Apesar disso,
especialistas em política externa ouvidos pela BBC News Brasil consideram que o
Brasil não tem poder de fato para influenciar os rumos da disputa entre
israelenses e palestinos.
O cientista
político Hussein Kalout, pesquisador em Harvard e conselheiro do Centro
Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ressalta que a presidência do
Conselho de Segurança é rotativa e dura apenas um mês – ou seja, já em novembro
o Brasil deixa essa posição.
O peso do país no
órgão também é limitado, já que o Brasil é um dos dez membros temporários e
encerra seu mandato de dois anos em 31 de dezembro.
O Conselho de
Segurança é formado por quinze integrantes, sendo cinco membros permanentes
como poder de veto (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). Ou
seja, nada é decidido sem que haja consenso entre essas cinco potências
militares, o que tem sido um desafio para o funcionamento do órgão, devido aos
interesses muitos distintos desses países.
“Presidente do Conselho
de Segurança não tem qualquer poder. O presidente nada mais é do que o gerente
administrativo do balcão por 30 dias”, resume Kalout.
“E esse conflito
vai durar mais de 30 dias. Não vai sair qualquer resolução porque Israel não
vai querer enquanto não tiver algo concreto (em resposta aos ataques do Hamas)
e os Estados Unidos (aliados de Israel) vão bloquear (a discussão no
Conselho)”, reforça.
A efetivação do
Brasil e outros países como membros permanentes é uma antiga reivindicação do
Itamaraty. Lula reforçou essa demanda em setembro, ao discusar na abertura da
Assembleia Geral da ONU, ocasião em que criticou "a paralisia" do
Conselho de Segurança.
Para Kalout, o
Brasil – um defensor histórico da coexistência pacífica de dois Estados, um
israelense e outro palestino – não é um ator relevante nas negociações do
conflito porque não tem capacidade de influenciar nenhum dos lados a abandonar
ataques militares.
Segundo o
pesquisador, apenas os Estados Unidos tem força para pressionar Israel. Já do
lado palestino, ressalta, apenas algumas nações árabes poderiam exercer pressão
sobre o Hamas, como Egito, Catar e Arábia Saudita.
Reunião emergencial
acaba sem comunicado
O Brasil convocou
uma reunião emergencial do Conselho de Segurança no fim de semana, logo após o
Hamas iniciar um ataque sem precedentes contra Israel, com lançamento de
milhares de foguetes e combatentes adentrando comunidades próximas à Faixa de
Gaza, causando a morte de residentes e fazendo reféns.
O ataque foi
seguido de forte reação israelense, com bombardeiros aéreos e bloqueio de todo
tipo de fornecimento de recursos a Gaza, incluindo alimentos e medicamentos.
A reunião convocada
pelo Brasil, porém, acabou sem qualquer comunicado conjunto dos membros do
conselho, em mais um indicativo da falta de capacidade do Brasil influenciar o
tema, avalia Karina Calandrin, assessora do Instituto Brasil-Israel e
pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Na sua visão, a
posição histórica do Itamaraty de equilíbrio no conflito Israel-Palestina
coloca o país bem posicionado para mediar as discussões. Por outro lado, diz,
uma atuação de mais impacto do Brasil dependeria de outros países enxergarem relevância
do país no tema, o que não ocorre.
Ao convocar a
reunião ministerial, o Brasil “enfatizou ser urgente desbloquear o processo de
paz”, segundo nota divulgada pelo Itamaraty.
O Brasil também
“condenou os ataques contra civis” e reiterou “seu compromisso com a solução de
dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável, convivendo em paz
e segurança com Israel, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e
internacionalmente reconhecidas”.
Polarização entre
esquerda e direita
Para Karina
Calandrin, a forte polarização da política brasileira também divide a sociedade
sobre o conflito entre israelenses e palestinos, criando desafios para a
atuação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no tema.
Ela lembra que a
posição histórica do Brasil de equilíbrio no conflito foi alterada
temporariamente no governo de Jair Bolsonaro, quando o então presidente adotou
uma postura de forte apoio a Israel.
Essa mudança
atendeu a interesses do eleitorado evangélico, segmento que passou a defender
com empenho a existência do Estado israelense devido à crença de que o retorno
dos judeus à Terra Santa – ou seja, o estabelecimento de Israel – é necessário
para a volta de Cristo.
Por outro lado,
ressalta Calandrin, parte da esquerda, base ideológica de Lula, critica
fortemente Israel por considerar que o país promove uma opressão colonialista
contra os palestinos.
“A manifestação do
Lula nas redes sociais mostra uma preocupação em se equilibrar entre esses dois
lados e acho que ele conseguiu”, analisa.
No sábado, Lula
compartilhou uma mensagem em que disse estar “chocado com os
ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram
numerosas vítimas”.
“Ao expressar
minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao
terrorismo em qualquer de suas formas. O Brasil não poupará esforços para
evitar a escalada do conflito, inclusive no exercício da Presidência do Conselho
de Segurança da ONU”, continuou o presidente.
Na mensagem, Lula
ainda conclamou “a comunidade internacional a trabalhar para que se retomem
imediatamente negociações que conduzam a uma solução ao conflito que garanta a
existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo
pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados”.
Apesar de elogiar o equilíbrio na posição de Lula, Calandrin considera negativo o fato de o presidente e o Itamaraty não classificarem o Hamas como um grupo terrorista. As manifestações brasileiras criticaram “ataques terroristas”, mas sem citar diretamente a organização militante.
“A atuação do Hamas
não representa um consenso entre os palestinos. É um grupo que é assumidamente
violento, antissemita e a favor da destruição do Estado de Israel”, ressalta.
“Então, é
importante condenar a atuação do Hamas para que o Hamas se enfraqueça
internacionalmente na sua narrativa, que é onde o Hamas mais ganha. Ele talvez
não ganhe na esfera militar, mas ele ganha na esfera da propaganda política”,
acrescentou.
As manifestações de
Lula e do Itamaraty nesse ponto seguem uma tradição da diplomacia brasileira.
Historicamente, o
governo brasileiro só aceita classificar uma organização como sendo terrorista
se ela for considerada assim pela Organização das Nações Unidas (ONU).
É o caso dos grupos
islamistas Boko Haram, Al-Qaeda e Estado Islâmico — consideradas organizações
terroristas pela ONU e, portanto, também pelo governo brasileiro.
A classificação do
grupo palestino Hamas como terrorista é um tema que divide a comunidade
internacional.
Países como Estados
Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e as nações da União Europeia classificam
o Hamas como uma organização terrorista. Em suas manifestações no final de
semana - após os ataques do Hamas no sul de Israel -, praticamente todos esses
países voltaram a chamar o Hamas de grupo terrorista.
Já a posição do
Brasil é compartilhada por nações como China, Rússia, Turquia, Irã e Noruega,
que não adotam essa classificação.
(Fonte: BBC)
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