Após dezenas de depoimentos, quebras de sigilos de
contas no Brasil e no exterior e intensos embates jurídicos que "pareciam
não ter fim", o promotor paulista que investiga o deputado federal Paulo
Maluf (PP) há 16 anos se diz satisfeito.
"A sensação é de dever cumprido", afirma
Sílvio Marques, do Ministério Público de São Paulo. "Hoje nasce um novo
lema: roubou, fez e foi preso".
Maluf, que se entregou à Polícia Federal nesta
quarta-feira, acumula um extenso currículo de acusações e processos que incluem
superfaturamento em obras de avenidas e túneis, fraude em compra de frango na
Prefeitura de São Paulo e um processo por doar 25 fuscas para jogadores da
Seleção Brasileira de 1970 com dinheiro público (veja detalhes abaixo).
Nesta terça, o ministro do Supremo Tribunal Federal
Esdon Fachin determinou que Maluf comece a cumprir a pena de 7 anos, 9 meses e
10 dias em regime fechado por lavagem de dinheiro - um caso que teve início na
mesa do promotor Marques, em São Paulo.
"Ele fez de tudo para atrasar, enrolar e
empurrar (os processos) com a barriga", diz o promotor, que desvendou um
esquema de caixa 2 e remessas para o exterior a partir do depoimento de um
ex-diretor financeiro da empreiteira Mendes Jr., citado na decisão de Fachin.
Segundo o promotor Marques, Maluf recorreu a
"truques jurídicos" para atrasar seu julgamento. "A
principal artimanha foi constestar insistentemente todos os laudos periciais
feitos pelo Ministério Público de São Paulo. Ele queria anular nossos pareceres
técnicos, sempre para ganhar tempo. Mas o Supremo não aceitou e disse que o
nosso laudo estava correto", diz o promotor.
"Essa estratégia causa atrasos no julgamento
dos processos, mas não só isso. Essas estratégias se estendem até a prescrição
do caso. Maluf se livrou de vários processos por conta disso", diz
Marques. No caso do processo avaliado por Fachin, um dos crimes investigados -
de corrupção passiva - prescreveu antes que os magistrados pudessem
sentenciá-lo.
Segundo as investigações de Marques e do colega
José Carlos Blat, também do MP paulista, Maluf teria enviado pelo menos US$ 100
milhões (ou R$ 350 milhões) em remessas ilegais para o exterior, entre 2002 e
2004. O ex-prefeito de São Paulo sempre negou todas as acusações.
Nesta quarta, o advogado Ricarso Torso, afirmou que
pedirá à Justiça que Maluf seja transferido para a prisão
domiciliar. "Ele tem 86 anos, (pode) ficar em casa em domiciliar até
o julgamento", disse. A defesa também afirmou que o político tem câncer de
próstata. No fim da tarde de quarta-feira, Maluf seria transferido da
carceiragem da Polícia Federal em São Paulo para o Complexo Penitenciário da
Papuda.
'Nunca mais votem em mim' - Filho de
imigrantes libaneses, o empresário paulista é figura tradicional e controversa
na política: foi governador biônico de São Paulo - nomeado pela ditadura -,
prefeito da capital por duas vezes e deputado federal por quatro mandatos.
Em São Paulo, "doutor Paulo" costuma
apontar para uma obra pública e comentar: "foi o Maluf que fez". Ele
construiu, por exemplo, as marginais Tietê e Pinheiros, o túnel Ayrton Senna e
o Minhocão, viaduto de mais de 3 km de extensão que degradou parte do centro de
São Paulo. Também colocou nome de parentes em obras viárias: o túnel Maria
Maluf (sua mãe) e a avenida Salim Farah Maluf (seu pai).
Em 1996, quando deixava a prefeitura de São Paulo,
Maluf era aprovado por 46% dos paulistanos, segundo pesquisa Datafolha da
época. Na campanha para eleger Celso Pitta como sucessor, ele apelou para uma
frase que depois seria lembrada por opositores: "Se Pitta não for um
grande prefeito, nunca mais vote em mim".
Pitta venceu e chegou a ser afastado do cargo após
denúncias de corrupção. Maluf nunca mais conseguiu se eleger para cargos do
Executivo. No entanto, as grandes polêmicas da carreira do deputado são
acusações de corrupção. Ele já foi processado diversas vezes - em alguns casos,
terminou condenado. No total, até esta quarta, havia ficado preso por 40 dias -
entre 10 de setembro e 20 de outubro de 2005.
A BBC listou alguns dos processos contra o deputado
e as estratégias que ele usou para escapar de punições mais pesadas. Em alguns
casos, ele se beneficiou da prescrição dos crimes ou de recursos que
prolongaram os processos por décadas.
1 - Embargos infringentes
Em maio deste ano, após 17 anos do início das
investigações, Paulo Maluf foi condenado à prisão e perda de mandato pela
primeira turma do STF por lavagem de dinheiro.
Ele foi acusado de desviar milhões da construção da
avenida Jornalista Roberto Marinho quando era prefeito de São Paulo
(1993-1996). Após a decisão do STF, os advogados entraram com embargos
infringentes - quando a defesa questiona a decisão de um colegiado de
magistrados.
Maluf pediu anulação do processo, alegando
problemas na perícia técnica dos documentos que comprovariam a autoria do
crime "A acusação era de corrupção e lavagem de dinheiro. Com essas
estratégias de atraso, ele conseguiu se livrar da acusação de corrupção, que
prescreveu", diz o promotor Marques.
Ainda assim, US$ 100 milhões que teriam sido
desviados por Maluf para contas no exterior voltaram aos cofres de São Paulo a
partir de convênios com Ministérios Públicos de países como EUA, Suíça, França,
Jersey e Luxemburgo.
2 - Procurado pela Interpol e polícia
francesa
Paulo Maluf também conseguiu se livrar de ser preso
pela Interpol. Ele começou a ser procurado pela organização internacional em
2010, quando já ocupava o cargo de deputado federal.
O Ministério Público de Nova York acusa Maluf de
lavar milhões nos Estados Unidos, montante que teria sido desviado da obra da
avenida Jornalista Roberto Marinho. Caso ele saísse do país, poderia ser
preso pela Interpol. Desde 2008, Maluf não faz viagens internacionais. Maluf
também foi condenado pela Justiça francesa a três anos de prisão por lavagem de
dinheiro - a defesa recorreu.
Segundo o promotor paulista, a nova Lei de
Imigração, recentemente sancionada pelo presidente Michel Temer, permite que
Maluf cumpra a pena aplicada pela justiça francesa em prisões
brasileiras. "Agora depende do Supremo Tribunal de Justiça,
responsável por este tipo de caso, segundo a nova lei", diz Marques.
3 - Fuscas para a seleção
Em 1970, Maluf era prefeito e deu 25 fuscas para os
jogadores da seleção brasileira de futebol que haviam acabado de vencer a Copa
do Mundo. O presente foi comprado com dinheiro público, segundo a Justiça.
Quatro anos depois, ele foi condenado a devolver o
dinheiro dos fuscas, mas recorreu da decisão. Em 1981, o STF confirmou a
decisão, mas o político também recorreu por meio de embargos. Outra decisão só
ocorreu em 1995 - 14 anos mais tarde - e Maluf venceu com um argumento técnico
sobre o processo.
4 - Compra de frangos
Em 2010, Maluf foi condenado por improbidade
administrativa em um processo sobre compra irregular de frangos para a
prefeitura de São Paulo, em 1996. Ele foi condenado a devolver R$ 21 mil aos
cofres municipais.
Segundo a denúncia do Ministério Público Estadual,
houve superfaturamento na compra. O caso foi apelidado de
"frangogate". Depois de um recurso, o Tribunal de Justiça
absolveu o deputado.
5 - Maluf se livra de ser ficha suja
Em 2014, após se eleger deputado federal mais uma
vez, Maluf conseguiu se livrar da lei de Ficha Limpa que quase o impediu de
assumir o mandato.
Antes, a Justiça eleitoral havia considerado o
parlamentar ficha suja devido a sua condenação por superfaturamento na
construção do túnel Ayrton Senna. Porém, a maioria dos ministros do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que, para ser ficha suja, era
necessário que o parlamentar tivesse participado do esquema de forma dolosa.
Na primeira condenação, a Justiça paulista não
afirmou que Maluf teve a intenção de participar do superfaturamento. Por isso,
ele não foi barrado. (BBC)
Após dezenas de depoimentos, quebras de sigilos de
contas no Brasil e no exterior e intensos embates jurídicos que "pareciam
não ter fim", o promotor paulista que investiga o deputado federal Paulo
Maluf (PP) há 16 anos se diz satisfeito.
"A sensação é de dever cumprido", afirma
Sílvio Marques, do Ministério Público de São Paulo. "Hoje nasce um novo
lema: roubou, fez e foi preso".
Maluf, que se entregou à Polícia Federal nesta
quarta-feira, acumula um extenso currículo de acusações e processos que incluem
superfaturamento em obras de avenidas e túneis, fraude em compra de frango na
Prefeitura de São Paulo e um processo por doar 25 fuscas para jogadores da
Seleção Brasileira de 1970 com dinheiro público (veja detalhes abaixo).
Nesta terça, o ministro do Supremo Tribunal Federal
Esdon Fachin determinou que Maluf comece a cumprir a pena de 7 anos, 9 meses e
10 dias em regime fechado por lavagem de dinheiro - um caso que teve início na
mesa do promotor Marques, em São Paulo.
"Ele fez de tudo para atrasar, enrolar e
empurrar (os processos) com a barriga", diz o promotor, que desvendou um
esquema de caixa 2 e remessas para o exterior a partir do depoimento de um
ex-diretor financeiro da empreiteira Mendes Jr., citado na decisão de Fachin.
Segundo o promotor Marques, Maluf recorreu a
"truques jurídicos" para atrasar seu julgamento. "A
principal artimanha foi constestar insistentemente todos os laudos periciais
feitos pelo Ministério Público de São Paulo. Ele queria anular nossos pareceres
técnicos, sempre para ganhar tempo. Mas o Supremo não aceitou e disse que o
nosso laudo estava correto", diz o promotor.
"Essa estratégia causa atrasos no julgamento
dos processos, mas não só isso. Essas estratégias se estendem até a prescrição
do caso. Maluf se livrou de vários processos por conta disso", diz
Marques. No caso do processo avaliado por Fachin, um dos crimes investigados -
de corrupção passiva - prescreveu antes que os magistrados pudessem
sentenciá-lo.
Segundo as investigações de Marques e do colega
José Carlos Blat, também do MP paulista, Maluf teria enviado pelo menos US$ 100
milhões (ou R$ 350 milhões) em remessas ilegais para o exterior, entre 2002 e
2004. O ex-prefeito de São Paulo sempre negou todas as acusações.
Nesta quarta, o advogado Ricarso Torso, afirmou que
pedirá à Justiça que Maluf seja transferido para a prisão
domiciliar. "Ele tem 86 anos, (pode) ficar em casa em domiciliar até
o julgamento", disse. A defesa também afirmou que o político tem câncer de
próstata. No fim da tarde de quarta-feira, Maluf seria transferido da
carceiragem da Polícia Federal em São Paulo para o Complexo Penitenciário da
Papuda.
'Nunca mais votem em mim' - Filho de
imigrantes libaneses, o empresário paulista é figura tradicional e controversa
na política: foi governador biônico de São Paulo - nomeado pela ditadura -,
prefeito da capital por duas vezes e deputado federal por quatro mandatos.
Em São Paulo, "doutor Paulo" costuma
apontar para uma obra pública e comentar: "foi o Maluf que fez". Ele
construiu, por exemplo, as marginais Tietê e Pinheiros, o túnel Ayrton Senna e
o Minhocão, viaduto de mais de 3 km de extensão que degradou parte do centro de
São Paulo. Também colocou nome de parentes em obras viárias: o túnel Maria
Maluf (sua mãe) e a avenida Salim Farah Maluf (seu pai).
Em 1996, quando deixava a prefeitura de São Paulo,
Maluf era aprovado por 46% dos paulistanos, segundo pesquisa Datafolha da
época. Na campanha para eleger Celso Pitta como sucessor, ele apelou para uma
frase que depois seria lembrada por opositores: "Se Pitta não for um
grande prefeito, nunca mais vote em mim".
Pitta venceu e chegou a ser afastado do cargo após
denúncias de corrupção. Maluf nunca mais conseguiu se eleger para cargos do
Executivo. No entanto, as grandes polêmicas da carreira do deputado são
acusações de corrupção. Ele já foi processado diversas vezes - em alguns casos,
terminou condenado. No total, até esta quarta, havia ficado preso por 40 dias -
entre 10 de setembro e 20 de outubro de 2005.
A BBC listou alguns dos processos contra o deputado
e as estratégias que ele usou para escapar de punições mais pesadas. Em alguns
casos, ele se beneficiou da prescrição dos crimes ou de recursos que
prolongaram os processos por décadas.
1 - Embargos infringentes
Em maio deste ano, após 17 anos do início das
investigações, Paulo Maluf foi condenado à prisão e perda de mandato pela
primeira turma do STF por lavagem de dinheiro.
Ele foi acusado de desviar milhões da construção da
avenida Jornalista Roberto Marinho quando era prefeito de São Paulo
(1993-1996). Após a decisão do STF, os advogados entraram com embargos
infringentes - quando a defesa questiona a decisão de um colegiado de
magistrados.
Maluf pediu anulação do processo, alegando
problemas na perícia técnica dos documentos que comprovariam a autoria do
crime "A acusação era de corrupção e lavagem de dinheiro. Com essas
estratégias de atraso, ele conseguiu se livrar da acusação de corrupção, que
prescreveu", diz o promotor Marques.
Ainda assim, US$ 100 milhões que teriam sido
desviados por Maluf para contas no exterior voltaram aos cofres de São Paulo a
partir de convênios com Ministérios Públicos de países como EUA, Suíça, França,
Jersey e Luxemburgo.
2 - Procurado pela Interpol e polícia
francesa
Paulo Maluf também conseguiu se livrar de ser preso
pela Interpol. Ele começou a ser procurado pela organização internacional em
2010, quando já ocupava o cargo de deputado federal.
O Ministério Público de Nova York acusa Maluf de
lavar milhões nos Estados Unidos, montante que teria sido desviado da obra da
avenida Jornalista Roberto Marinho. Caso ele saísse do país, poderia ser
preso pela Interpol. Desde 2008, Maluf não faz viagens internacionais. Maluf
também foi condenado pela Justiça francesa a três anos de prisão por lavagem de
dinheiro - a defesa recorreu.
Segundo o promotor paulista, a nova Lei de
Imigração, recentemente sancionada pelo presidente Michel Temer, permite que
Maluf cumpra a pena aplicada pela justiça francesa em prisões
brasileiras. "Agora depende do Supremo Tribunal de Justiça,
responsável por este tipo de caso, segundo a nova lei", diz Marques.
3 - Fuscas para a seleção
Em 1970, Maluf era prefeito e deu 25 fuscas para os
jogadores da seleção brasileira de futebol que haviam acabado de vencer a Copa
do Mundo. O presente foi comprado com dinheiro público, segundo a Justiça.
Quatro anos depois, ele foi condenado a devolver o
dinheiro dos fuscas, mas recorreu da decisão. Em 1981, o STF confirmou a
decisão, mas o político também recorreu por meio de embargos. Outra decisão só
ocorreu em 1995 - 14 anos mais tarde - e Maluf venceu com um argumento técnico
sobre o processo.
4 - Compra de frangos
Em 2010, Maluf foi condenado por improbidade
administrativa em um processo sobre compra irregular de frangos para a
prefeitura de São Paulo, em 1996. Ele foi condenado a devolver R$ 21 mil aos
cofres municipais.
Segundo a denúncia do Ministério Público Estadual,
houve superfaturamento na compra. O caso foi apelidado de
"frangogate". Depois de um recurso, o Tribunal de Justiça
absolveu o deputado.
5 - Maluf se livra de ser ficha suja
Em 2014, após se eleger deputado federal mais uma
vez, Maluf conseguiu se livrar da lei de Ficha Limpa que quase o impediu de
assumir o mandato.
Antes, a Justiça eleitoral havia considerado o
parlamentar ficha suja devido a sua condenação por superfaturamento na
construção do túnel Ayrton Senna. Porém, a maioria dos ministros do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou que, para ser ficha suja, era
necessário que o parlamentar tivesse participado do esquema de forma dolosa.
Na primeira condenação, a Justiça paulista não
afirmou que Maluf teve a intenção de participar do superfaturamento. Por isso,
ele não foi barrado. (BBC)
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