O Executivo Cláudio Melo Filho,
ex-vice-presidente de Relações Institucionais da Odebrecht, relatou ao
Ministério Público Federal (MPF) que o presidente Michel Temer pediu, em 2014,
R$ 10 milhões ao empreiteiro Marcelo Odebrecht.
Melo Filho é um dos 77
executivos da empreiteira que assinaram acordo de delação premiada com o MPF. A informação de que Temer
solicitou dinheiro à Odebrecht está em material entregue pelo executivo nos
termos de confidencialidade – espécie de pré-delação que antecede a assinatura
do acordo (saiba quais são as etapas
dos acordos de delação da Odebrecht).
Em nota, o Palácio do Planalto informou que o presidente Michel Temer "repudia com veemência" o conteúdo da delação de Melo Filho.
"O presidente Michel Temer repudia com veemência as falsas acusações do
senhor Cláudio Melo Filho. As doações feitas pela Construtora Odebrecht ao PMDB
foram todas por transferência bancária e declaradas ao TSE. Não houve caixa 2,
nem entrega em dinheiro a pedido do presidente.", diz o texto da nota.
Na fase de pré-delação, quem deseja firmar acordo de
delação antecipa informações e documentos como forma de garantir que tem fatos
que podem colaborar com as investigações. O G1 e
a TV Globo tiveram acesso ao material.
Nos documentos, Melo Filho afirma que Temer é,
historicamente, o líder de um núcleo político do PMDB na Câmara dos Deputados. Segundo o executivo, é "capitaneado" por
Temer, pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e pelo atual
secretário do Programa de Parcerias para Investimentos (PPI) do governo
federal, Moreira Franco.
Pedido de R$ 10 milhões - O delator afirma nos termos de confidencialidade que em maio de 2014, quando
Temer ocupava a Vice-Presidência da República, compareceu a um jantar no
Palácio do Jaburu (residência oficial da Vice-Presidência, em Brasília), que
contou com a participação do atual presidente, do dono da Odebrecht, Marcelo
Odebrecht, e de Eliseu Padilha.
Na reunião, afirma Melo Filho, Michel Temer solicitou
"direta e pessoalmente" a Marcelo Odebrecht apoio financeiro para as
campanhas do PMDB em 2014. "No jantar, acredito que considerando a importância
do PMDB e a condição de possuir o vice-presidente da República como presidente
do referido partido político, Marcelo Odebrecht definiu que seria feito
pagamento no valor de R$ 10 milhões. Claramente, o local escolhido para a reunião
foi uma opção simbólica voltada a dar mais peso ao pedido de repasse financeiro
que foi feito naquela ocasião", diz o executivo.
O executivo afirma ainda que as doações, que eram feitas
periodicamente a diversos políticos, tinham como objetivo a atuação destes na
aprovação de medidas de interesse da Odebrecht. Seria, segundo ele, uma
"espécie de contrapartida institucional esperada entre público e
privado".
"Do total de R$ 10 milhões prometido por Marcelo
Odebrecht em atendimento ao pedido de Michel Temer, Eliseu Padilha ficou
responsável por receber e alocar R$ 4 milhões. Compreendi que os outros R$ 6
milhões, por decisão de Marcelo Odebrecht, seriam alocados para o Sr. Paulo
Skaf", diz o delator. Skaf é presidente da Federação das Indústrias de São
Paulo (Fiesp) e foi o candidato do PMDB ao governo de São Paulo em 2014.
A assessoria de Skaf divulgou nota na qual ele nega irregularidades:
"O presidente da FIESP, Paulo Skaf, nunca pediu e nunca autorizou ninguém
a pedir qualquer contribuição de campanha que não as regularmente declaradas em
suas prestações de contas. Todas as contas de campanha de Paulo Skaf foram
aprovadas pela justiça eleitoral".
Nos termos de confidencialidade, Cláudio Melo Filho
afirma ainda que do valor repassado a Padilha, cerca de R$ 1 milhão tinha como
destinatário final o deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que está preso
em Curitiba.
Em nota, Eliseu Padilha disse que a acusação "é mentira. "Não
fui candidato em 2014! Nunca tratei de arrecadação para deputados ou para quem
quer que seja. A acusação é uma mentira! Tenho certeza que no final isto
restará comprovado", diz o texto da nota.
Geddel Vieira Lima, que até há pouco tempo ocupava o
cargo de ministro da Secretaria de Governo, também foi citado. Claudio diz que
“Geddel recebia pagamentos qualificados em períodos eleitorais e em períodos
não eleitorais, e fazia isso oferecendo contrapartidas claras, conforme ficará
claro no ponto do relato que trata das exigências feitas por Geddel para
destravar pagamentos retidos no âmbito do Ministério da Integração Nacional”.
O ex-ministro Geddel Vieira Lima disse à noite que
"estranhou a citação de seu nome" e afirmou que doações recebidas
foram declaradas à Justiça Eleitoral.
Relógios de US$ 20 mil
Em outro trecho do depoimento, Melo Filho
fala do ex-governador da Bahia e ex-ministro do governo Dilma Rousseff, Jacques
Wagner. Ele afirma que em 2006, “Wagner se reuniu com Marcelo Odebrecht num
restaurante de Brasília e pediu ajuda financeira para a campanha ao governo da
Bahia e que Marcelo concordou, embora tenha demonstrado incômodo por não
acreditar no sucesso da candidatura. Foram pagos R$ 3 milhões de forma oficial
e via caixa 2”. Melo Filho se surpreendeu com o sucesso da candidatura.
Melo Filho também afirmou que quando Jacques Wagner
assumiu o governo, encaminhou assuntos de interesse da empreiteira no Polo
Petroquímico de Camaçari, que Wagner ajudou a destravar. Ainda segundo Melo Filho, o esquema se repetiu na
campanha seguinte, mas, pelo bom desempenho, Jacques Wagner pediu mais
dinheiro: levou R$ 7,5 milhões, em 10 parcelas, pagas entre agosto de 2010 e
março de 2011. O esquema voltou a se repetir em 2014, desta vez na campanha de
Rui Costa (PT) para o governo da Bahia, apoiado por Jaques Wagner. Ele disse
que não participou desses pagamentos, mas acredita que foram repassados R$ 10
milhões.
A empreiteira também deu presentes caros nos
aniversários de Jacques Wagner. Em 2012, por exemplo, Jacques Wagner ganhou um
relógio de US$ 20 mil. No acordo de delação, há fotos dos relógios.
O ex-ministro de Dilma não foi localizado para responder
sobre as afirmações de Melo Filho.
O nome do deputado Rodrigo Maia (DEM) também foi citado
pelo ex-diretor da Odebrecht. Segundo ele, foi pedido ao deputado, atual
presidente da Câmara, que acompanhasse a tramitação de uma Medida Provisória
(MP) que interessava à empreiteira.
Ele contou que Maia aproveitou a oportunidade e alegou
que ainda tinha dívidas da campanha a prefeito do Rio de Janeiro, em 2012, e
contribuiu com cerca de R$ 100 mil, valor pago em outubro de 2013. Ele disse
ainda que considerava Maia um interlocutor da empresa dentro da Câmara. Melo Filho afirmou também que Rodrigo Maia recebeu
pagamento de R$ 500 mil em 2010.
O presidente da Câmara não deu retorno para comentar as
declarações de Melo Filho. Sobre o deputado federal Marco Maia (PT), ele disse que
conheceu o petista em 2011, quando o parlamentar era presidente da Câmara. Em
2014, o deputado pediu recursos para a campanha dele. Ele disse que no sistema
da empreiteira constam dois pagamentos, no total de 1,350 milhão. O codinome de
Marco Maia era “Gremista”.
G1 e TV Globo não conseguiram contato com o deputado
Marco Maia. Melo Filho também citou o nome do senador José Agripino
Maia (DEM). Disse que em 2014 falou ao senador que a empreiteira faria
pagamento de R$ 1 milhão. Ele lembrou que Agripino não era candidato nas
eleições, mas Marcelo Odebrecht contou a ele que o valor tinha sido solicitado
pelo senador Aécio Neves (PSDB) como forma de apoio ao DEM. Agripino tinha o
codinome “Gripado”. Agripino respondeu que não foi candidato em 2014 e que
desconhece os fatos citados.
PMDB na Câmara - Nos documentos, Melo Filho descreve, sob sua
ótica, a atuação de Temer, Padilha e Moreira Franco no que ele chama de núcleo
político do PMDB na Câmara. Ele afirma que Temer atua de forma "muito mais
indireta", e que, normalmente, não é ele o responsável por pedir ajuda
financeira às empresas para o PMDB, "embora isso tenha ocorrido de maneira
relevante no ano de 2014", quando ele pediu R$ 10 milhões à Odebrecht.
O delator explica ainda que o responsável por falar com
agentes privados e "centralizar" as arrecadações financeiras ao PMDB
é Eliseu Padilha. "Ele atua como verdadeiro preposto de Michel Temer
e deixa claro que muitas vezes fala em seu nome. Eliseu Padilha concentra as
arrecadações financeiras desse núcleo político do PMDB para posteriores
repasses internos", diz o delator.
"Tanto Moreira Franco como Eliseu Padilha, contudo,
valem-se enormemente da relação de representação/preposição que possuem de
Michel Temer, o que confere peso aos pedidos formulados por eles, pois se sabe
que o pleito solicitado em contrapartida será atendido também por Michel
Temer", continua.
Moreira Franco afirmou que o
teor dos documentos é "mentira". "Reitero que jamais falei de política ou de
recursos para o PMDB com o senhor Claudio Melo Filho", diz o secretário.
PMDB no Senado
Assim como na Câmara, Melo Filho afirma que
há um núcleo de atuação do PMDB no Senado. O grupo é formado, segundo o
executivo, pelo líder do governo no Congresso, Romero Jucá (RR), pelo
presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e pelo líder do PMDB no Senado,
Eunício Oliveira (CE).
Esse grupo, segundo o executivo, é "bastante
coeso" e possui "enorme poder de influência sobre outros
parlamentares, tanto do partido como de outras legendas". Ele relata que os três peemedebistas têm "grande
poder de barganha", pois possuem a capacidade de "praticamente ditar
os rumos que algumas matérias serão conduzidas dentro do Senado Federal".
O delator afirma que, desde que assumiu o comando das
Relações Institucionais da Odebrecht, procurou focar sua atuação no Senado, já
que lá, segundo ele, havia menos agentes e interesses do que na Câmara. Ele diz ainda que "todos os assuntos" que
tratou no Congresso se iniciaram por meio de contatos com Romero Jucá. O
delator afirma que, desde 2004, participou de pagamentos a Jucá "que hoje
superam R$ 22 milhões".
"Normalmente, me dirigia a ele, que me orientava
sobre quais passos adotar e quais parlamentares seriam acionados. Romero Jucá
agia em nome próprio e do grupo político que representava, formado por Renan
Calheiros, Eunício Oliveira e membros do PMDB. Jucá era o líder do governo no
Senado e, embora não falasse pelo governo, falava com o governo. Os assuntos
que começavam com ele avançavam ou se encerravam diretamente com ele",
afirma o delator.
Segundo Melo Filho, Jucá, por sua "capacidade de
interlocução política", era o "homem de frente”, responsável por
tratar com agentes particulares os temas de interesse tanto das empresas quanto
do PMDB. "Exatamente por essa posição destacada, o senador
Romero Jucá, no meu entendimento, é o principal responsável pela arrecadação de
recursos financeiros dentro do grupo do PMDB no Senado", relata o
executivo.
"A minha experiência deixou claro que o Senador
Romero Jucá centralizava o recebimento de pagamentos e distribuía os valores
internamente no grupo do PMDB do Senado Federal, especificamente, no que posso
atestar com total segurança, no que diz respeito aos Senadores Renan Calheiros
e Eunício Oliveira", complementa.
Da mesma forma que na Câmara, o executivo diz que, ao
falar com um dos integrantes do núcleo político, ele entendia que estava
falando com todos. Melo Filho diz ainda que Jucá "centralizou" os
valores pagos pela Odebrecht ao PMDB no Senado, e que depois o peemedebista
redistribuia os valores ao seu grupo no partido.
Versões dos senadores - O senador Romero Jucá afirmou, via assessoria, que desconhece a delação de Claudio Melo Filho mas nega que
recebesse recursos para o PMDB. O senador disse ainda que está à disposição da
Justiça para prestar quaisquer esclarecimentos. A assessoria dele divulgou a
seguinte nota:
"O senador Romero Jucá desconhece a delação do
senhor Claudio Melo Filho mas nega que recebesse recursos para o PMDB. O
senador também esclarece que todos os recursos da empresa ao partido foram
legais e que ele, na condição de líder do governo, sempre tratou com várias
empresas mas em relação à articulação de projetos que tramitavam no Senado. O
senador reitera que está à disposição da justiça para prestar quaisquer
esclarecimentos."
Por meio da assessoria de imprensa, Renan Calheiros afirmou que "jamais credenciou, autorizou ou
consentiu que terceiros falassem em seu nome em
qualquer circunstância. Reitera ainda que é chance de se encontrar
irregularidades em suas contas pessoais ou eleitorais e zero. O senador
ressalta ainda que suas contas já são investigadas há 9 anos. Em quase uma
decada não se produziu uma prova contra o senador".
Em nota, Eunício Oliveira disse que todos os recursos de campanha foram
recebidos e declarados de acordo com a lei e
aprovados pela Justiça Eleitoral. Ele afirmou ainda que nunca autorizou ninguém
a negociar em seu nome recursos para favorecer empresas públicas ou privadas. (G1)
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