O remédio, cujo princípio ativo é a tirzepatida, já está liberado nos Estados Unidos e na Europa e tem uma atuação relativamente parecida ao do Ozempic, do laboratório Novo Nordisk (entenda os detalhes a seguir)./
Nos estudos que serviram de base para a aprovação, inclusive, o Mounjaro
apresentou resultados superiores de controle da glicemia (o açúcar no sangue) e
redução de peso quando comparado ao Ozempic.
Assim como seu "primo-irmão", a nova droga que chega ao país
também é aplicada por meio de injeções semanais.
A princípio, a tirzepatida está indicada apenas para tratar diabetes, mas
ela também passa por estudos que a avaliam como uma possível terapia contra
obesidade, apneia do sono, esteatose hepática, doença renal crônica e
insuficiência cardíaca.
Mas como esse novo fármaco funciona? E em que casos ele será indicado?
Conheça os principais detalhes sobre o Mounjaro ao longo desta reportagem.
Como o Mounjaro funciona
Para Luiz Magno, diretor sênior da área médica da Eli Lilly Brasil, o
Mounjaro inaugura uma nova classe farmacêutica e traz resultados "sem
precedentes".
"Ele é a primeira molécula que usa um novo mecanismo de ação e atua
sobre dois hormônios excretados durante a digestão dos alimentos", resume
ele.
Em suma, o novo remédio ativa receptores das células relacionados a dois
hormônios que atuam no sistema digestivo: o GIP (sigla para polipeptídeo insulinotrópico
dependente de glicose) e o GLP-1 (peptídeo 1 semelhante ao glucagon).
Esses tais receptores que são ativados mexem com uma série de processos
do organismo. O primeiro deles envolve a liberação de insulina, hormônio
produzido pelo pâncreas que é responsável por retirar da circulação sanguínea o
açúcar obtido dos alimentos e botá-lo dentro das células, onde será usado como
fonte de energia.
Sabe-se que indivíduos com diabetes apresentam problemas na fabricação
ou na ação da insulina pelo organismo. Com isso, o açúcar (ou a glicose, no
jargão médico) se acumula no sangue e causa uma série de problemas à saúde — de
infarto à dificuldade na cicatrização de feridas.
Ao melhorar a liberação de insulina após as refeições, portanto, o
Mounjaro facilita o controle da glicemia (ou das taxas de açúcar na
circulação).
Mas a ação do remédio não para por aí: esses receptores de GIP e GLP-1
também aparecem em células do cérebro que são responsáveis por controlar o
apetite. Com isso, o fármaco ajuda a regular a ingestão de alimentos — o que
pode levar à perda de peso.
O Ozempic, cujo princípio ativo é a semaglutida, também é usado no
diabetes e tem uma ação parecida. A diferença é que ele atua apenas sobre um
desses hormônios: o GLP-1.
Para buscar a liberação das agências regulatórias, a Eli Lilly realizou
dez estudos clínicos, que envolveram mais de 19 mil pacientes de várias partes
do mundo (inclusive do Brasil).
Um desses testes, conhecido pela sigla
Surpass-2, avaliou 1,9 mil pacientes adultos com diabetes tipo 2 e
comparou o Mounjaro (em diferentes dosagens) ao Ozempic (semaglutida 1 mg).
Os resultados do experimento foram apresentados em 2022, durante o
Congresso da Associação Americana de Diabetes, nos Estados Unidos.
Os dados mostram que, entre os voluntários que tomaram a versão de 15 mg
do Mounjaro, 51% deles conseguiram atingir uma hemoglobina glicada (HbA1c)
inferior a 5,7%. Essa mesma meta foi atingida por 20% dos participantes que
usaram o Ozempic.
Vale explicar aqui que a HbA1c é um tipo de exame capaz de estimar a
média da glicose (o açúcar no sangue) durante os últimos três meses. Um valor
que fica acima dos 5,7% é um dos indicativos usados por médicos para fechar o
diagnóstico de pré-diabetes ou diabetes.
Portanto, ao fazer com que metade dos voluntários ficassem com uma HbA1c
inferior a 5,7%, o Mounjaro permitiu que eles atingissem patamares observados
em pessoas que não têm a doença.
"Isso faz dele a medicação mais potente que temos até o momento
para tratar o diabetes tipo 2", classifica o médico Paulo Augusto Miranda,
presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
O mesmo teste clínico revelou que 92% dos voluntários tratados com o
Mounjaro de 15 mg conseguiram ficar com uma HbA1c abaixo de 7%, que é o nível
recomendado pelas diretrizes médicas para um controle adequado do diabetes.
A rapidez com que o ajuste dos índices glicêmicos foi alcançado também
chamou a atenção de especialistas: o grupo que tomou o Mounjaro chegou a uma
HbA1c abaixo de 7% após oito semanas de tratamento, quatro semanas antes de
quem recebeu o Ozempic.
E o que aconteceu com o peso? Segundo o estudo Surpass-2, os pacientes
que usaram a tirzepatida perderam 12,4 quilos, em média. Os pesquisadores
calculam que isso é o dobro do observado com a semaglutida.
Procurada pela BBC News Brasil, a Novo Nordisk, responsável pelo
Ozempic, enviou uma nota em afirma que "a ampliação do arsenal terapêutico
para o tratamento da obesidade é, sem dúvida, um marco importante e um ponto de
virada para uma condição ainda muito negligenciada".
"Estamos diante de uma nova era no tratamento da obesidade como
doença crônica, multifatorial, recorrente e progressiva, em que o paciente
poderá discutir junto ao seu médico sobre o medicamento que mais precisa e se
adequa às suas necessidades individuais", diz o texto.
"Os análogos do GLP-1, comercializados pela Novo Nordisk desde 2009
e inicialmente idealizados para tratar o diabetes tipo 2, têm como diferenciais
a promoção do controle glicêmico, perda de peso e redução significativa no
risco de eventos cardiovasculares."
"A semaglutida 2,4 mg, aprovada para o tratamento da obesidade no
Brasil desde janeiro de 2023 e já comercializada para este fim em países como
Estados Unidos, Dinamarca, Alemanha e Reino Unido, tem ação prolongada,
portanto, age em uma área do cérebro chamada hipotálamo que é responsável pela
regulação do apetite, levando a uma redução da fome e aumento da saciedade, ou
seja, a pessoa tem menos vontade de comer e fica rapidamente satisfeita com
menores quantidades de comida. Isto, aliado à alimentação saudável e
equilibrada, atividade física regular e acompanhamento médico adequado, promove
perda de peso."
"Aspiramos um futuro em que a semaglutida seja uma terapia básica
que permita aos médicos manejar essas condições com proteção mais completa,
precoce o suficiente para fazer a diferença na saúde e qualidade de vida do
paciente."
"Uma terapia de ação ampla, que poderia ir além do controle de peso
e glicose para fornecer efeitos abrangentes e modificadores da doença em todo o
espectro cardiometabólico. A semaglutida permitirá que os médicos tratem
proativamente o que veem agora, bem como o que pode acontecer mais tarde, ou
seja, tratar hoje possíveis complicações que só apareceriam futuramente",
finaliza o texto.
O Mounjaro ajuda a emagrecer?
Que fique claro: o Mounjaro foi aprovado pela Anvisa como um tratamento
específico para o diabetes tipo 2.
"Trata-se de uma medicação para o paciente diabético, que tem um
quadro extremamente complexo. O novo medicamento permite uma redução fantástica
da hemoglobina glicada, algo nunca antes visto", pontua Magno.
"O Mounjaro é um medicamento prescrito, que precisa de
acompanhamento médico", complementa o representante da Eli Lilly.
Porém, diante da redução de peso observada nos estudos clínicos, o novo
fármaco deverá passar por uma situação parecida ao que ocorreu com o Ozempic
(que também é um tratamento contra o diabetes, diga-se): ter um uso off
label, ou fora das indicações de bula, como uma forma de perder peso.
Atualmente, a Novo Nordisk possui três versões de medicamento cujo
princípio ativo é a semaglutida. A primeira já foi citada anteriormente: o
Ozempic, que tem 1 mg do fármaco, é injetável, semanal e está indicado para
tratar o diabetes.
A segunda é o Wegovy, com 2,4 mg, uma terapia específica para a
obesidade (também injetável e semanal).
A terceira é o Rybelsus, usado contra o diabetes e vem na forma de
comprimidos de 3,7 ou 14 mg.
Essa diversificação de opções e indicações terapêuticas de um mesmo
princípio ativo é algo que também deve acontecer com a tirzepatida .
Como citado anteriormente, ela está sendo avaliada para outras condições
de saúde: obesidade, esteatose hepática (acúmulo de gordura no fígado), apneia
do sono, insuficiência cardíaca e doença renal crônica.
Especificamente sobre a obesidade, os dados apresentados são
considerados promissores. Nos estudos
Surmount-3 e 4, a tirzepatida foi comparada com o placebo (uma
substância sem nenhum efeito terapêutico aparente) e permitiu uma redução de
peso em 26% (ou 28 quilos, em média). Aqui foram avaliados voluntários com
obesidade ou sobrepeso que tinham comorbidades (doenças crônicas), mas não eram
portadores de diabetes tipo 2.
Essa taxa fica bem próxima — e em alguns casos até é superior — aos
resultados obtidos com a cirurgia bariátrica.
De novo: essas novas indicações de uso ainda precisam ser melhor
estudadas antes de receberem qualquer aval das agências regulatórias dos
países.
Enquanto isso não acontece, Miranda não acredita que o uso off
label seja contra-indicado em absoluto — desde que existam evidências
para justificá-lo.
"Ambas as medicações [Ozempic e Mounjaro] também foram ou são
estudadas para o tratamento da obesidade, e há uma robustez científica de
eficácia e segurança nesse contexto", destaca ele.
"Mas precisamos nos atentar às terminologias aqui: falamos de
medicações para o tratamento da obesidade, e não de medicações para a perda de
peso ou para emagrecer. Parece uma diferença sutil, mas não é."
"Precisamos separar o que é um desejo social de perda de peso. Uma
pessoa que quer perder três ou quatro quilos, por uma questão estética, deve
buscar esse objetivo por meio de mudanças de estilo de vida. Reorganizar a
alimentação, as práticas de atividade física e o sono são medidas que se
demonstraram muito eficazes nessa situação", orienta o endocrinologista.
Segundo o médico, quando a meta envolve enxugar menos de 5% do peso
corporal, mudar a dieta, fazer exercícios e cuidar da saúde são o caminho mais
adequado.
Agora, quando é necessário perder mais que isso, os remédios podem ser
necessários — junto com o acompanhamento de um profissional e a adoção de um
estilo de vida saudável, claro.
Efeitos colaterais do Mounjaro
Quando questionado sobre os possíveis eventos adversos da nova
medicação, Magno diz que o perfil de segurança é similar ao observado em outros
fármacos já disponíveis.
Nos estudos clínicos, esses efeitos colaterais foram considerados
"leves e moderados".
"Os sintomas afetam principalmente o sistema gastrointestinal, como
náuseas, vômitos e diarreia", diz o diretor médico da Eli Lilly.
"Eles costumam ocorrer principalmente na fase inicial do
tratamento, por isso também é importante fazer o acompanhamento médico e o
aumento progressivo da dosagem", complementa ele.
Miranda destaca que os estudos clínicos fazem modelos matemáticos e
estatísticos que ajudam a estimar o risco de efeitos colaterais das medicações
— mas é sempre necessário ficar atento a possíveis problemas que aparecem na
vida real, mas não foram detectados na fase de pesquisa. As agências
regulatórias e as próprias farmacêuticas costumam ter departamentos específicos
que lidam com essa vigilância dos fármacos após a aprovação.
"Quando os primeiros agonistas do GLP-1 chegaram ao mercado, houve
um alerta sobre um possível risco de pancreatite [inflamação do pâncreas], o
que levou a uma necessidade de revisão dos dados", exemplifica ele.
"Mais recentemente, o órgão regulatório europeu soltou um alerta
sobre o uso de semaglutida e a possibilidade de indução de uma ideação
suicida."
"Daí os especialistas foram analisar as evidências e, ao que
parece, esse risco não foi demonstrado de fato", complementa o presidente
da SBEM.
O endocrinologista ainda pondera que nenhuma medicação é isenta de
riscos ou eventos adversos.
Quem poderá tomar o Mounjaro?
Por fim, Miranda mostra-se preocupado com o acesso ao Mounjaro.
"A medicação só é eficaz se usada no paciente certo, para o qual a
substância foi estudada", diz ele.
"E esses novos medicamentos têm um custo muito elevado. Com isso,
infelizmente, a maior parte das pessoas que se beneficiariam deles não
conseguirão acesso."
Atualmente, o valor do tratamento com a semaglutida fica na faixa dos R$ 700,00 aos R$ 1 mil por mês.
Ainda não se sabe quanto o Mounjaro vai custar: após o sinal verde da
Anvisa, o preço do produto será determinado pela Câmara de Regulação do Mercado
de Medicamentos (CMED), também vinculada ao Governo Federal.
Só a partir disso ele poderá ser vendido em drogarias e comprada pelos
consumidores.
E a eventual disponibilização do Mounjaro por planos de saúde privados
ou na própria rede pública ainda envolve uma série de outras etapas
burocráticas, como avaliações da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde
(Conitec).
Magno assegura que a Eli Lilly está aberta para conversar e ampliar o
acesso à tirzepatida no Brasil.
"Nós sabemos que não adianta ter a melhor tecnologia se ninguém consegue
obtê-la", confessa o médico.
"Nosso compromisso é sempre buscar a melhor forma para garantir o
acesso ao tratamento, seja no mercado público ou no privado", complementa
ele.
Miranda destaca que a chegada de novas opções para tratar o diabetes
permite personalizar cada vez mais o tratamento — e garantir que cada paciente
receba o melhor remédio segundo as próprias características e necessidades.
"E nós temos conseguido alguns avanços na área do diabetes, mesmo
na rede pública", destaca ele.
Recentemente, o remédio antidiabético dapaglifozina foi incorporado no
Sistema Único de Saúde (SUS) e ao programa Farmácia Popular, cita o
endocrinologista.
"E precisamos que esses avanços também aconteçam na obesidade: até
agora, nosso país não possui nenhuma terapia farmacológica para tratar essa
doença na rede pública", destaca o endocrinologista.
De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil é o sexto
país com mais casos da doença no mundo. Mais de 16,8 milhões de brasileiros
sofrem com o descontrole nas taxas de glicemia, número que deve aumentar para
23,2 milhões até 2045.
Já a obesidade afeta 20,3% da população, segundo o Ministério da Saúde. Essa taxa aumentou 72% nos últimos 13 anos.
(Fonte: BBC)
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