Nascida em Belém e formada pela Universidade do Estado do Pará, ela confessa que teve alguma dificuldade para encontrar uma especialização após terminar o curso de Medicina.
"Sempre me envolvi com
organizações não governamentais e trabalhos sociais para entender como é lidar
com a saúde fora dos consultórios", diz a médica, que foi uma das
coordenadoras do UK Brazil Forum 2025, um evento realizado em junho que debateu
questões brasileiras na Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Essa vontade fez com que Gadelha
atuasse em uma clínica itinerante, que visitou dezenas de cidades paraenses
durante a pandemia de covid-19, para prestar
assistência às comunidades ribeirinhas e quilombolas.
Ela também trabalhou no Rio de Janeiro, onde atuou no bairro de Rio
das Pedras da capital e na zona rural do Estado.
Após concluir uma residência em
Medicina da Família e da Comunidade e um MBA no Hospital Israelita Albert
Einstein, de São Paulo, a médica ganhou uma bolsa do governo britânico e
mudou-se para a Escócia, onde foi fazer um mestrado em Saúde Pública na
Universidade de Edimburgo.
"Minha ideia era vir para
o Reino Unido e aprender mais sobre o
sistema de saúde do país, para depois voltar ao Brasil com essa bagagem de
conhecimento e aplicar os aprendizados na nossa realidade", conta ela.
A médica lembra que o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro,
criado no final dos anos 1980, é inspirado no Serviço Nacional de Saúde (NHS,
na sigla em inglês) britânico, que existe desde 1948.
"Queria conhecer como as
coisas funcionam por aqui [no Reino Unido] e como eles conseguiram construir
esse sistema de saúde pública", detalha ela.
Mas teve uma coisa que Gadelha
não esperava.
"Me surpreendi ao ver o
Brasil e o SUS como exemplos de saúde pública na universidade na Escócia",
conta ela.
"Isso foi algo que me
orgulhou muito", confessa a médica.
Segundo o relato dela, muitas das
discussões que ela acompanhou em sala de aula giravam em torno da ideia do que
outros países podem aprender com o Brasil, com o modelo de saúde implantado no
país.
Gadelha diz que o conhecimento
sobre o sistema brasileiro entre colegas de classe variava bastante.
Entre alunos, que, como ela,
vinham de vários cantos do mundo, alguns não sabiam detalhes sobre o
funcionamento do SUS — e chegavam a questionar como era possível prestar um
nível de assistência médica amplo num país tão grande como o Brasil.
"Agora, entre professores,
principalmente aqueles que pesquisam sistemas de saúde, há um reconhecimento do
nosso país como um modelo", diferencia ela.
O que o
SUS pode ensinar ao mundo?
Na avaliação de Gadelha, uma das
joias da coroa do SUS é a Estratégia Saúde da Família (ESF).
Esse modelo, implantado em boa
parte do território nacional, depende do trabalho dos agentes comunitários de
saúde, que visitam as casas das famílias e fazem um acompanhamento de sintomas,
incômodos, doenças crônicas e outros aspectos que podem impactar a vida e o
bem-estar das pessoas.
Aliás, essa estratégia começou a
ser replicada em projetos pilotos de outros países, inclusive no próprio NHS do
Reino Unido, como detalhou a BBC News Brasil nesta reportagem de
junho de 2023.
"A gente tem tanto a
ensinar... Hoje em dia, muito se fala sobre a implementação de projetos com
agentes comunitários de saúde e sobre o envolvimento das comunidades nos
programas de atenção básica", explica Gadelha,
"Existe todo um trabalho da
Organização Mundial da Saúde sobre esse tema, que é algo que o Brasil faz de
uma forma muito fácil e tranquila, enquanto os outros países ainda estão
pensando em formas de implementar iniciativas do tipo", complementa ela.
Mas os exemplos positivos que vêm
do SUS não param por aí.
"O sistema de saúde
brasileiro tem princípios muito sólidos, principalmente quando se fala de
universalidade", acrescenta a médica.
"Um tema relevante no mundo
globalizado que vivemos hoje é a falta de acesso à saúde quando você vai
visitar um outro país. Há uma grande discussão sobre como garantir isso de
forma universal, para todos."
"E isso é algo que já existe
no nosso país. Independentemente se você for brasileiro ou estrangeiro, não vai
ficar desamparado se precisar de uma assistência por meio do SUS", destaca
a especialista.
Gadelha também aponta para o
modelo de financiamento do SUS e a forma como os serviços são oferecidos sem
custos diretos à população.
"Em muitos países, há o
chamado out of pocket, ou a necessidade de a pessoa que precisar de
algum serviço de saúde ter que pagar por isso, ao menos por uma parte."
"Existe uma grande
preocupação de quantas catástrofes financeiras você pode causar numa família
por conta disso", observa ela.
Na visão de Gadelha, outro ponto
que coloca o SUS na vanguarda são as parcerias público-privadas, que envolvem a
contratação de equipamentos e serviços de empresas para prestar assistência à
população.
"Isso é algo que o NHS, por
exemplo, começou a implantar recentemente para reduzir as filas de espera por
exames, consultas e procedimentos", diz ela.
O conhecimento sobre a realidade
dos problemas de saúde também é algo que faz o Brasil ganhar uma posição de
destaque, acredita a médica.
"Uma aula sobre tuberculose,
por exemplo, é muito mais rica no nosso país, porque a gente consegue realmente
entender os motivos de um problema desses persistir e qual o papel dos
determinantes sociais da saúde", diferencia ela.
"Sabemos que lidar com
doenças como essa não depende apenas da medicação. Compreendemos melhor como o
ambiente pode propiciar a disseminação de certas condições."
Para Gadelha, o sistema
brasileiro já entendeu faz tempo que a promoção de saúde é "algo
multifatorial, que precisa da parceria com áreas como assistência social,
educação e outros setores".
O que o
SUS pode aprender com o mundo?
Mas nem tudo são boas notícias
para o Brasil — e, certamente, há coisas a melhorar no sistema público de
saúde, pondera a especialista.
"Um dos artigos apresentados
nas aulas aqui na universidade foi sobre comunicação. E um exemplo a não ser
seguido foi a forma como nosso país conduziu a pandemia de covid-19",
lembra ela.
"O debate ali era como um
país com um sistema tão capilarizado, tão forte, conseguiu ter uma comunicação
tão ruim naquele período."
"Em contrapartida, durante a
emergência de saúde pública, o SUS conseguiu chegar em locais muito difíceis,
inclusive para a vacinação", argumenta ela.
Outro ponto em que, na visão de
Gadelha, a saúde pública brasileira está em descompasso com o restante do mundo
é em termos de sustentabilidade e mudanças climáticas.
"Recentemente participei de
um evento com um representante do NHS e ele falou muito sobre a transição
energética, sobre a substituição de 100% das ambulâncias para veículos
elétricos até 2030, sobre oferecer alimentos em hospitais cujos ingredientes
vêm de produtores locais, sobre diminuir as emissões de carbono…"
"Essa discussão ainda está
muito incipiente no Brasil e é algo que precisamos fazer, ainda mais com a
realização da COP 30 em Belém do Pará, no final deste
ano", sugere ela.
A médica também chama a atenção
para a necessidade de investir em educação continuada dos profissionais que
atuam no SUS.
"Na minha turma de saúde
pública da Universidade de Edimburgo, havia muitos alunos que eram funcionários
do NHS. Precisamos dar prioridade a isso, para que colaboradores do SUS tenham
mais acesso a treinamento, capacitação, aprendizado e pesquisa", acredita
Gadelha.
Um último ponto que a
especialista vê necessidade de aprimoramento é diminuir a carga de trabalho
burocrático que recai sobre os ombros de médicos, enfermeiros e assistentes de
enfermagem.
"Esse é um dos grandes
pesos, principalmente para quem atua com Medicina da Família e da
Comunidade", lamenta ela.
"Precisamos realizar muitas
tarefas administrativas, fazer toda uma gestão do paciente, que demanda muita
energia e tempo, além de diminuir o espaço para o atendimento
assistencial."
"Se a gente conseguisse
formar trabalhadores para atuar nesse setor administrativo e deixar o
profissional de saúde fazer aquilo para o qual se formou, teríamos um ganho
enorme", sugere ela.
Gadelha agora planeja a volta ao
Brasil, para dar continuidade à carreira — e traz na bagagem novos
conhecimentos e muitos sonhos.
"Nosso país tem muita
capacidade, possui times super treinados e profissionais que entendem a fundo
sobre o local onde trabalham. Se a gente integrar tudo isso, vamos conseguir
promover ainda mais saúde à população brasileira."
"Volto com a sensação de que
temos o SUS como um sistema muito sólido, com toda a possibilidade de seguir
adiante com nossas próprias capacidades", conclui ela.
(Fonte: BBC)
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