O
lançamento oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza está previsto
para ocorrer de forma paralela à Cúpula de Líderes do
G20, marcada para começar no dia 18 de novembro. Após o lançamento
formal, ela será administrada por uma estrutura internacional com escritórios
previstos em Roma, Adis Abeba (Etiópia), Bangkok (Tailândia), Brasília e
Washington.
Especialistas
ouvidos pela Agência Brasil veem com bons olhos a aliança, mas
alertam para os desafios que ela precisa superar para ser, de fato, efetiva.
Duas questões são centrais: que os países adotem medidas de longo prazo, que
gerem resultados contínuos, e que haja inclusão da sociedade civil na
implantação das políticas.
Sobre
o primeiro ponto, o professor Renato Sérgio Maluf, da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), defende que as ações tragam uma visão mais
ampla e sistemática de direitos humanos. Ele também é coordenador do Centro de
Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Ceresan).
“É
importante evitar políticas implementadas de maneira assistencialista, com
perspectiva de curto prazo, emergenciais, que não priorizam ações mais
estruturantes”, diz o professor.
“Programas
contra fome e pobreza precisam focar na superação das desigualdades. Não é
simplesmente transferência de renda ou doação de alimentos. Você não explica os
êxitos que o Brasil teve nesse tema sem considerar o papel da recuperação do
emprego, a política de valorização do salário mínimo e a introdução de vários
direitos sociais”, completa Renato Maluf.
Sobre
a participação efetiva da sociedade, Renato Maluf lembra que ela depende muito
dos aspectos políticos e sociais de cada país. Em outras palavras, o quanto de
liberdade cada povo tem na luta e reivindicação por direitos.
“A
metodologia brasileira nesse campo tem um componente muito importante que é a
participação social. E isso você não transfere. Isso depende das dinâmicas mais
ou menos democráticas de cada país. Nós temos aqui uma crença muito
estabelecida do papel dos movimentos sociais. Esperamos que a plataforma seja
também estimuladora de processos desse tipo de participação”, analisa Maluf.
Para
Mariana Santarelli, coordenadora na FIAN Brasil, organização de direitos
humanos que advoga pelo direito à alimentação e nutrição adequadas, o grande
trunfo do país na promoção da aliança é a experiência acumulada em décadas no
combate à fome e à pobreza.
“Por
incrível que pareça, a gente vê que, mesmo nos países do Norte Global, não há
políticas tão eficientes voltadas para a garantia do direito à alimentação.
Somos uma referência, incluímos o direito à alimentação na Constituição
Federal, que tem uma lei orgânica de segurança alimentar e nutricional, um
sistema para garantir esse direito e que faz investimento com seu orçamento
próprio. Isso não é uma realidade em boa parte do mundo”, disse Mariana, que
também é membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea).
Cesta
de políticas
O
ponto central da Aliança Global contra a Fome é a disponibilidade de uma cesta
de políticas, que contém em torno de 50 possibilidades de ação contra a fome e
a pobreza. A ideia é que elas sejam adaptadas aos contextos nacionais
específicos. Estão divididas em dez categorias mais amplas.
São
elas: proteção social (como programas de alimentação escolar), acesso aos
serviços básicos (como água potável), acesso a ativos produtivos (posse de
terra, por exemplo), infraestrutura (mobilidade e informação, por exemplo),
crédito e serviços financeiros, apoio a pequenos agricultores, nutrição,
programas integrados (como resiliência climática), instrumentos transversais
(como registro de agricultores) e financiamento (reformas fiscais).
A
plataforma é pensada para ser um trabalho colaborativo. Todos os membros podem
editá-la, incluir exemplos de políticas bem-sucedidas e sugerir a implementação
de uma nova política. Nesse último caso, é preciso que a sugestão esteja
enquadrada em cinco critérios. São eles: ser instrumento de política bem
definido, com escopo claro; poder ser realmente implementado pelos governos;
trazer dados que comprovem efetividade; ter foco principalmente nas pessoas em
situação de pobreza e fome; e contribuir para alcançar os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável 1 (erradicação da pobreza) e 2 (fome zero e
agricultura sustentável).
“Para
se combater a fome a pobreza, você precisa que isso seja feito por meio de
políticas de Estado. Pode parecer normal para quem está no Brasil. Mas não é,
por exemplo, quando você pensa nos países do continente africano, em que é
muito comum ter agências internacionais e ONGs fazendo esse papel de
implementação. Esse é um grande diferencial dessa aliança em relação a outras
criadas antes”, analisa Mariana Santarelli.
Dados
sobre fome global
O
principal estudo sobre a fome no mundo é da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO). O indicador usado pela FAO é o de subnutrição,
definido como a condição de um indivíduo cujo consumo habitual de comida é
insuficiente para manter uma vida normal, ativa e saudável.
No
relatório publicado este ano, referente a 2023, a proporção da população
mundial subnutrida foi de 9,1%, o que representa entre 713 milhões e 757
milhões de pessoas. O percentual se manteve praticamente igual nos últimos três
anos, o que indica estagnação no combate ao problema. A África é a região com a
maior porcentagem da população enfrentando fome (20,4%), seguida pela Ásia
(8,1%), América Latina e Caribe (6,2%), Oceania (7,3%), América do Norte e
Europa (abaixo de 2,5%).
Dados
sobre fome no G20
Os
países pertencentes ao G20 também têm níveis bem diferentes de subnutrição. A
FAO comparou os dados do triênio 2004/2006 aos do triênio 2021/2023. A África
do Sul foi a única que apresentou piora: passou de 1,7 milhão de subnutridos
para 4,9 milhões. A Índia chama atenção pelo número alto, mesmo com redução:
foi de 246,5 milhões para 194,6 milhões.
O
Brasil (de 11,7 milhões para 8,4 milhões) e o México (de 4,4 milhões para 3,9
milhões) conseguiram baixar seus números, enquanto Argentina (1,4 milhão) e
Arábia Saudita (1,1 milhão) tiveram resultados iguais nos dois períodos.
O
total de subnutridos na Alemanha, França, Itália, no Reino Unido, na Rússia,
nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e Coreia do Sul foram considerados
inexpressivos pela FAO, abaixo de 2,5% da população de cada país, e por isso
não tiveram números absolutos reportados.
A
Turquia e a China se destacaram por baixar a quantidade de subnutridos a níveis
considerados inexpressivos: eram 2,6 milhões e 94,6 milhões subnutridos,
respectivamente, no triênio 2004/2006. E não tiveram dados reportados em
2021/2023, por terem índices abaixo de 2,5%.
Adesões
O
primeiro país do G20 que aderiu à Aliança Global foi a Alemanha, ao assumir
compromissos de contribuir com a promoção da agricultura sustentável e com o
reforço das redes de segurança social, como políticas de salário mínimo.
A
Organização dos Estados Americanos (OEA) se juntou ao grupo, ao anunciar que
desejava “alinhar ações e desenvolver soluções inovadoras, assim como
compartilhar práticas e experiências que contribuam para o combate à pobreza e
à desigualdade”.
A
Fundação Rockefeller foi a primeira entidade filantrópica a se juntar à
iniciativa. E anunciou que contribuirá com recursos financeiros, assistência
técnica, apoio à capacitação e conhecimento para apoiar países que
implementarão programas de alimentação escolar.
Na
sequência, veio a adesão das Instituições Financeiras Internacionais (IFI),
conjunto de organizações de caráter multilateral, que incluem: Banco Africano
de Desenvolvimento (AFDB), Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura
(AIIB), Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), Banco
Europeu de Investimento (EIB), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Fundo Monetário
Internacional (FMI), Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e Grupo Banco Mundial
(GBM).
Resistência
do mais ricos
Uma
vez que os problemas da fome e da pobreza não afetam de forma expressiva boa
parte dos países do G20, fica a dúvida em relação ao engajamento deles na
Aliança Global. Além da prevalência dos interesses domésticos, existe a
dificuldade em projetar colaborações internacionais de grande escala em um
contexto internacional de conflitos armados e políticos.
“Sempre
há resistência dos países mais ricos nesse item. Primeiro que, em muitos deles,
as questões da fome e da desigualdade estão lá também, mas não faltam recursos
para eles enfrentarem essas questões domésticas”, diz o professor Renato Maluf.
“Mas
há outras duas questões. A primeira é a governança global dos sistemas
alimentares, que está sob forte disputa, e as Nações Unidas até agora têm
atuado em uma direção muito problemática a partir da cúpula que promoveu dos
temas alimentares, em que a agenda foi basicamente ditada pelas grandes
corporações”, complementa.
“O
segundo elemento de onde pode vir resistência é o da cooperação internacional,
que andou claudicando nos últimos tempos. A Aliança Global é um instrumento de
cooperação internacional e o contexto está muito desfavorável. Entendo que vai
ser preciso um engajamento forte para convencer os países a se envolverem.
Podem até assinar uma declaração de apoio, mas o engajamento efetivo vai
depender de muito convencimento”, conclui.
(Ag.
Brasil)
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