (legais)."
A pesquisadora vê duas possíveis consequências do
escândalo.
Uma é que Bolsonaro, em sua opinião, tenderia a
perder apoio. As pessoas, lembra ela, não foram em massa às redes sociais para
defender Bolsonaro, o que sinaliza, ao seu ver, um certo isolamento do
ex-presidente.
Outra consequência possível seria o impacto das
suspeitas sobre a agenda anticorrupção, que continuou muito relevante para o
bolsonarismo na campanha de 2022.
"Nos debates, ele seguia atacando o Lula com
esse assunto, muito pesado. Então, vai ficar mais difícil para esse campo, não
só para o Bolsonaro, como para os aliados trazerem isso. Acho que esse é um dos
principais reflexos para a próxima eleição."
Pesquisas quantitativas divulgadas nos últimos dias
apontam um desgaste do ex-presidente por causa do escândalo das joias,
inclusive entre seus eleitores.
Outra tendência detectada foi a maior resiliência
de Bolsonaro em setores nos quais foi mais votado no ano passado.
No entanto, essas sondagens não dividiram os
eleitores bolsonaristas entre radicais e moderados.
A última pesquisa Genial/Quaest mostrou que 19% dos
eleitores de Bolsonaro no segundo turno opinaram que ele deveria ser preso por
causa do escândalo das joias.
O porcentual equivale a praticamente um em cada cinco
eleitores do ex-presidente.
Entre o eleitorado geral do país, a divisão é
diferente. Nesse universo, 41% disseram que o ex-presidente deveria ir para a
cadeia, e 43% declararam que não.
Esse resultado é um empate no limite da margem de
erro de 2,2 pontos para mais ou menos.
A região Sul, onde o ex-presidente teve melhor
desempenho, no ano passado, foi a única fora do empate técnico.
Nela, a maioria (47% a 41%) afirmou que o
presidente não deveria ser preso.
A pesquisa foi feita entre 14 e 18 de agosto, com
2.029 pessoas nas cinco regiões do Brasil. Entre os entrevistados, 66% sabiam
do caso das joias, e 34% declararam desconhecê-lo.
"O resultado da pesquisa mostra mais um
Fla-Flu", afirmou Felipe Nunes, diretor da Quaest, no X-Twitter,
referindo-se à divisão política do Brasil. "O tema polariza a
sociedade."
Outra pesquisa, do Instituto Atlas Intel, feita por
coleta virtual com 700 pessoas em 14 e 15 de agosto mostrou que 54,3% dos
eleitores acreditam que Bolsonaro está diretamente envolvido no desvio das
joias.
Outro 35,4% afirmaram não crer nisso; e 10% não
responderam.
Quando foi perguntado se o ex-presidente cometeu
crime ou erro no caso, 49,1% dos participantes disseram que ele cometeu crime;
30,8% não lhe atribuíram delito; 11,4% o responsabilizaram por um erro
político, não um fato criminoso; e 8,6% não souberam responder.
A pesquisa apontou que quase três entre quatro
entrevistados afirmavam saber do escândalo das joias. A margem de erro da
sondagem foi de 4 pontos porcentuais para mais e para menos, e a confiabilidade
é de 95%.
Dedicado a estudar os discursos bolsonaristas, João
Cezar Castro Rocha, o professor de Literatura Comparada da Uerj, avalia que
"talvez este seja um momento privilegiado para assistir à redução do
bolsonarismo a um tamanho real".
Para ele, é preciso distinguir o bolsonarista do
eleitor eventual de Bolsonaro.
"Um fenômeno similar aconteceu agora na
Argentina", explica.
"Nem todos os que votaram em Javier Milei
comungam das ideias do Javier Milei. Mas é um voto de protesto, contra o que se
considera um sistema político que existe para preservar os seus
privilégios."
O pesquisador calcula que, dos 58 milhões de votos
de Bolsonaro no segundo turno do ano passado, no máximo 20% são bolsonaristas.
Nada que ocorra os levará a desistir de apoiar o
ex-presidente, porque sempre terão mecanismos mentais para justificar o apoio
ao ex-presidente, afirma Rocha.
"Você pode mostrar que o Bolsonaro vendeu o
relógio. Eles já admitem, até porque o Frederick Wassef comprou. O que eles
dizem? 'Ah, era presente pessoal'.", diz o pesquisador.
"Imagine-se que fique configurado que não se
poderia vender. O que eles dirão? Eles usarão a famosa frase: 'E o PT?' Sempre
disporão de uma comparação mental de modo a desculpar o Bolsonaro."
Os eleitores mais moderados, porém, na avaliação do
professor, pode modular seu apoio conforme avancem as investigações do caso.
"De um lado, haverá uma radicalização dos que
já são bolsonaristas, uma radicalização violenta", explica.
"Quanto mais choques de realidade houver, o
núcleo do bolsonarismo vai se reduzir, mas o que ficar vai ser muito
violento."
(Fonte: BBC)
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