O pagamento da recompensa é feito pelo
programa Rewards for Justice (RFJ, inglês para "Recompensas pela
Justiça") do Departamento de Estado americano.
Segundo o RFJ, o Hezbollah tem gerado
receita na Tríplice Fronteira por meio de "lavagem de dinheiro, tráfico de
drogas, falsificação de dólares americanos, comércio ilegal de diamantes e
contrabando de grandes quantidades de dinheiro em espécie, carvão, cigarros e
petróleo".
Ainda segundo o programa, os membros do
grupo também atuam em atividades comerciais "aparentemente
legítimas", como construção civil, comércio de importação e exportação e
venda de imóveis.
O Departamento de Estado dos EUA
designa o Hezbollah como organização terrorista estrangeira desde outubro de
1997.
E essa não é a primeira vez que o órgão
americano aponta a região da Tríplice Fronteira como de interesse para o grupo.
Em seus relatórios anuais de contraterrorismo, a instituição vem apontando há
anos o local como estratégico para arrecadação de fundos para o Hezbollah.
"Os financiadores e facilitadores
do Hezbollah na TBA [Tríplice Fronteira] possuem redes multinacionais que geram
milhões de dólares em receitas para o Hezbollah no Hemisfério Ocidental. Muitos
desses indivíduos também organizaram atividades de arrecadação de fundos e
transferiram os lucros da TBA para o Hezbollah no Oriente Médio", diz o
comunicado divulgado pelo RFJ na segunda-feira (19/5).
O órgão prometeu as recompensas em
troca de informações que resultem na identificação e neutralização de tais
mecanismos financeiros do grupo.
O governo americano diz estar atrás de
doadores ou facilitadores financeiros, instituições financeiras ou casas de
câmbio que ajudem com as transações, empresas controladas pela organização ou
companhias de fachada envolvidas na aquisição internacional de tecnologia em
nome do grupo, entre outras pistas.
O que é o
Hezbollah?
O Hezbollah é um partido político xiita
e um grupo armado com forte influência no Líbano,
tanto no parlamento quanto no governo.
Controla a mais poderosa força militar
do país. O grupo surgiu na década de 1980, em reação à ocupação israelense do
sul do Líbano durante a guerra civil (1975-1990).
Com apoio militar e financeiro do Irã e
alianças com a Síria de Bashar al-Assad, o Hezbollah já realizou ataques letais
contra forças israelenses e americanas.
Após a retirada das tropas israelenses
do Líbano em 2000, o Hezbollah assumiu o crédito pela vitória.
A guerra de 2006 entre Hezbollah e
Israel, desencadeada por um ataque do grupo, resultou na morte de cerca de mil
civis, mas o Hezbollah saiu fortalecido, expandindo suas capacidades militares.
O grupo é considerado uma organização
terrorista por outros países além dos EUA, incluindo Israel, Estados árabes do
Golfo e outras nações ocidentais.
Prisões no
Brasil
Em novembro de 2023, a Polícia Federal
(PF) prendeu três suspeitos de integrar o Hezbollah durante a
Operação Trapiche, contra o financiamento de terrorismo no Brasil.
Na época, três suspeitos de planejarem
ataques contra a comunidade judaica no país foram presos em São Paulo e no Rio
de Janeiro.
As investigações, que contaram com o
apoio de serviços de inteligência dos Estados Unidos e de Israel, apontaram que
um grupo de pelo menos quatro pessoas teria mapeado possíveis alvos para
ataques em diversos pontos do Brasil, inclusive contra a Embaixada de Israel,
em Brasília.
De acordo com investigadores da PF
ouvidos pela BBC News Brasil na época, os planos teriam sido intensificados
após o início dos conflitos entre o grupo palestino Hamas e o governo de Israel
na Faixa de Gaza em outubro de 2023.
Em uma segunda fase da operação,
deflagrada em agosto de 2024, mais um mandado de prisão preventiva foi cumprido,
desta vez em Belo Horizonte.
Nesta fase da investigação, o principal
suspeito estaria envolvido no financiamento dos atos de terrorismo planejados,
segundo a PF.
Descobriu-se que o principal
investigado, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade de imigrantes e
refugiados, utilizou seus dados pessoais para abrir contas bancárias e empresas
por onde circulou recursos de origem ilícita.
Hezbollah e a
tríplice fronteira
As atividades do Hezbollah na Tríplice
Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai motivaram uma série de relatórios
de inteligência, do Departamento de Estado e do Congresso dos EUA.
Em 2002, o Departamento de Estado
lançou a iniciativa "3 + 1 Group on Tri-Border Area Security", pelo
qual os americanos ofereciam treinamento e financiamento para ações de
contraterrorismo na Tríplice Fronteira.
Informações de inteligência de agências
americanas também passaram a ser compartilhadas com mais frequência com os
colegas latino-americanos e o Comando Militar do Sul dos Estados Unidos intensificou
sua presença e atividades conjuntas com as forças armadas dos três países. De
lá pra cá, a região e suas implicações com o Hezbollah estão constantemente no
radar dos EUA.
Em 2011, o assunto foi tema de uma
sabatina no subcomitê de Contraterrorismo e Inteligência da Câmara dos
Deputados americana. Na ocasião, a deputada Jackie Speier, da Califórnia,
resumiu o entendimento das autoridades americanas sobre a situação do grupo
libanês na América Latina:
"O grupo (Hezbollah) supostamente
realiza ampla atividade financeira ilícita na América Latina, incluindo tráfico
de drogas, falsificação e contrabando. O epicentro dessas atividades é a Área
Tríplice Fronteiriça, uma região subgovernada entre Brasil, Argentina e
Paraguai, onde as autoridades policiais locais não conseguiram combater as
atividades de numerosas organizações terroristas e criminosas".
A preocupação com o Hezbollah se
justificava não só porque, até os eventos do 11 de setembro de 2001, o grupo
xiita era o responsável pelos mais mortíferos assaltos a alvos americanos: em
1983, integrantes do Hezbollah atacaram a embaixada e uma base da marinha
americanas na capital libanesa, Beirute, e provocaram mais de trezentas
vítimas.
Autoridades argentinas também atribuem
ao grupo o que são considerados os maiores atentados em território
sul-americano na história: os ataques a bomba contra a Embaixada de Israel em
Buenos Aires, em 1992, e a Associação Mútua Argentina-Israelense (AMIA), em
1994 — que resultaram em mais de cem mortos.
Nos dois casos, a organização dos atos
teriam sido realizadas justamente na Tríplice Fronteira, afirmou a
diretora-executiva do Comitê Interamericano de Combate ao terrorismo da
Organização dos Estados Americanos (OEA), Alison August Treppel, em 2019, por
ocasião dos 25 anos do atentado à AMIA.
"A Área Tríplice Fronteiriça é há
muito considerada um centro de atividades criminosas: tráfico de armas e
drogas; contrabando de mercadorias; documentos e moeda falsificados; lavagem de
dinheiro; e a circulação de mercadorias piratas. A proximidade geográfica dos
três principais centros urbanos da área – a cidade brasileira de Foz do Iguaçu,
a cidade paraguaia de Ciudad del Este e a cidade argentina de Puerto Iguazu –
facilita o trabalho de grupos criminosos e terroristas, que se aproveitam das
vulnerabilidades das instituições públicas locais", disse Treppel, a
respeito da região que também atrai turismo de luxo graças às belezas das
Cataratas de Iguaçu.
Em 2006, o Tesouro Americano qualificou
o libanês Assad Ahmad Barakat como um "terrorista global" e o
incluiu, junto a seus irmãos, em uma lista de financiadores do Hezbollah. No
caso de Barakat, que teve parte dos negócios congelados, esse financiamento
acontecia na região da Tríplice Fronteira.
"A rede de Assad Ahmad Barakat na
Área da Tríplice Fronteira é uma importante artéria financeira para o Hezbollah
no Líbano", disse, à época, o então diretor do gabinete de Controle de
Ativos estrangeiros do Tesouro Americano, Adam Szubin.
Batizado de "tesoureiro do
Hezbollah", Barakat foi preso em 2018 pela Polícia Federal em Foz do
Iguaçu. Antes disso, porém, ele teria lavado cerca de US$ 10 milhões para o
Hezbollah em cassinos na região de fronteira, segundo a polícia argentina. Em
2020, Barakat foi extraditado para o Paraguai, onde seria julgado por falsidade
ideológica.
O libanês sempre negou as acusações. Em
entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 2002, ele disse que havia um
"complô econômico" para prendê-lo, e que acusações contra ele tinham
sido forjadas por um rival comercial que queria vingança.
"Esse absurdo (envolvimento com
terrorismo) só veio se somar ao monte de mentiras que forjaram contra minha
pessoa", disse ele à Folha na época.
Ele disse ser simpatizante do
Hezbollah, mas afirmou que "isso não é crime".
Ainda em 2006, o Tesouro americano
impôs sanções a Farouk Omairi, um libanês naturalizado brasileiro, a quem o
departamento identificou como "um coordenador dos integrantes do Hezbollah
na região,...(e) uma figura-chave na aquisição de documentação falsa brasileira
e paraguaia na tríplice fronteira."
Dezessete anos depois, em junho de
2023, o juiz federal argentino Daniel Rafecas pediu que a Interpol buscasse
Omairi, junto com outros três alvos de origem libanesa, para que fossem detidos
e explicassem sua atuação no ataque à AMIA. "Sobre esses indivíduos, há
suspeitas bem fundamentadas de que eles são colaboradores ou agentes
operacionais do braço armado do Hezbollah", escreveu Rafecas na decisão,
segundo a agência de notícias Associated Press.
Ali Hussein Abdallah, também
naturalizado brasileiro e possivelmente residente na tríplice fronteira, é
outro dos alvos no caso.
Hezbollah e o
tráfico de drogas
Um dos pontos que mais preocupa as
autoridades brasileiras e estrangeiras em relação à atuação do Hezbollah no
Brasil e na região da Tríplice Fronteira é a possibilidade de o grupo estar
ligado a facções criminosas que exploram o tráfico internacional de drogas.
No Brasil, essa ligação foi levantada
durante as investigações em torno de um brasileiro apontado como traficante
internacional de drogas ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Segundo as investigações da Polícia Federal, ele seria um dos principais nomes
da facção na fronteira do Brasil com o Paraguai. Seu nome é Elton Leonel
Ruminich da Silva, conhecido como "Galã".
Segundo informações repassadas à
Justiça Federal do Rio de Janeiro pela Secretaria de Administração
Penitenciária fluminense, foram encontrados indícios de que "Galã"
mantinha ligação com integrantes do Hezbollah e que ele e seus supostos
comparsas teriam montado um plano de fuga. Até 2019, ele estava preso na
penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, conhecida como Bangu 1, no Rio de
Janeiro.
Após o repasse das informações, a
Justiça Federal autorizou a transferência de "Galã" para um presídio
federal de segurança máxima.
Procurado pela BBC News Brasil em 2023,
o advogado de Elton Leonel Ruminich da Silva, Eugenio Malavasi, negou as
supostas ligações do seu cliente com o Hezbollah.
"Essas conexões nunca foram
provadas. Não existem. Não há nenhum elemento factual que corrobore essa
vinculação", disse Malavasi na época.
Jorge Lasmar, professor de Relações
Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, diz que
investigações da Polícia Federal também identificaram ligações entre o
Hezbollah e o PCC. Isso ocorreria principalmente por conta das atividades
ilegais executadas pelo Hezbollah envolvendo contrabando e tráfico de drogas.
"As evidências em relação a isso
estão cada vez maiores. Um documento de 2014 da Polícia Federal aponta essa
parceria com o PCC e os Estados Unidos sempre apontam essa ligação",
afirma.
Lasmar explica que essa relação ocorre
porque o Hezbollah usa diversas rotas brasileiras comandadas pelo PCC para
traficar drogas, como a tríplice fronteira e o aeroporto de Guarulhos. E, para
isso, precisa negociar com a facção paulista.
(Fonte: BBC)
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