Menciono dois fatores de ordem principalmente
política que ajudam a entender a instabilidade recente no sistema financeiro. E
que nos autorizam a dizer, acredito, que a “crise” foi em larga medida
fabricada.
As eleições de 2026
Primeiro fator: nos últimos meses, ficou evidente que Lula pretende disputar e
será um candidato forte à reeleição em 2026. A tradicional direita neoliberal,
que controla o sistema financeiro e a mídia, não vê isso com bons olhos, para
dizer o mínimo.
Vou ser mais claro. Não vamos nos iludir. Boa
parte dessa direita – que tem a cara-de-pau de se apresentar como “centro” –
nutre ódio a Lula e à centro-esquerda. Senão ódio, desprezo. Senão desprezo,
profunda desconfiança e rejeição. Ela constitui um agrupamento pernicioso, de
gente reacionária, mentalmente estreita e profundamente antinacional. O perigo
para o Brasil está também nessa gente, e não apenas na ultradireita
bolsonarista.
Infelizmente, diga-se de passagem, o governo
Lula está infestado de neoliberais, alguns bem militantes, o que explica a sua
dificuldade de avançar. A “Arca de Noé”, montada por Lula em 2022, tem o seu
preço – e não é pequeno. Apesar disso, ele tem conseguido significativos
resultados econômicos e sociais, o que deixa os adversários ainda mais
alarmados.
O presidente da República tem dado muitos
sinais de paz e tomado decisões conciliatórias. Perfeitamente compreensível. É
um jogo que ele joga bem. Mas com que resultado nesta temporada política? Fica
às vezes a sensação de que o seu esforço de conciliação possa estar sendo visto
como indício de fraqueza. Apesar dos esforços de pacificação, a execrável
plutocracia local continua militantemente contra o governo, buscando toda e
qualquer oportunidade para atacá-lo.
Como se sabe, a direita tradicional tem muito
poder – político, financeiro e midiático. Mas sofre de um pequeno problema: não
tem votos para vencer eleição presidencial. Gostaria de viabilizar uma
candidatura de “terceira via” para 2026, mas percebe provavelmente que será
muito difícil. Uma opção mais viável para ela seria construir uma “Arca de Noé”
pela direita com Tarcísio de Freitas como candidato. A ideia é combinar os
votos de Bolsonaro com um candidato mais amplo e aparência um pouco mais
“civilizada”. Os liberais de quinta categoria da direita tradicional não teriam
nenhum escrúpulo em se aliar de novo com o bolsonarismo. Os seus porta-vozes
mais chinfrins já clamam em público por um “bolsonarismo moderado”.
Portanto, o que se procura, desde logo, é
enfraquecer e manietar Lula para que ele chegue desidratado à próxima eleição
presidencial – de preferência com cara de terceira via. Um Lula fraco, com
jeito de terceira via, poderá ser derrotado. Ou, no mínimo, forçado a negociar
com a direita tradicional, ou parte dela, nova frente ampla que mantenha um
eventual Lula 4 nessa mesma condição atual de parcialmente bloqueado e cerceado
na sua capacidade de promover mudanças.
A sucessão no Banco Central
Mas há um segundo fator por trás da “crise”. E mais imediato do que 2026. Trata-se da escolha por Lula de quem exercerá a presidência do Banco Central. Até o final do ano, o presidente da República terá de escolher não só o presidente, como também dois novos diretores para o Banco Central. Os indicados de Lula no Comitê de Política Monetária terão maioria folgada a partir de janeiro de 2025.
Consequência? A turma, ou melhor turba da
bufunfa, ficou na espreita e, no momento que julgou adequado, tratou de
providenciar uma turbulência econômica, com a ajuda prestimosa de Roberto
Campos Neto. Para quê? Para tentar intimidar o presidente da República e o
ministro da Fazenda. A mídia corporativa, em sua maior parte um mero puxadinho
da Faria Lima, entrou em campo com alertas dramáticos. Armínio Fraga, um
funcionário do status quo, veio a público ameaçar o presidente da República com
um “fiasco político” e uma grave crise caso erre na escolha do novo presidente
do BC. Edmar Bacha, outro funcionário do status quo, disse textualmente: “Lula
tem que se comportar”. Veja só, leitor ou leitora, a imensa arrogância dessa
gente (estava para escrever “corja”, mas me contive).
Querem mesmo é que Lula indique um deles para
o cargo. Alguém tipo Henrique Meirelles, ou o próprio Fraga, ou tipo Ilan
Goldfajn, para mencionar apenas alguns nomes do longo rol de fiéis serviçais do
capital financeiro. Não sendo isso possível, aceitam que seja indicado alguém
cooptável.
Nesse momento, já há quatro indicados por
Lula na diretoria do Banco Central. Andam bem mansos, no geral. Nada dizem,
nada fazem – até onde se pode perceber. Acredito que estejam envolvidos em um
cauteloso movimento tático, esperando o não tão distante janeiro de 2025.
Espero que seja mesmo apenas tático. De
janeiro em diante, o jogo tem de mudar. Evidentemente, ninguém vai dar um
cavalo-de-pau numa instituição da complexidade do Banco Central. Mas não pode
ser mais do mesmo.
O Banco Central tem funções da maior
importância – conduz a política monetária, emite moeda, supervisiona e regula o
sistema financeiro, integra e secretaria o Conselho Monetário Nacional,
administra as reservas internacionais do país, funciona como emprestador de
última instância em períodos de crise financeira sistêmica, entre outras. Não
deve, portanto, ser conduzido de forma independente do resto do governo e da
política econômica – e alinhado apenas com o lobby financeiro privado.
É importante acertar na escolha do presidente
e dos dois novos diretores. O futuro presidente do Banco Central deve ser, na
minha modesta opinião, alguém não só com conhecimento e experiência, como
também muito próximo do presidente da República. Assim, ficará mais viável
estabelecer a indispensável sintonia entre a política monetária e o resto da
política econômica.
***
Uma versão resumida deste texto foi publicada
na revista Carta Capital.
O autor é economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento,
estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI
pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela
editora LeYa o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém,
segunda edição, 2021.
E-mail: paulonbjr@hotmail.com
X: @paulonbjr
Canal YouTube: youtube.nogueirabatista.com.br
Portal: www.nogueirabatista.com.br
(Fonte: Jornal do Brasil)
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