Estimular o envolvimento paterno na vida das filhas de forma ativa
é uma das principais maneiras de evitar o casamento na infância e adolescência.
A estratégia faz parte das recomendações do relatório Ela vai no meu barco - Casamento na infância e adolescência no
Brasil, que será lançado hoje (9) pelo Instituto Promundo. Segundo
pesquisa apresentada no relatório, a idade média de casamento e de nascimento
do primeiro filho de meninas entrevistadas é 15 anos. Os homens são, em média,
nove anos mais velhos. O trabalho do Promundo tem o objetivo de promover o
direito de as meninas decidirem, livre e plenamente, quando e com quem se
casar.
Segundo a coordenadora da pesquisa, Alice Taylor, as meninas com a
presença do pai na educação têm maior autoestima e escolhem parceiros com
comportamentos e atitudes mais igualitárias em termos de gênero. Elas também
vivenciam menos violência sexual ou a atividade sexual precoce e indesejada.
“É uma recomendação muito importante trabalhar as normas de
gêneros sobre a prática [relacionada ao casamento]. Trabalhar com homens,
meninos, meninas, lideranças religiosas e comunitárias, redes de proteção sobre
os direitos e escolhas possíveis para meninos e meninas, as suas possibilidades
dentro de relacionamentos, seus direitos sexuais”, disse Alice.
De acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), pouco mais de 88 mil meninas e meninos, entre 10 e 14 anos,
estão em uniões consensuais, civis e/ou religiosas, no Brasil. Na faixa etária
de 15 a 17, o número chega a 567 mil, e com 18 ou 19 anos, mais de 1 milhão de
pessoas já estão em uma união formal ou informal.
Alice disse ainda que essa é uma reflexão que deve envolver toda a
comunidade, de desconstrução desse modelo de comportamento em que os homens
acabam se casando com meninas mais novas, porque as acham “mais atraentes e
fáceis de controlar”. Acrescentou que as meninas, desejando sair da casa dos
pais, se casam para ter sua liberdade, mas acabam desapontadas e vivendo
experiências de controle ainda maior por parte do marido. “Uma coisa é o
casamento em si, outra é a dinâmica que existe diante da diferença de poder, do
homem com mais experiência". Para a pesquisadora, isso tem impacto sobre as
meninas, que tendem a deixar a escola ou engravidar mais cedo.
O relatório apresenta os resultados de uma pesquisa, feita de 2013
a 2015, sobre atitudes e práticas envolvendo casamento na infância e
adolescência nas regiões metropolitanas de Belém, no Pará, e de São Luís, no
Maranhão. Segundo dados do IBGE, os dois estados têm alto número de casamentos
infantis (de meninos e meninas com idade entre 10 e 18 anos).
A pesquisa foi feita em parceria com a Universidade Federal do
Pará, a Plan International Brasil, no Maranhão, e o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), com o apoio da Fundação Ford.
Embora os dois gêneros vivenciem casamentos infantis, as meninas
são mais afetadas pela prática. De acordo com o relatório, entre os meninos, 18
anos é o padrão de idade ao se casar, enquanto o das meninas é 15 anos. Existem
diferentes fatores que levam aos casamentos infantis, mas a principal questão,
na América Latina, segundo o relatório, é que eles são considerados
consensuais, não são arranjos como em outros países. “Existem formas de pressão
sim, e o importante é identificar em qual contexto as meninas fazem essa
escolha”, afirmou Alice Taylor.
As questões socioeconômicas, as opções de trabalho, a
escolarização, o controle da sexualidade, a gravidez indesejada são fatores
que, para a coordenadora do trabalho, podem levar ao casamento infantil. O
relatório também mostra que os meninos adolescentes, da mesma idade que as
meninas casadas, são desprezados como parceiros por causa da percepção de que
não são responsáveis nem provedores.
Alice Taylor informou que o Promundo trabalha em diversos países
pela igualdade de gênero, a prevenção da violência contra as mulheres e, há
cerca de dois anos, com direitos das crianças e adolescentes. Ela lembrou que,
no Brasil, há trabalhos importantes e avanços sobre temas como gravidez na
adolescência, evasão escolar, exploração sexual e infantil, mas ainda não havia
sido explorada a questão do casamento e como esses relacionamentos de crianças
e adolescentes estão ligados a outras questões. “É importante que o tema tenha
visibilidade e seja discutido em vários ambientes da sociedade civil. A
primeira etapa é dialogar, é um tema que existe e é preciso pensar como deve
ser articulado dentro de políticas públicas, quais os tipos de sistema e
direitos que poderiam ser melhorados”.
Além da abordagem a homens e meninos, como pais e futuros maridos,
Alice acrescentou que é preciso melhorar a legislação, para não ter tantas
ambiguidades. “A legislação não abrange tudo, poque nem todos os casamentos são
civis ou religiosos. Mas os casamentos informais têm os mesmos tipos de
consequências que os formais”.
Conforme estimativa apresentada no relatório, o Brasil ocupa o
quarto lugar no mundo em números absolutos de mulheres casadas até os 15 anos.
São 877 mil mulheres, com idade entre 20 e 24 anos, que se casaram até os 15
anos (11%). Entre mulheres com idade de 20 a 24 anos, estima-se que 36%
(aproximadamente 3 milhões) se casaram aos 18 anos. Em outros países da
América Latina e do Caribe, os níveis de ocorrência são maiores apenas na
República Dominicana e Nicarágua. (Ag. Brasil)
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