Cassia Lemos,
pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é uma das
brasileiras que tem se dedicado a prever como as mudanças climáticas devem
impactar o sistema de saúde do Brasil.
A articuladora da
AdaptaBrasil, plataforma que mostra os potenciais riscos das mudanças climáticas
no país em diversas áreas, afirma que estudos já mostram que as doenças que
mais devem aumentar com as mudanças climáticas são as arboviroses.
"Além da
dengue, que já é um problema, nossas projeções mostram que a malária deve se
alastrar ainda mais pela região Norte e atingir de forma intensa o litoral do
Nordeste até 2050."
As projeções da
plataforma criada pelo governo federal, em parceria com instituições de ensino
de pesquisa do Brasil, também apontam para o aumento de casos de leishmaniose
tegumentar americana e leishmaniose visceral.
Para chegar às
previsões, os pesquisadores analisaram o perfil epidemiológico das infecções,
as especificidades de cada doença e dados sobre o desenrolar da condição de
saúde — por exemplo, hospitalização ou morte.
Em seguida, foram
considerados os aspectos socioeconômicos e demográficos de cada município, a
organização e a qualidade do sistema de saúde em escala municipal para
responder às demandas sanitárias pelas doenças e para promover a vigilância e
controle dos vetores.
"Com isso,
percebemos que não é somente o aumento de temperatura ou eventos climáticos
extremos que irão causar as doenças, mas as próprias características
socioecológicas da população brasileira devem favorecer a proliferação dessas
patologias", diz Cassia.
Para Leandro
Gurgel, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), outro fato que devem
contribuir para que as arboviroses sejam um problema maior no futuro é que os
mosquitos e pernilongos levam ao "pé da letra" a Teoria de Seleção
Natural de Charles Darwin.
"Todos nós
temos um limite de tolerância de temperatura, seja superior ou inferior, mas o
que temos notado é que os vetores se adaptam cada vez melhor a esses extremos
climáticos. Isso os torna um problema cada vez maior para a saúde pública do
mundo, pois mais resistentes, [os mosquitos] possuem mais exemplares e
consequentemente conseguem atingir mais pessoas transmitindo doenças",
aponta Gurgel.
Como exemplo, o
pesquisador da Fiocruz cita a capacidade de reprodução do Aedes aegypti —
um dos vetores mais conhecidos dos brasileiros por transmitir a dengue,
chikungunya e zika vírus.
"O Aedes
aegypti é um mosquito cada vez mais adaptado às mudanças do clima.
Antigamente, ouvíamos que ele somente se reproduzia em água limpa e parada.
Hoje em dia, por exemplo, sabemos que ele se reproduz em lixo, água suja e que
o ovo do mosquito pode se manter viável por mais de um ano sem água", diz.
"Mas o pior é
que, hoje em dia, não é apenas picando uma pessoa contaminada que o vetor se
contamina e transmite a doença. O simples ato de uma fêmea 'grávida' do Aedes
aegypti picar uma pessoa com dengue, automaticamente, faz com que ela
contamine até 50% dos seus 'filhos'. Ou seja, são novos Aedes que
já apresentam capacidade de transmitir doenças em sua origem", explica
Gurgel.
Maior risco de morte
Não são apenas as
doenças arboviroses que devem aumentar no futuro.
Estudos mostram que
doenças respiratórias, cardiovasculares e até renais devem aumentar no Brasil a
partir do acréscimo de 1,5ºC a 4ºC na temperatura média até o final deste
século, conforme projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC) das Nações Unidas.
Para se ter uma
ideia, uma pesquisa que avaliou os registros de saúde de 1.816 cidades
brasileiras entre 2000 e 2015 sugere que o aumento de 1ºC na temperatura média
pode ter elevado em quase 1% o risco de internações por doenças que afetam os
rins. A pesquisa foi realizada pela Universidade de São Paulo (USP) e pela
Universidade Monash, da Austrália.
Segundo os
estudiosos, grande parte das doenças renais ocorrem devido à desidratação, o
que deve se agravar a partir do aumento da temperatura nos próximos anos.
Ao mesmo tempo,
outro estudo do Salud Urbana en América Latina (Salurbal), publicado na revista
Nature Medicine, constatou que quanto maior a temperatura, maior o risco de
morte por doenças cardiovasculares e respiratórias.
Para chegar à
conclusão, os pesquisadores analisaram a relação entre as temperaturas altas ou
baixas demais e a mortalidade em 326 cidades de nove países da América Latina,
entre 2002 e 2015.
"O que a gente
notou é que tanto para as temperaturas extremas para baixo [frio], quanto para
as temperaturas extremas para cima [calor], aumenta o risco de morte para as
doenças. Entretanto, quando é maior a temperatura para cima [calor], esse risco
de morrer aumenta", explica Waleska Teixeira Caiaffa, médica brasileira
que participou do estudo e coordenadora do Observatório de Saúde Urbana da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Isso porque a
exposição em longo prazo às altas temperaturas diminui a capacidade do corpo de
ter uma temperatura constante, levando à insolação, síncope e exaustão ao calor
— o que causa maiores chances de a pessoa ter uma AVC, por exemplo.
"Os dados
somente evidenciam como mudanças climáticas não são uma pauta que deve estar
ligada somente ao meio ambiente, mas a todos os setores, pois todos de alguma
forma vão ser afetados pelo aumento da temperatura ou eventos climáticos
extremos", aponta Waleska Caiaffa.
Outras doenças
Também deve crescer
no Brasil a incidência de doenças infecciosas e parasitárias a partir de
alagamentos provocados por desastres naturais ou eventos climáticos extremos em
grandes centros urbanos.
Isso porque a
chuva, a dificuldade na drenagem de águas e as falhas na coleta de lixo e
esgoto configuram cenários propícios para surtos de leptospirose.
Da mesma forma, a
falta d'água em função das altas temperaturas pode provocar mais casos de
esquistossomose e diarreias, problemas decorrentes do consumo de água
contaminada.
Os caramujos do
gênero Biomphalaria, que são hospedeiros do parasita que causa a
esquistossomose, são favorecidos por pontos de água com pouca correnteza.
"Pode ser, por
exemplo, que tenhamos mais problema de malária no Norte e Nordeste, mas de
dengue no Sudeste. O aumento de doenças vai depender muito de quais vão ser as
mudanças climáticas para cada região e de como é a situação socioeconômica da
população", afirma James Venturi, coordenador do programa de pós graduação
de doenças infecciosas e parasitárias da Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul (UFMS).
O pesquisador
também ressalta que a própria resposta da sociedade pode favorecer a
proliferação de certos parasitas.
"Então, por
exemplo, quando eu tenho aumento de temperatura e passo a ter a necessidade de
usar ainda mais agrotóxicos e fungicidas, já percebemos uma seleção natural,
tornando esses parasitas mais resistentes e propícios a contaminar [no sentido
de infectar] seres humanos no futuro."
Ação e reação
Para Leandro
Gurgel, pesquisador da Fiocruz, mais do que nunca é preciso empenho de governos
e sociedade civil em prol da mitigação das mudanças climáticas.
"Assim como as
doenças, que são resultado de uma agressão ao meio ambiente, a mesma coisa está
acontecendo com o meio ambiente. Nós o estamos agredindo e uma hora a conta
chega, seja com aumento de temperatura, alteração no regime de chuvas ou até
eventos climáticos extremos", afirma.
Waleska Teixeira
Caiaffa, da UFMG, destaca que a situação precisa ser mais discutida pela
sociedade.
"As pessoas
precisam entender que o que a gente esperava acontecer em 2030 já está
acontecendo. É necessário organizarmos nosso serviço de saúde para essas novas
demandas, e isso também inclui planejamento urbano."
"Um idoso na
favela que mora em uma casa sem água encanada ou saneamento básico pode ser uma
potencial vítima das mudanças climáticas. Assim como uma criança sem acesso a
serviços básicos de saúde. É preciso que entendamos a gravidade das mudanças
climáticas", afirma a médica.
(Fonte: BBC)
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