A Justiça Federal mandou
suspender os efeitos da portaria do governo federal que veta
utilização da linguagem neutra nos projetos financiados pela Lei Rouanet. A
portaria tinha sido publicada em outubro do ano passado.
'Menine', 'todxs', 'amigues' são exemplos da
linguagem ou dialeto neutro, que é conhecido também como linguagem não-binária.
A portaria da Secretaria da Cultura impedia que
obras que recebem o incentivo da lei utilizem termos como "elu",
"amigue", "namorade" e "todxs", que fazem parte
da chamada linguagem de gênero neutro ou não-binária.
Cada vez mais comum nas redes sociais e entre
membros da comunidade LGBTQIA+, essa linguagem tem como objetivo adaptar o
português para o uso de expressões neutras, a fim de que as pessoas não
binárias (que não se identificam nem com o gênero masculino nem com o feminino)
ou intersexo se sintam representadas.
Mas o que é o gênero neutro?
É a substituição dos artigos feminino e masculino
por um "x", "e" ou até pela "@" em alguns casos.
Assim, "amigo" ou "amiga" virariam "amigue" ou
"amigx". As palavras "todos" ou "todas" seriam
trocadas, da mesma forma, por "todes", "todxs" ou
"tod@s". A mudança, como é popular principalmente na internet, ainda
não tem um modelo definido.
Os defensores do gênero neutro também defendem a
adoção do pronome "elu" para se referir a qualquer pessoa,
independente do gênero, de maneira que abranja pessoas não-binárias ou
intersexo que não se identifiquem como homem ou como mulher.
Nas Olimpíadas de Tóquio, a narradora Natália Lara
o comentarista Conrado Santana, do SporTV, deram visibilidade ao assunto
durante uma partida de futebol entre as seleções femininas do Japão e Canadá.
Os profissionais utilizaram o pronome "elu" para se referir a Quinn,
atleta canadense que se identifica como pessoa trans não-binária.
Para o professor de língua portuguesa na Escola
Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e
doutor em linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
Jonathan Moura, a neutralidade de gênero na língua é abrangente e vai além de
questões relacionadas a pronomes.
"Na ginecologia, profissionais já utilizam
'pessoas grávidas', em vez de 'mulheres grávidas', porque há a noção de que
pessoas trans também podem engravidar e não necessariamente são mulheres. Isso
também é neutralidade de gênero", explica.
A legislação permite o uso dessa linguagem?
De acordo com a norma padrão da língua portuguesa,
o artigo masculino cumpre papel de pronome neutro no plural. Por exemplo, se um
grupo de pessoas é composto por homens e mulheres, mesmo que majoritariamente
feminino, pode-se referir às pessoas do grupo como "eles" ou
"todos".
Por isso, vestibulares ou concursos públicos que
exigem a usa da norma culta da língua não permite o uso da linguagem neutra.
Pronome neutro no português?
Atualmente, no português, o masculino também cumpre
função de plural. No entanto, não foi sempre assim. Quando o latim ainda era
uma língua vivamente praticada, havia um pronome neutro além do feminino e do
masculino. "Isso mudou quando o latim virou o português arcaico. Decidiu-se
pela abolição do neutro e adoção do masculino para o plural", explica
Moura.
Para o especialista, não é impossível que a
linguagem passe a integrar o idioma futuramente, mas alerta que tudo depende da
adesão pública. "Uma linguagem precisa ser praticada para se manter viva,
ou, neste caso, viver. Só assim ela passa a fazer parte do cotidiano das
pessoas". Mas, sem reconhecimento da população, ele não vê como isso pode
acontecer.
"Ainda assim, pode ser agora ou daqui a 100 anos, pode ser este
modo de linguagem neutra ou outro, mas pode acontecer. Mas pode ser também que
isso caia no esquecimento e nunca venha a tona", finaliza. (G1)
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