De acordo com a Associação Internacional da Doença de Alzheimer, uma pessoa desenvolve demência a cada três segundos. São mais de 55 milhões de indivíduos acometidos por essa condição, que afeta as memórias e o raciocínio.
No Brasil, o
Ministério da Saúde estima que 1,2 milhão de pessoas vivem com alguma forma de
demência — e 100 mil novos casos são diagnosticados a cada ano.
A seguir,
separamos três boas notícias que foram divulgadas recentemente sobre o
Alzheimer. Elas têm o potencial de mudar a forma como a doença é diagnosticada,
tratada (e até compreendida).
1. Diagnóstico pelo sangue
Em resumo, a
doença de Alzheimer é marcada por dois processos principais. Na primeira delas,
ocorre o acúmulo de uma proteína chamada beta-amiloide nos espaços entre os
neurônios.
Anos depois,
essas células nervosas são afetadas por outra proteína, conhecida como TAU.
O resultado
disso é a morte dos neurônios, o que leva ao aparecimento progressivo de
sintomas como esquecimentos e dificuldades de raciocínio.
Nas últimas
décadas, na busca por novos tratamentos, cientistas aprenderam duas lições
valiosas sobre o Alzheimer.
A primeira
delas é que a formação dos novelos de beta-amiloide no cérebro pode ser
dividida em uma série de etapas. Elas surgem como monômeros, evoluem para
oligômeros e, depois, formam fibrilas. Com o avanço do conhecimento, os
especialistas puderam entender em detalhes o que acontece em cada uma dessas
fases.
Nomes
complicados à parte, na prática isso significa que remédios diferentes podem
agir numa fase ou outra desse processo, o que supostamente levaria a resultados
melhores ou piores.
"A dúvida
era como interferir nessa cascata de eventos, de modo que ela pudesse ser
interrompida antes que o quadro se tornasse irreversível", contextualiza o
neurologista Fábio Porto, diretor científico da Associação Brasileira de
Alzheimer - Regional São Paulo.
O segundo
aprendizado tem a ver com a necessidade de fazer o diagnóstico precoce da
doença. Mas se a ideia é tratar indivíduos que sequer apresentaram sintomas (ou
ainda estão com incômodos muito leves), como saber quem está com os agregados
de beta-amiloide em formação no cérebro?
A necessidade
de identificar esses indivíduos levou a uma verdadeira revolução dos exames de
Alzheimer.
Embora ainda
hoje, nos consultórios médicos, o diagnóstico dependa da avaliação do profissional
da saúde e da aplicação de um questionário, já começam a aparecer testes mais
assertivos, que conseguem quantificar a proteína tóxica no sistema nervoso.
Isso pode ser
feito, por exemplo, por meio de exames de imagem (como o PET/CT), de líquor (a
coleta por punção de uma amostra do líquido presente na medula espinhal e no
cérebro) e até do sangue.
E um exame
capaz de detectar o Alzheimer no sangue já está disponível no Brasil: nas
últimas semanas, o Grupo Fleury trouxe ao país o PrecivityAD2, que detecta
proteínas capazes de indicar a presença de placas amiloides no cérebro.
Segundo a
empresa, os resultados do teste são comparáveis a outros métodos, como o PET,
com o benefício de ser menos complicado e invasivo.
"Acreditamos
que este seja um importante passo para o avanço da Medicina e para o
ecossistema de saúde nacional. O diagnóstico precoce da doença de Alzheimer
impacta diretamente nas intervenções clínicas relacionadas à doença, algo que
resulta em um desfecho clínico mais favorável ao paciente", afirmou Edgar
Gil Rizzatti, presidente de Unidades de Negócios Médico, Técnico, de Hospitais
e Novos Elos do Grupo Fleury, em comunicado à imprensa.
Em entrevista dada à BBC News Brasil em julho de 2023, o
médico Ricardo Nitrini, professor titular de neurologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), antevia a chegada de exames do
tipo ao país.
"Mas a
importância do diagnóstico precoce não é, e nem deve ser, o de criar estigmas,
mas, sim, permitir o avanço nos métodos que permitam a prevenção. Nós podemos
compará-los aos exames para detecção precoce de câncer de mama ou
próstata", ponderou o neurologista.
"Os
maiores avanços da Medicina sempre dependem do diagnóstico muito precoce e da
prevenção. E estamos nos aproximando rapidamente deste estágio para a doença de
Alzheimer", completou ele.
2. Novos remédios
A pesquisa
sobre um tratamento para a doença de Alzheimer, o tipo de demência mais comum,
passou muito tempo sem grandes novidades. Nas últimas duas décadas, nenhum novo
remédio havia sido lançado.
E não foi por
falta de tentativas: mais de uma centena de candidatos a novos tratamentos
foram avaliados, mas todos frustraram as expectativas de médicos, pacientes e
familiares.
O cenário
mudou em 2021, com aprovação do medicamento aducanumabe (da farmacêutica
Biogen) pela Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos
Estados Unidos.
Vale dizer que
a liberação deste fármaco gerou controvérsias na comunidade científica, e os
pedidos posteriores para uso dele em outros lugares (como Europa e Brasil)
foram negados.
No início de
2023, outra medicação contra esse tipo de demência recebeu sinal verde em
terras americanas: o lecanemabe (dos laboratórios Eisai e Biogen). Ainda não há
previsão de quando ele chegará ao Brasil.
E mais uma
opção pode estar a caminho: na Conferência Internacional da Associação de
Alzheimer de 2023, realizada na Holanda, foram apresentados os resultados
positivos dos estudos com o donanemabe (Eli Lilly), que foi capaz de frear a
progressão dos sintomas da doença.
Por um lado,
os avanços recentes foram comemorados e renovaram as esperanças, ao indicarem
saídas para ao menos atrasar a perda das memórias e do raciocínio.
A ideia de
usar anticorpos monoclonais como aducanumabe, lecanemabe e donanemabe para
"varrer" a beta-amiloide do cérebro de pacientes com Alzheimer surgiu
como uma tentativa de interromper a evolução da doença.
No universo da
demência, porém, os primeiros testes com esses fármacos acabaram frustrados.
Algumas versões anteriores dos anticorpos monoclonais até conseguiam limpar a
beta-amiloide do sistema nervoso, mas isso não se traduzia em melhoras clínicas
entre os voluntários.
Ou seja: o
cérebro deles até apresentava menos quantidade dessa proteína tóxica, mas os
impactos nas lembranças e no pensamento continuavam a avançar de forma
desenfreada.
Mas aí os
especialistas tiveram outra ideia. O Alzheimer é uma doença progressiva e lenta
— e há uma janela de anos ou até décadas entre o início do acúmulo da
beta-amiloide e o aparecimento dos primeiros sintomas.
E se os
remédios fossem usados justamente nessa fase, classificada como comprometimento
cognitivo leve ou demência inicial? Foi justamente o que foi testado, com
relativo sucesso, com lecanemabe e donanemabe.
Os testes com o lecanemabe, por exemplo, envolveram 1795
participantes com quadros demenciais leves. Metade deles recebeu o remédio,
enquanto a outra parcela tomou placebo, uma substância sem nenhum efeito
terapêutico. Todos passaram por exames e testes cognitivos para comparar os
resultados.
Ao final de 18
meses de experiência, o grupo que usou esse anticorpo monoclonal tinha menos
beta-amiloide e apresentava um "declínio moderadamente menor nas medidas
de cognição e função" quando comparado a quem tomou placebo.
Com o donanemabe, o esquema foi parecido: 1.736 voluntários
divididos em duas turmas (remédio versus placebo) acompanhados por um ano e
meio.
Os resultados
também mostram uma desaceleração de até 60% do declínio cognitivo em quem
recebeu a terapia.
Mas como
traduzir essas informações para a prática?
"Essa
redução do declínio significa que os pacientes que fizeram o tratamento
pioraram menos que aqueles que tomaram placebo. Mas eles não deixaram de
piorar", responde Porto.
"Foi
possível atrasar a progressão das fases da doença de Alzheimer em cerca de
quatro a seis meses", complementa o médico.
Ou seja: o
tratamento com os anticorpos monoclonais funcionou como uma espécie de freio,
que segurou por um tempo extra a evolução do Alzheimer para as etapas mais
graves e incapacitantes.
"Essas
medicações definitivamente conseguem reduzir substancialmente os depósitos de
amiloide. Isso é inequívoco e indiscutível. Mas ainda temos um efeito clínico
modesto, que talvez seja difícil de ser mensurado do ponto de vista
individual", analisa o neurologista Paulo Caramelli, professor titular do
Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Para as
pessoas que eventualmente usarem esses medicamentos, isso é algo que precisará
ser muito bem explicado", pontua o médico.
Mas essas
medicações ainda geram certas preocupações na comunidade médica, como o fato de
os resultados serem considerados "modestos", os efeitos colaterais
"potencialmente graves" e os preços "extremamente altos"
— como você entende em detalhes nesta reportagem.
3. Nova compreensão da doença
O jornalista
James Gallagher, da BBC News, publicou recentemente uma reportagem sobre uma pesquisa
feita no Reino Unido e na Bélgica que detalha a forma como o Alzheimer
"mata" os neurônios.
Há décadas,
este é um mistério e fonte de intenso debate científico.
Em artigo
publicado na revista Science, a equipe associou as proteínas anormais que se
acumulam no cérebro com a “necroptose” — uma forma de suicídio celular.
As descobertas
foram descritas como “interessantes” e “excitantes”, pois abrem caminho para
novas ideias para o tratamento da doença.
Pesquisadores
do Instituto de Pesquisa de Demência do Reino Unido, nas universidades College
London e KU Leuven, na Bélgica, apontam que a amiloide anormal começa a se
acumular nos espaços entre os neurônios, levando a uma inflamação cerebral —
algo que é nocivo aos neurônios. Isso começaria a mudar sua química interna.
Emaranhados de
TAU começam a surgir e as células cerebrais começam a produzir uma molécula
específica, chamada MEG3, que provoca sua morte por necroptose.
A necroptose é
um dos métodos que nosso corpo normalmente usa para eliminar células
indesejadas à medida que células novas são produzidas.
As células
cerebrais sobreviveram quando a equipe conseguiu bloquear a MEG3.
“Esta é uma
descoberta muito importante e interessante”, disse à BBC o pesquisador Bart De
Strooper, do Instituto de Pesquisa de Demência do Reino Unido.
“Pela primeira
vez temos uma pista sobre como e por que os neurônios morrem na doença de
Alzheimer. Tem havido muita especulação nos últimos 30 a 40 anos, mas ninguém
foi capaz de identificar os mecanismos", afirmou Strooper.
Estas
respostas vieram de experimentos em que células cerebrais humanas foram
transplantadas para cérebros de camundongos geneticamente modificados.
Os animais
foram programados para produzir grandes quantidades de amiloide anormal.
O professor De
Strooper diz que a descoberta de que o bloqueio da molécula MEG3 pode adiar a
morte das células cerebrais poderá abrir caminho para uma “linha totalmente
nova de desenvolvimento de medicamentos”.
No entanto,
isso levará anos de pesquisa.
Tara
Spires-Jones, professora da Universidade de Edimburgo e presidente da
Associação Britânica de Neurociências, disse que “este é um artigo
interessante”.
Ela afirma que
o estudo "aborda uma das lacunas fundamentais na pesquisa sobre
Alzheimer"
"Estes
resultados são fascinantes e serão importantes para o avanço neste campo."
No entanto,
ela enfatizou que “muitos passos são necessários” antes de sabermos se as
descobertas poderão ser aproveitadas como tratamento eficaz para a doença de
Alzheimer.
(Fonte: BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário