Além
de negar todas as denúncias relativas ao seu envolvimento na trama para impedir
a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, Bolsonaro também pediu
desculpas aos ministros por ter feito acusações sem fundamento no passado.
Para
a advogada criminal e doutora em história pela Universidade Federal Fluminense
(UFF) Bruna Martins, ao evitar confrontos, adotar postura respeitosa e negar
envolvimento direto em ações golpistas, o ex-presidente reforçou a estratégia
de defesa de reduzir tensões com o Supremo e sinalizar estabilidade processual.
"Não
houve um 'grande momento', o que pode ser visto como positivo para a defesa,
especialmente considerando que o risco era alto, dado o teor da delação do
Mauro Cid", comentou à Sputnik Brasil. "Ele falou com bastante
liberdade, sem interrupções ou perguntas mais difíceis, pôde desenvolver sua
tese sem a alegação de cerceamento de defesa. Os interrogadores tiveram
dificuldade de sair do roteiro e explorar as contradições, facilitando o seu
desempenho."
De
acordo com a advogada criminal, a versão comedida de Bolsonaro "e até
irreverente" contrastou com o histórico de ataques institucionais, o que
reforça a leitura de que ele seguiu uma orientação clara da defesa técnica.
"Embora
estivesse claramente nervoso, ele foi preparado para o interrogatório […]. Tudo
indica que foi uma estratégia muito bem pensada. Essa guinada discursiva busca
despolitizar o processo, evitar atritos com o relator Alexandre de Moraes e
demonstrar suposto arrependimento, respeito institucional, com uma pitada de
ironia."
A
professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Mayra Goulart concorda e acrescenta que Bolsonaro "fez um depoimento
positivo para estreitar laços com seus admiradores" ao demonstrar respeito
às leis e as instituições e enfatizar seu jeito falastrão.
"Bolsonaro
enfatizou que sempre jogou nas quatro linhas da Constituição e defendeu seu
governo quase como uma plataforma eleitoral. Falou que aumentou o Bolsa
Família, reduziu os problemas de segurança em 30%, esquecendo que era um
período de pandemia. Então acredito que teve esse viés eleitoral, de se apresentar
quase como um candidato e renovar vínculos com seus eleitores", disse.
Já
Bruna Martins, que também é conselheira da Associação Brasileira de Juristas
Pela Democracia (ABJD) e membro da Sociedade dos Advogados Criminais do Estado
do Rio de Janeiro (SACERJ), afirmou que Bolsonaro foi orientado a reforçar uma
imagem de "excesso de retórica no calor da política", em oposição à
imagem de alguém envolvido ativamente em uma conspiração.
A
advogada comentou ainda que, ao negar o conhecimento da minuta de golpe,
contradizendo o ajudante de ordens e tenente Mauro Cid, Bolsonaro afastou a
narrativa de premeditação, elemento central para configurar a tentativa de
golpe.
Na
opinião de Martins, o interrogatório reposiciona Bolsonaro no tabuleiro
político-judicial:
"Ele
tenta se apresentar como figura institucional, buscando preservar alguma margem
de manobra para o futuro, inclusive eleitoral. Mas a resposta concreta do STF
virá só após as alegações finais."
Entretanto,
pontuou ela, se a Procuradoria-Geral da República (PGR) ou o STF entender que
há provas documentais ou testemunhais que confirmem a versão de Cid, isso pode
fortalecer a tese acusatória. Caso haja "robustez probatória fora da fala
de Bolsonaro, a estratégia de negação poderá se tornar um tiro no pé",
ponderou Martins.
O
mesmo avalia Goulart. Em sua conclusão, judicialmente, o depoimento de
Bolsonaro no STF "pode ser negativo", já que o ex-presidente
confirmou participação em reuniões e dúvidas quanto ao resultado das urnas.
"Mas, em termos políticos, pode ter tido um ganho."
Ao
lembrar que esta é a primeira vez em que figuras do mais alto escalão do Poder
Executivo são formalmente responsabilizadas por planejar a ruptura da ordem
constitucional, Martins celebrou o fato de que, independentemente do desfecho
do processo, o julgamento é um marco histórico na democracia brasileira.
"Isso
envia uma mensagem clara: a democracia brasileira, apesar de suas fragilidades,
amadureceu o suficiente para reagir institucionalmente a ataques internos. E
isso não é apenas uma resposta ao passado recente, mas uma construção de
precedente para o futuro. O que está em jogo não é apenas a responsabilização
penal de alguns indivíduos, mas o valor simbólico de reafirmar que nenhuma
autoridade, por mais poderosa que seja, está acima da Constituição." (Ag. Brasil)
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