sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

COLUNA WILSON BELCHIOR: As bilas do Tio Darcy

Minha tia Dalila morreu inupta.

Talvez por não ter tido filhos derramava seu amor materno no tio Darcy, seu irmão caçula, para o qual dispensava toda sua complacência. De sorte que, se na nossa casa da Palma prevalecessem as regras ditadas pela tia Dalila, seria tudo para o tio Darcy e nada para os outros. Apesar desse seu temperamento, ela era querida na família, inclusive por mim, um dos sobrinhos a quem ela mais atentou.

Depois de um certo tempo, embora ainda muito novo observei que na orquestra da nossa família, comandada pela vovó Quintina e pelo vovô Batista, ela tocava tuba wagneriana. Aquele conhecido instrumento necessário para preencher os vazios da música executada pela orquestra.

- Wilson, você tirou a maior talhada de melancia. Essa não é para você, é para o Darcy. Ontem eu fui olhar as atas não encontrei nenhuma.

- Não fui eu, tia Dalila, eu juro!

- Eu sei que não foi você, foi o teu primo, O CACHORRÃO. Você não poderia achar e nem comer de uma só vez umas 50 atas, mas ele, sim.

A meu sentir, a tia Dalila gostava muito da tia Dulce. Apesar da última ter comportamento diferente, era mais comedida, afável e brincalhona. Além de muito inteligente, O que nela se manifestava através do artesanato.

Já o Anésio, da tia Dulce, foi o primo com o qual na Palma mais de perto convivi nos meus doces tempos de criança. Ainda menino, ele era corajoso, destemido, servidor, amigo a ponto de arriscar sua vida por outro amigo. E como inimigo eu não queria o ter, além do mais era muito arisco, a ponto de não se sentar à mesa, para não ter que ouvir insinuações da tia Dalila.

Nossa convivência familiar e prazerosa se consolidou, quando andávamos na lagoa, caçando passarinhos com água pela cintura e barro pelas canelas, ou subindo o serrote, ou indo caçar pelos mais longínquos e inacessíveis lugares, ou tomando banho na Barragem do Nascimento Barra, no Escama Peixe, no Poço dos Couros, no Poço do João Batista, ou pulando das ingazeiras, no Poço dos Carros, do pilar da ponte velha, ou nos banhando nos açudes, Bregedó, Várzea da Volta, Chico Camilo, ou indo à pé para as fazendas Baixa Fria, Canafístura, ou subindo nas carnaubeiras do Córrego do seu Sérgio, etc., Fatos esses que estão em nossas memórias, coloridos, indeléveis e inesquecíveis...

Mas bem!

A tia Dalila guardava à disposição do tio Darcy um saco de pano, no qual existiam pelo menos umas 300 bilas. Muitas vezes ela chegava em nossa frente e o balançando perguntava:

- Vocês querem bilas? 

- Claro que queremos, tia Dalila. 

- Pois eu não lhes darei nenhuma. São todas do Darcy, o que nos deixava muito tristes...

Em conversa com o Anésio, ele me relatou um fato que com ele aconteceu:

- Wilson, certa vez, no terreno da casa do pai Batista, próximo ao pé de Jasmín Caiano, o Darcy entrou num jogo de bila com o Arivaldo, o Frota, o Edilberto, o Juarez, o Atenor Breu, o Osmar, o Chico e outros. Ele estava perdendo todas as partidas, o saco de bilas que a tia Dalila lhe dera estava secando e já se encontrava abaixo da metade. Eu estava deitado na minha casa, quando a tia Dalila chegou aos gritos, a ponto de me acordar:

- Dulce, Dulce, cadê o Anésio? 

- Ele está tirando uma soneca, por quê?

- O Darcy está precisando dele. E agora! 

- Para que, Dalila? 

- Estão ganhando todas as bilas que eu dei para ele.

- Dalila, eu não vou falar com o Anésio sobre esse assunto. Sei que não vai dar certo. Se o Anésio for, eles irão é brigar. Eles brigam demais.

- Eu ouvi claramente a conversa, levantei-me e fui até a casa do pai Batista, onde o Darcy me fez uma proposta.

- Anésio, jogue por mim que, de cada dez bilas que você ganhar, duas serão suas.

- Gostei da oferta e comecei a jogar. Não demorou muito tempo para começar a quebrar os jogadores. E nada do tio Darcy me dar as bilas que me prometeu, apesar do saco ter começado a encher novamente. O certo é que o Darcy ficou com o saco de bilas cheio novamente, com as bilas que para ele eu ganhei e não me deu uma só.

Pedi-lhe, mais de uma vez, para pagar minhas bilas. Mas, nada! Só me restou ir às tapas com ele. Dei-lhe uma mão aberta no pé do ouvido, pulei o muro e fui para casa continuar minha soneca. E nunca mais eu quis saber como esse caso terminou.







(*) Wilson Belchior é engenheiro civil, articulista, poeta e memorialista.  

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