A
proteção aos direitos desses trabalhadores foi a justificativa para a criação
do GT, sendo a iniciativa, por si só, um grande avanço no debate do tema. Cabe
ressaltar, no entanto, que se malfeita, a regulação trará consequências
extremamente danosas à economia e aos próprios trabalhadores.
Convidada
a participar do GT apenas como ouvinte, a Abrasel representa 1,9 milhões de
brasileiros que empreendem no setor, gerando 5,1 milhões de empregos diretos e
a participação de 2,7% no PIB nacional. Diante de tamanha responsabilidade,
defende uma regulação tão justa para os trabalhadores quanto eficiente para
manutenção e crescimento do setor de alimentação fora do lar no país.
Para
tanto, entende que dois princípios são basilares e intransponíveis: o caráter
autônomo do trabalho para preservação da flexibilidade e da independência que
lhe são características; e a concessão de direitos fundamentais previstos no
regramento brasileiro, com distribuição equilibrada de custos. A conta não pode
pesar excessivamente nem para os trabalhadores, nem para os empregadores.
Encerrado
no fim de setembro, sem qualquer manifestação contundente do governo, o “ponto
final” do GT foi somente um conjunto de sinalizações sobre ganhos e proteção
social – ainda sem caráter oficial: uma renda mínima, por hora trabalhada, de
R$30 para motoristas de veículos e de R$17 para entregadores, valor
significativamente acima da referência internacional. Em diversos países, o
salário mínimo-hora tem sido considerado parâmetro para definição do ganho base
desses trabalhadores, com acréscimos de 20 a 30% sobre o valor da hora
trabalhada. No Brasil, o salário mínimo por hora é R$6, de modo que a proposta
do governo estabelece um piso superior a 180%, seis vezes maior.
Já
a proposta de previdência posta à mesa pelo governo, sem grandes conversas, não
dialoga com a realidade do setor. Prevê alíquotas de 20% e 7,5% para empresas e
trabalhadores, respectivamente, a incidirem sobre 25% dos ganhos brutos do
motorista e injustificáveis e absurdos 50% dos ganhos brutos do entregador. São
três as preocupações da Abrasel com relação ao assunto.
Primeiramente,
a proposta do governo desconsidera, por completo, a Instrução Normativa da
Receita Federal (IN RFB 2110/2022), segundo a qual o salário de contribuição de
motoristas de transporte individual remunerado e transportadores de carga deve
ser equivalente a 20% dos seus ganhos brutos. Por que mudar a regra do jogo e
ampliar a carga tributária dos trabalhadores? A regra já em vigor deve ser
mantida para garantir um tratamento isonômico entre trabalhadores de ocupações
similares.
Em
segundo lugar, a proposta cria uma política regressiva para o trabalhador, na
contramão de todos os esforços que o governo vem fazendo para a construção de
um sistema tributário mais justo, como, por exemplo, na revisão da tabela do
imposto de renda. Ao estabelecer um salário de contribuição superior para o
entregador, em comparação com o motorista, na prática a proposta fará quem
ganhe menos pagar mais.
Por
último, a Abrasel teme a perda de uma oportunidade de pensar, de forma
inovadora, em um sistema de previdência que se adapte a essa nova forma de
trabalho. Não é esperado, e nem será, que todos os trabalhadores intermediados
por aplicativos alcancem o salário mínimo de contribuição para a previdência,
em função do caráter de complementação de renda dessa atividade e do tempo
trabalhado nesse tipo de ocupação.
Essa
é uma premissa que não se pode desconsiderar, caso a intenção do governo seja
efetivamente garantir que entregadores que atuam via plataformas se aposentem e
acessem os benefícios de proteção de renda decorrentes da previdência. Caso
contrário, o trabalhador será excessivamente taxado, sua renda será reduzida e
não haverá a esperada e necessária inclusão previdenciária.
Por fim, e não menos importante, uma carga tributária excessiva imposta às empresas inevitavelmente será repassada para restaurantes e consumidores, com custos também para o trabalhador. Resultados?
1) Diminuição de postos de trabalho, já que, com as novas regras, muitos trabalhadores deixarão as plataformas;
2) Aumento de postos informais de trabalho, fazendo cair por terra o esforço de proteção social da regulação;
3) Diminuição da capacidade de atendimento dos restaurantes por falta de oferta de serviço;
4) Diminuição do número de pedidos de delivery por plataformas, em função do aumento das taxas de entrega, com efeito negativo sobre o faturamento dos restaurantes;
5) Redução de postos de
trabalho formais em bares e restaurantes, pois com demanda e faturamento
menores, estes estabelecimentos também verão diminuída a sua capacidade de
contratação de um trabalhador CLT, com jornada integral.
Uma
boa regulação, portanto, é aquela que também preserva a existência e estimula o
crescimento da economia. Desconsiderar seus efeitos na cadeia traz o
inaceitável risco de que ela maltrate ainda mais o setor de bares e
restaurantes, que luta para se recuperar dos efeitos da pandemia da Covid-19 e
que ainda tem mais de 50% dos seus estabelecimentos operando sem lucro e
padecendo de enorme endividamento.
(JB)
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