Essa é a avaliação do cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do instituto de pesquisas Ipespe e professor colaborador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Enquanto há a expectativa no mundo político de que o presidente americano volte a aplicar sanções contra o Brasil e membros do governo e do Supremo Tribunal Federal (STF) caso Bolsonaro seja condenado por tentativa de golpe de Estado, Lavareda avalia que, caso sejam confirmadas, as medidas podem reforçar a imagem do governo como defensor da pauta do orgulho nacional.
"Do ponto de vista meramente político, com o
efeito que desperta na população, a capacidade de mobilizar solidariedade e
reforçar a coalizão tecnicamente chamada de around the flag, em
torno da bandeira nacional, do símbolo, é óbvio que o governo Lula é
beneficiado", opina.
Na última sexta-feira, numa ampliação desse
discurso, o governo federal lançou um novo slogan: "Governo do Brasil - Do
lado do povo brasileiro", no lugar de "União e Reconstrução",
adotado no início do atual mandato de Lula.
Na ocasião, o ministro da Secretaria de Comunicação
Social, Sidônio Palmeira, disse: "Agora, vivemos uma nova fase, em que o
nosso país, nossa economia e conquistas da população vivem ameaças
externas."
A nova marca já está sendo usada em peças
publicitárias e de comunicação institucional.
Mas Lavareda pondera que, caso uma eventual nova
ofensiva de Trump afete de forma significativa a economia brasileira, o ganho
do governo Lula pode ser anulado — ainda mais que a percepção da população
sobre a situação econômica já é negativa, mesmo com dados positivos sobre
desemprego, por exemplo.
"Isso vai exigir que o governo faça o esforço
de persuasão a respeito do desempenho econômico do país, porque apenas as
estatísticas oficiais não são capazes de criar esse tipo de sentimento
[positivo] na população", diz.
Especialista em comportamento eleitoral e marketing
político, Lavareda também avalia que o caminho da direita para escolher o
sucessor político de Bolsonaro para as eleições de 2026 está completamente
indefinido, já que caberá exclusivamente ao ex-presidente decidir como e quando
tomar sua decisão.
"Às vezes, algumas análises apressadas
subestimam, no eleitorado de direita, o tamanho que o ex-presidente
mantém", diz.
A última pesquisa do Ipespe, de Lavareda, sobre
quem os eleitores de direita consideram como sua maior liderança, coloca
Bolsonaro como "líder inconteste" desse campo político.
Para 67%, Bolsonaro segue sendo a grande liderança
da direita, seguido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), com 16%, e pelos governadores Ratinho Júnior (PSD), do Paraná,
e Romeu Zema (Novo), de Minas, com 3% cada.
"A direita quer chegar ao Natal com a sucessão
de 2026 resolvida. Mas Bolsonaro não tem pressa", resume Lavareda.
Para o cientista político, o ex-presidente segue
aguardando "fatos novos", inclusive mais ofensiva dos EUA, para
decidir a quem (e se) passa o bastão.
Paralelamente, ganha fôlego no
Congresso uma campanha para anistiar Bolsonaro e outros
condenados pelos ataques de 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram as
sedes dos três poderes, em Brasília.
Parlamentares de partidos do Centrão e o governador
Tarcísio de Freitas trabalham por um acordo para anistiar o ex-presidente logo
após o fim do julgamento do STF.
Tarcísio inclusive chegou a dizer que seu
"primeiro ato" numa eventual Presidência seria conceder uma anistia a Bolsonaro.
Segundo a avaliação de Lavareda, tudo isso mostra
que o julgamento em andamento no STF é só uma "partida" no embate
entre bolsonaristas e o Judiciário.
"E as disputas de cada round vão
ser resolvidas por pontos, não vai haver nocaute", diz.
Uma dessas partidas será neste 7 de Setembro, no
domingo, quando estão previstos atos de bolsonaristas em defesa da anistia ao
ex-presidente.
Para Lavareda, a depender do tamanho do ato, será
possível visualizar "a quantas anda hoje na sociedade o potencial de mobilização
dessa causa".
Leia abaixo os principais trechos editados da
entrevista com Lavareda:
BBC News Brasil - O julgamento da tentativa de
golpe já está tendo toda a atenção do país. Na sua avaliação, ele enfraquece a
figura política de Bolsonaro ou, ao contrário, trará um fortalecimento da base
bolsonarista, em torno do discurso de perseguição?
Antonio Lavareda - À primeira vista, as sessões do julgamento, da forma como vêm se
desdobrando, resultam em mais desgaste para a imagem do ex-presidente, o
fragilizando politicamente.
Não houve uma posição articulada das defesas que
lhes conferisse alguma unidade de posicionamento. Desse modo, a narrativa sobre
a "trama golpista" não foi refutada em uníssono.
A maioria dos acusados reconheceu a tentativa de
ruptura da ordem democrática, com cada um deles apenas ressalvando a sua
inocência individual.
Quando você olha as pesquisas a respeito [do
processo contra Bolsonaro] de vários institutos, você vê o seguinte: uma
maioria da opinião pública, 55%, achou justa a prisão domiciliar de Bolsonaro,
e 39% acharam injusta a prisão, segundo a pesquisa Quaest de agosto.
No final de julho, uma pesquisa do Ipespe, a Pulso
Brasil, que é uma pesquisa bimestral, perguntava se as medidas cautelares
impostas então ao ex-presidente Bolsonaro eram leves, adequadas, exageradas ou
descabidas. 54% classificaram como leves ou adequadas, 43% como exageradas ou
descabidas.
Óbvio que o julgamento é outra coisa, mas é
inegável que há uma certa conexão de atitudes e opiniões entre uma coisa e
outra.
BBC News Brasil - Bolsonaro já entrou nesse
julgamento como inelegível,
por outras razões que já foram determinadas anteriormente. Isso quer dizer que
a direita já precisa de um novo nome para as eleições de 2026. Na sua
avaliação, o que o julgamento traz de novo nessa corrida eleitoral da direita?
Lavareda -Vai depender
muito das escolhas do ex-presidente Bolsonaro.
Às vezes, algumas análises apressadas subestimam,
no eleitorado de direita, o tamanho que o ex-presidente mantém.
A mesma pesquisa do Ipespe, a Pulso Brasil do final
de julho, perguntava aos eleitores quem era o maior líder da direita do ponto
de vista da representação das opiniões e dos valores desse segmento do
eleitorado.
Bolsonaro foi mencionado por 67% como a grande
liderança do setor. O segundo colocado, governador Tarcísio de Freitas (de São
Paulo), veio com apenas 16%.
Por que digo isso? O ex-presidente Bolsonaro se
mantém como líder inconteste desse segmento. É ele que detém o bastão da
condução desse processo.
E não é por nada. O Brasil construiu na Nova
República duas lideranças carismáticas. Primeiro, foi o presidente Lula. O
segundo, que apareceu no século 21, foi Bolsonaro.
É muito difícil imaginar que o país supere líderes
carismáticos desse tamanho, mesmo em episódios difíceis. Lula, por exemplo,
enfrentou o processo da acusação pelo petrolão, o julgamento, a prisão, etc., e
emergiu como a grande força no espectro à esquerda.
A Bolsonaro estão colocadas três opções. Ele pode
apoiar o nome de um candidato da direita, um dos governadores, sendo o mais
cotado, preferido da chamada Faria Lima, o governador Tarcísio.
A segunda opção é escolher o nome de um familiar
seu. Ele conta com dois filhos em condições de sucedê-lo, o deputado Eduardo e
o senador Flávio, e conta ainda com a sua esposa, Michelle.
Ou ele pode, numa terceira alternativa que se abra,
apoiar seu próprio nome. Ou seja, insistir na candidatura e manter essa
candidatura até o momento do registro das chapas, seguindo uma estratégia
utilizada pelo presidente Lula em 2018.
Então, essa candidatura da direita passa pelo
ex-presidente Bolsonaro. Agora, qual será o caminho que ele escolherá nós vamos
ver mais adiante.
BBC News Brasil - O senhor vê como possível um
cenário em que a direita se divida nas eleições de 2026, isto é, venha com dois
ou três candidatos? Ou a direita está caminhando para tentar encontrar um nome
de acordo?
Lavareda - É
possível que outros nomes da direita se apresentem, mas de forma independente e
não como ungido e como escolhidos por Bolsonaro. Candidato associado à marca
Bolsonaro só haverá um.
Eu acho muito difícil que a direita não apresente
mais de um nome nesta eleição. Se fosse o próprio Bolsonaro, essa eleição
certamente contaria no ano que vem basicamente com dois candidatos. Mas sem
poder disputar porque ele está inelegível, é muito difícil que esse campo
consiga se organizar em torno de apenas uma candidatura.
BBC News Brasil - Na sua visão, Bolsonaro está
esperando o resultado desse julgamento para decidir? Ou seja, se ele vai ser
condenado ou não, e como vai ser o próprio desempenho da sua defesa e dos
ministros do STF?
Lavareda - Acho
que ele está esperando para tomar uma decisão. Embora o resultado do julgamento
em linhas gerais já seja uma aposta consensual entre analistas e, ao que
parece, até entre os defensores do próprio ex-presidente, acho que ele está
dando tempo ao tempo e esperando fatos novos.
Também precisamos lembrar que tem outro ingrediente
nesse julgamento.
Quando as pessoas dizem que é o julgamento do
século, é verdade. É a primeira vez que um ex-presidente é julgado e mais
ainda, um conjunto de pessoas que foram autoridades do governo anterior e
alguns generais das Forças Armadas.
Mas também é a primeira vez que você tem um
julgamento contando com o acompanhamento ativo — porque a qualquer momento
poderá se pronunciar eventualmente com sanções, com nova medida contra o Brasil
—, de um presidente da maior nação do mundo, dos Estados Unidos.
Isso confere esse grau de excepcionalidade para o
significado desse julgamento.
Então, diante de tudo isso, o ex-presidente
Bolsonaro pode estar esperando para escolher qual o melhor caminho, porque, a
rigor, ele não tem essa urgência.
Quem tem urgência são os outros pré-candidatos, que
têm problema de desincompatibilização lá em abril. Todos querem chegar ao Natal
com essa equação da sucessão de 2026 resolvida. O ex-presidente, eu diria, é o
único que não tem pressa.
BBC News Brasil - Já que tocou nesse assunto, vamos
tratar do fator Trump. O governo Lula, desde que Trump anunciou o tarifaço, tem
adotado um tom mais nacionalista, investindo na narrativa de que é um governo
que defende o interesse e a soberania nacional. Visto que o Brasil pode ser
alvo de novas sanções dos Estados Unidos com esse julgamento, o senhor avalia
que Lula pode sair beneficiado?
Lavareda - É uma
assertiva que precisa levar em conta vários aspectos.
Do ponto de vista meramente político, com o efeito
que desperta na população, a capacidade de mobilizar solidariedade e reforçar a
coalizão tecnicamente chamada de around the flag, em torno da
bandeira nacional, do símbolo, é óbvio que o governo Lula é beneficiado.
A ofensiva do Trump já facultou ao governo, por
exemplo, de certa forma tomar ou disputar no campo bolsonarista todas as
simbologias associadas ao patriotismo.
Esse discurso entre aspas 'patriota', que era um
monopólio da direita nos últimos tempos, foi no mínimo bastante disputado hoje
pelo governo Lula também.
A maioria nítida da opinião pública rechaça as
investidas de Trump sobre o Brasil.
Toda vez que o Trump der um passo adiante contra o
Brasil, vai ampliar essa coalizão 'around the flag', a coalizão em torno
da bandeira, fortalecendo o presidente.
Mas precisamos estar atentos também para o fato de que
o presidente norte-americano, pelo que se vê, não tem limites. E essas ações
podem, de certa forma, prejudicar cada vez mais a economia brasileira e isso
terminar sendo danoso para o país.
Então tem essas duas dimensões. Do ponto de vista
político eleitoral, a curto médio prazo, pode ser positivo, mas se for danoso
para a economia do país e se arranhar muito mais do que o tarifaço arranhou até
agora, se ferir com contundência a economia nacional, isso pode se tornar
negativo para o governo, porque, uma vez que seja negativo para o país,
inexoravelmente será negativo também para o governo.
BBC News Brasil - Mas olhando no cenário hoje, na
sua visão, Lula se cacifa como o favorito à reeleição ou o escolhido de
Bolsonaro nesse momento é a opção favorita para 2026?
Lavareda - Olha, 60
dias atrás, antes de Trump, Lula era um provável derrotado em 2026, basta
recuperar todos os prognósticos feitos e o clima predominante entre os partidos
e as lideranças de oposição.
A combinação desses eventos trouxe o Lula de volta
ao grid de largada numa melhor posição em relação a 2026.
O agregador que nós do Ipespe Analítica fazemos, no
mês de agosto, apontou o presidente Lula com 47% de aprovação versus 51% de
desaprovação. Ainda é um saldo negativo, mas é o melhor saldo desse ano de 2025
— por volta de março e abril, o saldo negativo era de 12 pontos percentuais.
Então você imagina o quanto o governo melhorou.
Hoje, com esse percentual, o incumbente é largamente competitivo, mas ainda não
chegou àquele patamar de 50 pontos de aprovação, que conferiria a ele a
condição de favorito.
Nós temos um ano pela frente e temos a questão da
economia. A economia tem tido um desempenho objetivamente melhor do que a
percepção que a população tem da economia.
Isso vai exigir que o governo faça o esforço de
persuasão a respeito do desempenho econômico do país, porque apenas as
estatísticas oficiais não são capazes de criar esse tipo de sentimento
[positivo] na população.
Há uma estrada aberta de possibilidades. E o fator
Trump, que vai estar provavelmente presente ao longo de toda esta jornada que
nos levará às eleições de 2026.
BBC News Brasil - A política externa normalmente
não é um tema que costuma dominar o debate eleitoral brasileiro, não fica na
boca do povo nas rodas de conversa. Com Trump, isso muda? Teremos uma eleição
em que a política externa vai ter um protagonismo inédito aqui no Brasil?
Lavareda - Olha,
já está tendo. As eleições de 2026 de fato já começaram. Então, nesta
conjuntura político-eleitoral, há esse fato absolutamente extraordinário para
nós da presença ostensiva do presidente norte-americano.
Isso nunca ocorreu, mesmo quando presidentes
americanos interferiram no processo brasileiro e isso foi descoberto com a
revelação de documentos oficiais dos Estados Unidos.
O presidente John F. Kennedy cogitava a
interferência no Brasil. O presidente Lyndon Johnson despachou uma flotilha
para o litoral brasileiro para eventualmente desempenhar um papel quando do
golpe militar de 1964.
Mas tudo isso era feito de forma mais discreta
possível. Nenhum deles deu declarações tão diretas em relação ao processo
político brasileiro e às instituições brasileiras.
Isso vai estar conosco no ano que vem. De hoje e
até o ano que vem, com absoluta certeza os eleitores nos domicílios, no local
de trabalho, nos bares, vão estar discutindo não exatamente política externa no
sentido geral, vão estar discutindo Trump, o significado da interferência de
Trump e se o papel de Trump é descabido, se o Brasil deve reagir com mais
contundência.
BBC News Brasil - Nos últimos dias, todos os
grandes jornais americanos estão falando sobre o julgamento de Bolsonaro,
inclusive o colocando em suas capas e num tom de 'Brasil ensinando os Estados
Unidos'. Isso, na sua avaliação, é um sinal que o assunto Brasil vai seguir
preocupando Trump?
Lavareda - Não só a
imprensa dos EUA, mas do mundo todo. Isso será mais um motivo para o Trump não
poder ignorar o julgamento. Várias análises internacionais chegam a citar o
julgamento como um enfrentamento entre o governo brasileiro e Trump.
E, a partir destas análises, provavelmente o
presidente norte-americano se sentirá provocado a reagir ao andamento e reagir
aos resultados desse julgamento. No meu entendimento, é quase certo, uma vez
que todos os prognósticos apontam na direção de uma condenação ao ex-presidente
Bolsonaro.
BBC News Brasil - A base bolsonarista segue muito
forte no Congresso e já está buscando se fortalecer para 2026, principalmente
no Senado, que é onde se poderia votar, por exemplo, impeachment de ministros
do STF. Isso sinaliza que, além do julgamento de Bolsonaro, a gente vai ter
ainda vários rounds dessa disputa entre bolsonaristas e STF?
Lavareda - Com
certeza. O julgamento de Bolsonaro encerra uma fase de um processo específico
que corre no terreno da Justiça, mas não encerra o processo político.
E Bolsonaro continuará a ter centralidade nesse
processo. Dada a força da direita brasileira do ponto de vista político e eleitoral
e o peso que ela tem no Congresso Nacional, é óbvio que essa relação
conflituosa com o Judiciário vai continuar.
A expressão "mais rounds" é
absolutamente cabível. E as disputas de cada round vão ser
resolvidas por pontos, não vai haver nocaute.
Pensemos apenas no PL (partido de Bolsonaro). Se o
PL repetir o desempenho que teve na última eleição senatorial em 2022, que foi
uma eleição uninominal (com uma vaga apenas para senador), o PL terá 24
senadores, perto de um terço do Senado.
Se somarmos a isso a nova federação União
Progressista, eventuais senadores do Novo, mesmo do MDB ou PSD mais ligados à
corrente bolsonarista, podemos ter no Senado o elemento que seria capaz de
desestabilizar essa relação entre os poderes que já anda longe de ser harmoniosa.
Poderia ganhar uma voltagem que traria ainda mais instabilidade à nossa
democracia.
Ou seja, o julgamento de Bolsonaro é apenas um
momento da partida. Longe de vermos o encerramento da partida.
BBC News Brasil - Paralelamente ao julgamento, o
Congresso já avança na proposta de anistia. Visto que as pesquisas têm
demonstrado que a maioria da população concorda com as medidas contra o
ex-presidente, o que leva a classe política a insistir nessa proposta? O que
esse avanço no Congresso mostra sobre a força do bolsonarismo?
Lavareda - Na
verdade, o tema da anistia ganhou tração ao ser capturado pelas estratégias
eleitorais de 2026.
Está em jogo o apoio do ex-presidente e de seus
filhos, condicionado pela demonstração explícita de compromisso com o projeto
capaz de lhe resgatar a liberdade, mesmo sem recuperar sua elegibilidade.
Aguardemos as manifestações programadas para o 7 de
setembro para avaliarmos a quantas anda hoje na sociedade o potencial de
mobilização dessa causa.
(Fonte:
BBC)
Nenhum comentário:
Postar um comentário