O
paulistano Theo Costa Ribeiro, de seis anos, é superdotado. Ele pronunciou suas
primeiras palavras aos seis meses e com um ano e meio já formava frases
tranquilamente, época em que começou a frequentar uma escolinha.
"Ele
via uma palavra e pedia para a gente explicar o que era cada letra, e depois
continuava perguntando, mas não eram perguntas bobinhas", conta à BBC News
Brasil, Ygor Ribeiro, de 33 anos, pai de Theo, ressaltando que a família não
forçou o menino a nada, mas também nunca ignorou suas curiosidades.
Na
pandemia, enquanto as crianças estavam aprendendo as letras, Theo, então com
três anos, já lia, escrevia e fazia cálculos. Em julho do ano passado, ele
voltou para a escola e em agosto os pais foram chamados para uma reunião. Nessa
conversa, eles foram informados que o desempenho do menino era muito acima da
média e sugeriram que ele fizesse um teste de inteligência.
"Em
seguida nós fomos atrás de uma neuropsicóloga, que fez testes de inteligência e
também da parte emocional e motora. Depois, ela deu um laudo que nos surpreendeu
um pouco dizendo que o nível dele vai além de superdotação. E nós perguntamos:
tá, mais e o que a gente faz com esse menino?", recorda-se Ribeiro, aos
risos.
O
laudo de Theo, tanto intelectual quando emocional, apontou um nível de
inteligência equivalente ao de uma pessoa entre 14 e 15 anos, sendo que ele
tinha cinco.
Atualmente,
Theo está cursando o 2º ano em uma escola particular. "Ele pulou o
primeiro ano e agora nós estamos vendo com a escola para no ano que vem ele ir
para o 4º ano, invés do 3º", diz Ribeiro.
No
entanto, isso não significa que o menino não haja como uma criança normal. Ele
sempre foi extrovertido, gosta de fazer amizade, brincar, adora as aulas de
educação física na escola e é apaixonado por dinossauros — motivo pelo qual
criou um canal no Youtube (O seu paleontólogo mirim).
"Em
alguns momentos ele é uma criança de seis anos que gosta de brincar com os
dinossauros, assistir a desenhos animados e jogar videogame, mas, em outros,
ele ativa esse "módulo" adolescente, e daí você consegue ter uma
discussão filosófica", diz o pai.
"Nós
já tivemos que explicar como acontece a reprodução humana, o que é o código
genético, porque uma criança é loira e outra é morena. Ele é uma mistura de
criança e adolescente", define o pai.
E as
surpresas não pararam por aí: em fevereiro desse ano Theo foi o brasileiro mais
novo a entrar para a Mensa internacional — sociedade que reúne pessoas de alto
QI. Hoje, além de frequentar a escola, ele faz aulas de futebol e de música.
"O
que está faltando são estímulos do governo e das nossas escolas para dar a
essas crianças o que elas precisam para que sejam "usadas" da melhor
maneira possível. Nós, por exemplo, tivemos que entrar com um recurso judicial
para conseguir adiantar o Theo do 1º ano. Mas, na verdade, nós teríamos que ter
um incentivo para que isso fosse feito, não ao contrário. Então, é como se o
governo educacional estivesse segurando essas crianças intencionalmente para
elas não avançarem", lamenta Ribeiro.
O
Ministério da Educação (MEC) foi contatado diversas vezes por e-mail e telefone
para explicar o motivo de os pais terem que entrar na justiça para que essas
crianças avancem na escola. No entanto, até a publicação desta reportagem, não
tivemos resposta desse e nem de outros questionamentos.
"A
escola que realmente desenvolve talento é aquela que oportuniza, e não a que
espera o pai entrar no ministério público para conseguir um direito que é assegurado por lei", defende Patrícia Gonçalves,
neuropsicopedagoga, doutora em cognição, e especialista em superdotação.
Nicolle
é uma criança superdotada apaixonada por matemática, mas sonha em se tornar
médica
Nicolle
de Paula Peixoto, de oito anos, pronunciou sua primeira palavra aos seis meses:
papai. "Com um ano, eu comprava bonecas, mas a brincadeira dela era lápis
e papel. E as pessoas diziam que ela era diferente, mas eu achava que era
sentimento de mãe", conta Jéssica Verônica de Paula Peixoto, 32 anos, mãe da
Nicolle.
Mas os
indícios não paravam. Com dois anos, ela cantava músicas e frequentava uma
creche. "Nessa época, eu recebi uma ficha apontando que ela já se
destacava das demais crianças", diz a mãe.
No ano
passado, através de um sorteio que contou com a inscrição de 2.500 crianças,
Nicolle, então com sete anos, foi contemplada ao lado de outras 149 para
ingressar numa escola federal no Rio de Janeiro. E foi lá que os pais receberam
a indicação de realizar um teste de QI na menina. "Até aí nós não sabíamos
que ela era superdotada", diz Peixoto.
Atualmente,
Nicolle está no 3º ano do Ensino Fundamental. "E agora nós vamos tentar
pular de série porque temos um laudo respaldando isso", explica a mãe.
Nicolle
é muito curiosa e já sonha em ser médica, embora sua paixão seja matemática.
"Um
dia, nós estávamos num culto na igreja e ela sentou ao lado de uma colega que
levou um livro de matemática do 6º ano. A menina estava fazendo cálculos de
mínimo múltiplo comum (mmc), e a Nicolle observando. Quando chegou em casa, ela
reproduziu tudo e acertou", comenta a mãe, lembrando que em outra ocasião
a menina pediu ao pai para ensiná-la a raiz quadrada. "Essa curiosidade e
vontade de aprender está dentro dela", argumenta Peixoto.
Quando
Nicolle tinha seis anos, ela também pediu ao pai para ensiná-la a tocar
teclado, e ele apenas lhe explicou o básico. "Daí quando nós olhamos ela
sentou no banco e começou a tocar uma música sozinha", lembra a mãe.
A
menina também não apresenta nenhuma dificuldade de relacionamento, ao
contrário. "Eu não sei o que ela tem, mas ela tem muita facilidade para
fazer amizade e consegue se adaptar bem a qualquer ambiente", afirma a
mãe.
Agora,
ela faz parte da Mensa Brasil (sociedade de alto QI) onde integra a equipe de
jovens brilhantes, e segue com os estudos normalmente.
"Ela
diz para mim que nada mudou na vida dela e que ela continua sendo a mesma
Nicolle de sempre, porque eu tento ensiná-la que ela não é melhor do que
ninguém", conclui Peixoto.
Como identificar uma criança superdotada?
Para
começar, apesar de ser um bom indício, sinais de precocidade não define
superdotação — que só pode ser considerada conclusiva após uma bateria de
testes, especialmente de QI, que visam entender a capacidade de processamento
intelectual. A avaliação é feita por psicólogos, neuropsicólogos e/ou
psicopedagogos e especialistas no assunto.
Dito
isto, algumas características apontadas pela Secretaria da Educação Especial do
MEC (2006) podem indicar uma eventual superdotação. Estas são:
- Curiosidade
aguçada;
- Vocabulário
avançado para a idade;
- Facilidade
de aprendizagem e potencial intelectual muito elevado;
- Raciocínio
rápido;
- Liderança
e autoconfiança;
- Ótima
memória;
- Criatividade;
- Habilidade
para adaptar ou modificar ideias;
- Observações
perspicazes;
- Persistência
ao buscar um objetivo.
Em
contrapartida, crianças que não são identificadas precocemente mostram-se
desinteressadas pela escola e podem ter problemas de conduta.
"Há
muitos superdotados que não tiram boas notas na escola por falta de interesse
nos estudos, falta de estímulo. Às vezes, o método de ensino repetitivo e o
contexto da sala de aula irrita muito o superdotado e ele não desenvolve suas
habilidades", assinala Fabiano de Abreu, PhD em neurociências e biólogo.
No
Brasil, não existe um sistema de identificação para pessoas superdotadas. Elas
são "descobertas" pelos próprios familiares, escola ou amigos. Frente
a isso, pesquisadores estimam que o número de crianças identificadas seja muito
menor do que a realidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo,
estima que 5% da população tem altas habilidades.
E para
se ter ideia, de acordo com o Censo Escolar do Brasil, realizado em 2020, pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
apenas 24.424 estudantes identificados com perfil de altas
habilidades/superdotação estavam matriculados na educação especial. "Então
esse número não chega nem perto dos 5% que os especialistas dizem que
temos", comenta Priscila Zaia, supervisora nacional de psicologia da Mensa
Brasil.
Muitos
superdotados fazem parte de sociedades de alto QI. As mais renomadas são:
- International
High IQ - QI acima de 97 de percentil;
- Mensa
- QI acima de 98 de percentil;
- Intertel
- QI acima de 99 de percentil;
- Triple
Nine Society - QI acima de 99.9 de percentil (aqui entra na categoria de
gênio).
Para
entrar na Mensa, a criança precisa tirar acima de 131 pontos em um teste de QI,
na Intertel acima de 135 e na Triple Nine Society, que é a mais restrita, mais
de 155.
"É
importante ressaltar que as sociedades não aceitam os mesmos testes. As mais
restritas não aceitam os testes das demais", pontua Abreu, o
neurocientista.
Esportes, artes, desenvolvimento acadêmico: tudo é superdotação?
De
acordo com o Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD), em geral,
podemos classificar os superdotados em dois grandes grupos.
"O
primeiro é aquele dos superdotados acadêmicos-- que tiram boas notas e são
muito bons em aprender os conhecimentos científicos. O segundo grande grupo são
chamados de produtivos e/ou criativos", disse a entidade em nota enviada à
BBC News Brasil.
Para a
supervisora de psicologia da Mensa Brasil, a inteligência e as habilidades
muito elevadas são uma parte da superdotação.
"Porém,
para ser considerado superdotado, o indivíduo também deve apresentar outras características
associadas aos aspectos emocionais e sociais. É uma pessoa mais sensível e com
mais empatia, tem um senso de justiça muito aguçado, é mais observadora, atenta
aos detalhes. E a gente tem também habilidades que se apresentam além da área intelectual,
que vão aparecer na música, nos esportes, nas artes, na dança", avalia
Zaia.
Patrícia
Gonçalves, neuropsicopedagoga, doutora em cognição e especialista em
superdotação concorda e ressalta que a lei diz que o conceito de superdotação
se refere àqueles que apresentam um potencial elevado nas mais variadas áreas
do conhecimento, sejam eles isolados ou combinados.
Polêmica
Mas o
assunto é polêmico.
"Não
há um consenso na literatura científica, mas, para mim, a corrente que faz mais
sentido separa a superdotação que, necessariamente, é intelectual",
defende Patrícia Rzezak, neuropsicóloga, doutora em Ciência pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo
a especialista, que é sócia do Instituto Brasileiro de Superdotação e Dupla
Excepcionalidade, além da superdotação, há pessoas que têm altas habilidades e,
essas sim, podem ser específicas.
"Posso
ter uma criança com uma habilidade artística ou atlética extremamente
desenvolvida, ou um potencial específico voltado para área de exatas. Mas eu
não chamo isso de superdotação, mas sim de altas habilidades. Mas cada especialidade
tem um conceito", pondera Rzezak.
O que faz com que uma criança seja superdotada?
Segundo
os especialistas, crianças superdotadas têm um volume maior de massa cinzenta
em algumas regiões cerebrais, e isso faz com que as sinapses (conexões) ajam
mais rápido do que o normal. Isso ocorre porque a matéria cinzenta influencia o
córtex frontal, bem como certas estruturas que afetam o pensamento.
"O
cérebro de pessoas superdotadas é diferente, por isso realmente elas são mais
desenvolvidas intelectualmente. Elas têm os neurônios maiores, mais robustos e
com maior alcance, e as conexões sinápticas são mais intensas e duradouras
fazendo com que o cérebro (não a cabeça!) seja maior. E tudo isso envolve o
córtex pré-frontal, que responde pela tomada de decisões, lógica, prevenção,
memória e atenção", explica Abreu, o neurocientista.
Alguns
estudos têm mostrado que os sistemas de memória cerebral de crianças com
habilidades intelectuais excepcionais são de tamanhos e conexões diferentes de crianças com
desenvolvimento típico. Outros reforçam que as crianças superdotadas têm uma
topologia de rede cerebral mais integrada e versátil.
A
supervisora de psicologia da Mensa Brasil, Priscila Zaia, lembra que a
superdotação não é um quadro médico.
"Ela
não se constitui como um transtorno do neurodesenvolvimento, mas sim como um
funcionamento do indivíduo. Nós entendemos a superdotação como um constructo,
um aspecto psicológico", diz.
Como deve ser a educação dessas crianças?
No
Brasil, as crianças superdotadas têm o direito assegurado por lei de entrarem
em um programa de inclusão educacional, a chamada educação especial, voltada a
todos os indivíduos que possuem qualquer tipo de dificuldade (auditiva, visual,
cognitiva) ou facilidade de aprendizagem (altas habilidades/superdotação), em
todas as fases de ensino. "É uma educação diferenciada para aqueles que
precisam de algo que não consta no currículo regular", explica Zaia.
A
educação especial é mandatória para a rede pública e privada de ensino, mas ela
só pode ser concretizada se houver recursos. No caso das escolas públicas, esse
atendimento também pode ser feito através de núcleos e centros especializados
ou parcerias com instituições de ensino superior.
"Não nos faltam leis para assegurar esse direito, mas tanto a escola pública quanto a particular, ainda tem práticas muito embrionárias no sentido de desenvolver os respectivos potenciais dos superdotados", conclui Gonçalves, neuropsicopedagoga e especialista em superdotação.
(Fonte: BBC)




Nenhum comentário:
Postar um comentário