O debate sobre o financiamento empresarial de campanhas no Brasil ganhou
novo fôlego recentemente com as denúncias de que propinas cobradas em contratos
da Petrobras acabavam irrigando, via doações oficiais, partidos políticos e
candidatos.
Mas, nesta quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, por 330 votos a
141, proposta de emenda constitucional que mantém o financiamento de partidos
políticos por pessoas jurídicas, com a diferença que o modelo poderá, agora,
ser incluído na Constituição.
A proposta ainda precisa ser votada mais uma vez na Câmara e duas no
Senado Federal para passar a valer. Alguns parlamentares pressionam para que
seja determinado um limite máximo para as doações, o que seria definido por uma
outra lei.
A tentativa de incluir na Constituição Federal as doações de empresas é
uma reação ao julgamento sobre o tema pelo Supremo Tribunal Federal. A corte
analisa se doações de empresas são inconstitucionais, e a maioria dos ministros
já se pronunciou pela proibição. No entanto, o julgamento está há mais de um
ano parado por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
A crescente preocupação com o assunto não é exclusividade do
Brasil. E, na contramão do que foi decidido pela Câmara brasileira, um
monitoramento internacional sobre financiamentos de campanha em 180 países, que
vem sendo realizado há 15 anos pelo Instituto Internacional pela Democracia e
Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), indica uma tendência mundial
de aumento - ainda que lento - da restrição a doações empresariais.
A proposta de eliminar ou reduzir drasticamente o financiamento de
campanhas por empresas não busca apenas atacar o problema da corrupção, observa
o diretor da área de Partidos Políticos do Idea, Sam van der Staak. O princípio
central que norteia essas medidas é a preocupação com a influência
desproporcional que as empresas teriam sobre o Estado por causa dos volumosos
recursos destinados a eleger políticos, seja no Executivo ou no Legislativo.
"Em todo o mundo, a política se tornou um negócio caro, em tal
magnitude que o dinheiro é hoje uma das maiores ameaças à democracia",
afirma um relatório de janeiro do instituto.
Segundo Staak, o número de países que baniu completamente o
financiamento por empresas cresceu levemente nos últimos quinze anos. Já a
criação de limites para as doações "tem sido discutida de forma mais ativa
em muitos países", nota ele.
Propostas - Os números oficiais mostram que hoje as
empresas são as principais financiadoras da disputa eleitoral no Brasil. Nas
últimas eleições, partidos e candidatos arrecadaram cerca de R$ 5 bilhões de
doações privadas, quase na sua totalidade feitas por empresas. Por outro
lado, campanhas e partidos receberam no ano passado R$ 308 milhões de recursos
públicos por meio do Fundo Partidário, enquanto o tempo "gratuito" de
televisão custou R$ 840 milhões aos cofres da União por meio de isenção fiscal
para os canais de TV.
Alguns movimentos sociais estão à frente de uma proposta que visa
proibir totalmente o financiamento por empresas - dessa forma as campanhas
seriam bancadas exclusivamente por recursos públicos e pequenas doações de
pessoas físicas.
Outra proposta, encampada pelo Instituto Ethos e alguns cientistas
políticos, prevê que as doações por empresas continuem sendo permitidas, mas
que haja um teto baixo para essas transferências. O objetivo, com isso, é
reduzir o poder de influência de cada financiador - já que haveria mais
doadores transferindo valores semelhantes.
O Instituto Ethos foi criado para incentivar práticas socialmente
responsáveis no setor privado. Ele tem 585 empresas associadas, entre elas
grandes doadoras de campanhas eleitorais como os bancos Bradesco, Itaú e
Santander, a construtora WTorre, a rede de frigoríficos Marfrig, e até mesmo
empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, como Camargo Corrêa e
Odebrecht.
O instituto defende hoje a adoção de regras que limitem drasticamente as
doações por empresas e mesmo a proibição nos casos de companhias que tenham
contratos com governos ou sejam sócias de bancos públicos.
Se tal proibição existisse hoje, atingiria diretamente o grupo JBS,
maior doador da campanha de 2014. Tendo o BNDES como sócio, o grupo destinou
mais de R$ 350 milhões a diferentes políticos na eleição do ano passado e foi
também o maior apoiador tanto da campanha da presidente Dilma Rousseff, como da
de seu principal adversário, o tucano Aécio Neves.
"A eleição (brasileira) está virando quase que um plano de negócios
de mercado", afirma Jorge Abrahão, presidente do Instituto Ethos, fazendo
referência a um instrumento do mundo corporativo usado para definir os
objetivos de uma empresa e o que será feito para alcançá-los.
"Os estudos que fazemos indicam que a eleição a cada ano fica mais
cara e o número de votos que os partidos recebem é proporcional aos recursos
que eles ganham (de empresas). Na medida em que você limita (as doações), você
vai diminuir o peso desse poder econômico", acrescenta Abrahão.
Levantamentos dos jornais Folha de S.Paulo e Estadão com base nas milhares de declarações de
candidatos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) indicam que, em 2014, as
doações privadas foram quase o dobro do valor arrecadado em 2006 (cerca de R$ 5
bilhões no ano passado contra R$ 2,6 bilhões em 2006, já atualizado pela
inflação).
Sam van der Staak, do Idea, nota que as eleições brasileiras são relativamente
caras. Segundo levantamento do instituto, o valor gasto em média por voto aqui
(US$ 19,90) é cinco vezes maior do que no México (US$ 4,20) e o dobro do que na
Costa Rica (US$ 9,60), países onde as doações de empresas são proibidas.
Pelo mundo - O banco de dados do Idea - organização
intergovernamental que hoje tem status de observadora na ONU - revela que 39
países proíbem doações de empresas para candidatos, como México, Canadá,
Paraguai, Peru, Colômbia, Costa Rica, Portugal, França, Polônia, Ucrânia e
Egito. O mais novo integrante do grupo pode ser a Espanha, que atualmente
estuda adotar a medida.
Outros 126 países permitem o financiamento de candidatos por empresas,
como Brasil, Reino Unido, Itália, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Venezuela
e praticamente toda a África e a Ásia.
A proibição formal, porém, nem sempre impede que o capital corporativo
encontre outras formas de influenciar o jogo político, nota Staak. Os Estados
Unidos, por exemplo, proíbem doações diretas de empresas, mas como elas são
autorizadas a fazer suas próprias campanhas a favor e contra candidatos, na
prática os efeitos da restrição são nulos.
Tampouco a corrupção desaparece de uma hora para outra. Um relatório do
instituto aponta que o número de infrações detectadas em doações políticas em
Portugal cresceu fortemente desde o ano 2000, quando o país proibiu o
financiamento empresas.
Em parte, isso é reflexo da fiscalização mais dura que também foi
implementada no período, nota o documento. Mas, por outro lado, também
observou-se o desenvolvimento de práticas para burlar as restrições às doações
privadas, como lista de doadores fantasmas.
"A corrupção tem muito a ver com as atitudes culturais. Muitos
países que são menos corruptos (como Noruega e Suécia), até recentemente, não
tinha sequer muitas das leis necessárias para conter escândalos de
financiamento político. As reformas devem, portanto, ter o objetivo de tornar
mais difícil as doações irregulares e ficar sempre um passo à frente dessas
práticas", afirma Staak.
Defensor da proibição do financiamento por empresas no Brasil, o
filósofo Marcos Nobre reconhece que a medida não terminará com a corrupção no
país como mágica, mas ainda assim defende sua adoção. "O que (a proibição)
vai fazer é tornar a disputa eleitoral menos desigual e isso é bom para a democracia",
nota ele.
"Para evitar o crescimento do caixa 2 (doações ilegais), o fim do
financiamento por empresas tem que vir acompanhado do fortalecimento do
Ministério Público e da Justiça Eleitoral", ressaltou.
Limite de doações - Já Cláudio Abramo - ex-diretor da
Transparência Brasil, organização especializada em contas eleitorais - critica
a proposta por considerar que ela inevitavelmente levaria ao aumento das
doações ilegais e também por ver pouco espaço político para sua aprovação no
Congresso.
Ele defende que a criação de limites baixos para as doações de empresas
seria o melhor caminho para tornar o sistema político mais justo. "É
preciso atacar o problema principal do financiamento hoje, que é a inexistência
de limites reais (ao financiamento). Então, você tem uma desigualdade imensa
entre os doadores, de forma que alguns poucos ganham um poder de influência
muito maior que outros doadores. A ideia seria limitar muito drasticamente a
quantidade de dinheiro que cada grupo empresarial possa dar, reduzindo portanto
a influência de cada um deles", afirma.
O levantamento do Idea mostra que 55 países restringem de alguma forma
os financiamentos, seja de empresas ou pessoas físicas. O Brasil
estabelece um teto para as doações, mas a regra adotada não segue o padrão
internacional e acaba sendo inócua. Enquanto a maioria dos países que têm
limites estabelecem valores absolutos (por exemplo, 7,5 mil euros por pessoa,
na França), aqui o teto máximo da doação é um percentual dos recursos do doador
- 2% do faturamento no ano anterior, no caso das empresas, e 10% da renda, no
caso das pessoas físicas. Grandes empresas e pessoas ricas, portanto, têm
um potencial muito maior de influir no processo eleitoral. (BBC)
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