O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, descreveu a segunda maior economia do mundo como “uma bomba-relógio”, prevendo um crescente descontentamento no país.
O líder da China, Xi Jinping, reagiu,
defendendo a “forte resiliência, o enorme potencial e a grande vitalidade” da
economia de seu país.
Então, quem está certo: Biden ou Xi?
Como costuma acontecer, a resposta provavelmente está em algum ponto
intermediário.
Embora seja pouco provável que a
economia imploda tão cedo, a China está enfrentando desafios enormes e
profundamente enraizados.
Crise nos
domicílios
No centro dos problemas econômicos da
China está o seu mercado imobiliário. Até recentemente, esse setor representava
um terço de toda a riqueza do país.
Durante duas décadas, o setor cresceu à
medida que as incorporadoras aproveitavam uma onda de privatizações. Mas uma
crise eclodiu em 2020.
Uma pandemia global e a diminuição da
população não são bons ingredientes para um programa de construção de
habitações gigantesco.
O governo, temendo um colapso ao estilo
dos EUA em 2008, impôs então limites para quanto as incorporadoras poderiam
pegar empréstimos. Mesmo assim, logo elas deviam bilhões que não conseguiriam
pagar.
Agora, a procura por imóveis caiu e os
preços deles despencaram. Isto tornou os proprietários chineses — após três
anos de duras restrições por conta do coronavírus — mais pobres.
“Na China, a propriedade é efetivamente
a sua poupança”, explica Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe para a Ásia da
empresa de gestão de fortunas Natixis. “Até recentemente, isso parecia melhor
do que colocar seu dinheiro no maluco mercado de ações ou em uma conta bancária
com taxas de juros baixas”
Isso significa que, diferente de vários
países ocidentais, não houve nenhum pico de gastos pós-pandemia e nem uma
grande recuperação econômica.
“Havia uma ideia de que o povo chinês
gastaria loucamente depois das rígidas restrições pela covid-19”, diz
Garcia-Herrero. "Eles viajariam, iriam a Paris, comprariam a Torre Eiffel.
Mas, na verdade, os chineses sabiam que suas economias estavam sendo prejudicadas
pela queda nos preços dos imóveis, então decidiram proteger o dinheiro que
tinham."
Esta situação não só fez com que as
famílias se sentissem mais pobres, como agravou os problemas de dívidas
enfrentados pelos governos locais.
Estima-se que mais de um terço das suas
receitas multibilionárias provém da venda de terrenos a incorporadoras, que
estão agora em crise.
De acordo com alguns economistas, serão
necessários anos para que essa crise imobiliária arrefeça.
Falhas no modelo
econômico
A crise imobiliária também põe em
evidência problemas maiores no funcionamento da economia da China.
O surpreendente crescimento do país nos
últimos 30 anos foi impulsionado pela construção: desde estradas, pontes e
linhas ferroviárias até fábricas, aeroportos e casas. É responsabilidade dos
governos locais fazer isso.
No entanto, alguns economistas
argumentam que esta abordagem está começando a perder o prumo.
Um dos exemplos mais bizarros da
obsessão da China pela construção está na província de Yunnan, perto da
fronteira com Mianmar. Este ano, as autoridades locais confirmaram que iriam em
frente com os planos de construir uma nova instalação de quarentena contra a
covid-19.
Os governos locais altamente
endividados estão sob tanta pressão que há relatos de que alguns estariam
vendendo terrenos para si próprios para financiar programas de construção.
O resultado final é que há um limite
para o que a China pode construir antes de que isso se torne um desperdício de
dinheiro. O país precisa encontrar outra forma de prosperar.
“Estamos num ponto de inflexão”, diz
Antonio Fatas, professor de economia na escola de negócios INSEAD, em
Cingapura. "O modelo antigo não está funcionando, mas para mudar o foco
são necessárias reformas estruturais e institucionais sérias."
Por exemplo, argumenta ele, se a China
quisesse que o setor financeiro estimulasse a sua economia e rivalizasse com os
EUA ou a Europa, o governo precisaria primeiro afrouxar consideravelmente a
regulamentação, cedendo poder a interesses privados.
Na realidade, aconteceu o contrário. O
governo chinês reforçou o controle sobre o setor financeiro, repreendeu os
banqueiros “ocidentalizados” pelo seu hedonismo e reprimiu grandes empresas
tecnológicas como a Alibaba.
Isso se refletiu, por exemplo, no
desemprego dos jovens. Em toda a China, milhões de graduados com elevado nível
de escolaridade lutam para encontrar empregos dignos nas zonas urbanas.
Em julho, os números mostravam um
recorde de 21,3% de jovens entre 16 e 25 anos buscando emprego. No mês seguinte,
as autoridades anunciaram que iriam parar de publicar esses dados.
Segundo o professor Fatas, isso é uma
prova de uma “economia rígida e centralizada” que luta para absorver um número
tão grande de pessoas no mercado de trabalho.
A política vigente parece ter sido
eficaz para construir novas pontes e prédios, mas parece complicada quando
essas obras já foram concluídas e as pessoas ainda estão à procura de trabalho.
O que o governo
fará agora?
Uma mudança de direção econômica requer
uma mudança de ideologia política.
A julgar pelo controle cada vez maior
do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre a vida dos chineses e pelo controle
cada vez maior do presidente Xi sobre o partido, isso não parece provável.
De certa forma, a China é vítima do seu
próprio sucesso. A atual taxa de crescimento só é considerada “lenta” quando
comparada com os números surpreendentemente elevados dos anos anteriores.
Desde 1989, a China tem registrado uma
taxa média de crescimento de cerca de 9% ao ano. Em 2023, esse número deve
ficar perto dos 4,5%.
É uma grande queda, mas a taxa ainda é
muito superior à das economias dos EUA, do Reino Unido e da maioria dos países
europeus. Alguns argumentam que isto já é satisfatório para a autoridade do
governo chinês.
As economias ocidentais tendem a ser
alimentadas pelos gastos das pessoas, mas Pequim não gosta deste modelo
consumista. Não só é considerado um desperdício, como também individualista.
Para o governo chinês, estimular os
consumidores a comprarem uma nova televisão, assinar os serviços de streaming ou
sair de férias são medidas que podem ajudar a estimular a economia, mas pouco
contribuem para a segurança nacional ou para a sua concorrência com os EUA.
Em essência, Xi quer crescimento, mas
não crescer por crescer. Isto pode estar por trás do recente boom nas
indústrias de ponta, como os semicondutores, a inteligência artificial e a
tecnologia verde – que mantêm a China competitiva a nível mundial e a tornam
menos dependente dos outros.
Esta ideia também pode explicar a
resposta limitada do governo à economia vacilante. Até agora, foram feitos
apenas ajustes nos limites — flexibilizando os limites de empréstimos ou
reduzindo taxas de juros — em vez de grandes injeções de dinheiro.
Os investidores estrangeiros na China
estão preocupados e querem que o governo tome medidas rapidamente, mas os
líderes parecem estar jogando um jogo de longo prazo.
Eles sabem que, no papel, a China ainda
tem um enorme potencial para mais crescimento. O país pode ser uma potência
econômica, mas o rendimento médio anual ainda é de apenas US$ 12.850 (cerca de
R$ 60 mil). Quase 40% da população ainda vive em áreas rurais.
Mas, por outro, muitos economistas
argumentam que um sistema político autoritário não é compatível com o tipo de
economia flexível e aberta necessária para padrões de vida que correspondam aos
dos países de alta renda.
Há também o risco de Xi estar dando
prioridade à ideologia em detrimento de políticas eficazes, ou ao controle em
detrimento do pragmatismo.
Para a maioria das pessoas, isto é bom
quando a economia vai bem. Mas à medida que a China está saindo de três anos de
fortes restrições contra a covid, com muitos lutando para encontrar um emprego
e as casas das famílias se desvalorizando, a história é diferente.
Isto nos leva de volta à descrição da
“bomba-relógio” de Biden, que sugere como consequências a agitação civil ou,
ainda mais grave, algum tipo de ação de política externa perigosa.
No momento, porém, isso é pura
especulação. A China emergiu de uma série de crises no passado. Mas não há
dúvida de que a liderança do país enfrenta agora um conjunto único de desafios.
“Eles estão preocupados com a situação
atual? Claro, eles veem os números”, diz o professor Fatas.
"Eles entendem o que precisa ser
feito? Não tenho certeza. Meu palpite é que estão faltando certas coisas
fundamentais para o futuro da China."
(Fonte: BBC)
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