sexta-feira, 24 de maio de 2019

ARTIGOS: O Movimento Modernista e os Mitos (Eudes de Sousa*)

O Movimento Modernista literário brasileiro foi a contraposição das forças literárias, das velhas formas de entender a oligarquia rural, que tinham suas formas próprias de apresentações artísticas. Por fim, o pensamento modernista, com sua prática urbana, inaugura um novo tipo de representação da realidade social, articulada na mitologia grega e brasileira, só para colocar mais lenha na fogueira cultural, social e política.

A partir da consolidação dessa urbanidade, a literatura brasileira veio gozar da airosa simpatia dos mais amplos setores intelectuais, sedentos por mudanças. O formalismo sede lugar a uma obra literária rebelde comprometida mais com o significado do que com o conceitualismo; ela rasga a temática, bucólica e puritana da estética parnasiana. Para misturar-se com o espaço urbano.

Precisava-se, na época, de uma literatura que alavancasse o povo brasileiro do estado de espirito conformista e lhe desse uma razão de autoestima. Enfim, o lirismo "bem comportado" é substituído pela miscigenação literária em que a forma subtrai o sentido da apresentação, empenhada em descrever a estrutura dos mitos. Ou seja, os mitos constituindo uma realidade social.

Portanto, o movimento modernista literário brasileiro, descortinou novas possibilidades de representações literárias, deixando muitos escritores e poetas diante do desafio de construir novos rumos para a comunicação com o mundo.

Como lembrava o mestre Wilson Martins, o movimento modernista foi inscrito num largo processo social e histórico, fonte de resultado de transformações que extravasam largamente os seus limites estéticos, escritores e artistas tomaram consciência muito cedo, do que os progressos técnicos e científicos, de alcance da vida.

Portanto, essa realidade social é evidenciada, no sentido do homem urbano moderno, como é o caso, dos mitos em que se valem os escritores brasileiros nas suas obras de relatos místicos. Para ilustrar o que se diz a rapsódia de Macunaíma, um herói sem nenhum caráter, uma narrativa de Mário de Andrade. Compõe as vozes que revelam as raças, culturas e a política social do povo brasileiro.

É na a “Carta pras Icamiadas,” que a paródia incorpora o mito da formosa carta de Pero Vaz de Caminha que dá as primeiras notícias do Brasil, obviamente do ponto de vista do navegar europeu. Marcado por tom irônico e crítico ao invés de uma boa nova, a carta transmite às súditas, a Amazonas, mulheres guerreiras da mitologia grega cujo nome indígena é “Icamiadas”, uma má noticia: solicitando mais dinheiro. Isso, sem dúvida, constitui o político brasileiro astuto, sagaz e dissimulado. Uma autêntica narrativa da realidade nacional.

A carta, também, representa a vida urbana do Brasil e a civilização de São Paulo, produto da colonização europeia, pela ótica alcançada do índio, negro e mestiços. São elementos marginais não contemplados pela cultura oficial.

A realidade brasileira é, portanto, pensada pelo seu avesso de dois brasis. Olhando-se criticamente. E deles, que Macunaíma, é um herói incaracterístico, que o escritor consegue associar, na mesma narrativa, a paixão pelo tropicalismo, que é lembrado nas canções de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Como bem observou Lévi-Strauss: “Assim como os ritos, os mitos são intermináveis na literatura latino-americana”.

Cabe aqui, outro exemplo, como os mitos se apresentam nas obras literárias. Os escritores digerem proporcionalmente seus deuses e heróis. Num novo filão da narrativa moderna, para ficar um pouco livre das armadilhas do capitalismo, o poeta Cunha Santos Filho, clama: “Dizei-me, Ovídio! Quem trouxe os lobos das crianças? Por que Júpiter castigou, os que repeliram e os pedintes! E quantos de nós pedimos silêncio! Por isso, nos obrigam a pisar nas cores?

Como centro do seu mundo interior, o poeta incorpora nos versos os deuses perversos, que embaralham a existência dos nascidos vivos e os coloca no fogo das injustiças sociais, como se os deuses fossem indivíduos de uma sociedade pitada com as cores do seu país.

Vê-se outro exemplo, como o poeta incorpora a mitologia grega nos seus versos. Neles, o poeta exercita com fina ironia, destrói as máscaras da hipocrisia e da discriminação imposta pelo poder político, e faz o retrato de uma sociedade perversa, com base na realidade social e psicológica das crianças que morrem à míngua nas periferias. Veja como ele retrata: “Porque ris, Brasil, enquanto Cronos janta teus filhos”. “Ou Ri, mas a água de Júpiter haverá de sobrevoar o mundo e carregar para o olimpo todas as crianças deste país”!

Os mitos gregos e brasileiros, apresentados na literatura, 90 anos depois do movimento modernista, percebe-se o quanto é atual. Sem dúvida, foi um grito de alerta e uma denúncia para os quais os poderes públicos não deram ouvidos, optando pela miséria, e, sobretudo, imprevisível neste atual governo, que ideologicamente com suas asneiras, ignora as manifestações de estudantes, que clamam democraticamente por uma educação mais justa.







(*) Jornalista, historiador e crítico literário
- atribunadoescritor@gmail.com  - (88- 992913811)


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