O holandês Joop
Stoltenborg se lembra bem de quando o primeiro agrotóxico chegou ao sítio de
sua família na Holanda, em 1955, quando tinha 15 anos. Era um herbicida que
deixava a pele amarelada.
"Nós ficamos muito felizes.
Arrancar o mato à mão demorava dias e pulverizando, demorávamos apenas algumas horas.
Aos domingos, quando eu encontrava a galera, a gente olhava quem tinha as mãos
mais amarelas de herbicida. Quanto mais amarelo, mais moderna e pop era a
pessoa", disse à BBC
News Brasil.
Quando estava com cerca de 40
anos, Joop era, em suas próprias palavras, um "especialista em
veneno". "Importei livros com descrições sobre centenas de
agrotóxicos: o que era bom para qual praga, a dosagem e o grau de toxicidade de
cada um." Hoje, aos 79 anos, o holandês é um dos
pioneiros da agricultura orgânica no Brasil - seu sítio é o sétimo certificado
como orgânico no país - e um forte opositor dos agrotóxicos.
Em uma palestra no evento Food Forum, em São
Paulo, no último mês de março, ele começou colocando cuidadosamente uma máscara
e borrifando veneno em um prato de salada fresca. "Aqui eu usei só a dose
permitida, dentro das normas. Agora quero ver quem quer comer essa
comida", desafia.
O Brasil é um dos maiores
consumidores de agrotóxicos no mundo, e permite o uso de dezenas de substâncias
que já foram proibidas em outros países.
Nas últimas semanas, deputados
tentaram algumas vezes votar, em comissão especial, o Projeto de Lei (PL)
6.299/2002, que pretende reformular a lei atual sobre registro, fiscalização e
controle de agrotóxicos. A votação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados
foi adiada três vezes e deve ser concluída nesta terça-feira.
O projeto, proposto originalmente
pelo ex-senador e atual ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP-MT) e cujo
relator é o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), também quer concentrar no
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a avaliação
toxicológica das substâncias e aprovação do seu uso.
Atualmente, os agrotóxicos
precisam ter uma avaliação toxicológica feita pela Anvisa, uma avaliação
ambiental feita pelo Ibama e uma avaliação agronômica feita pelo Ministério.
Pela nova lei, a Anvisa e o Ibama ficariam
fora do processo e as substâncias seriam integralmente avaliadas por uma
comissão técnica que incluiria representantes dos ministérios da Agricultura,
da Saúde, do Meio Ambiente, da Ciência, Tecnologia e Inovação e do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O debate vem causando polêmica entre
ruralistas, a favor do PL, e órgãos como Anvisa, Ibama e Conselho Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que se posicionam contra.
Os produtores reclamam da demora
na liberação dos agrotóxicos e dizem que, quando o governo autoriza a
aplicação, os produtos já estão obsoletos. Opositores, por sua vez, afirmam que
a nova medida favoreceria apenas os fabricantes dos químicos, facilitando a
entrada de produtos possivelmente danosos à saúde e ao ambiente no mercado.
"Eu não estou tão preocupado
com a vinda de novos produtos porque acredito que a tendência em todo mundo é
que eles sejam cada vez menos tóxicos", contemporiza Joop.
"Mas o Brasil precisa
retirar os agrotóxicos que estão no mercado. Ninguém quer comer comida com
veneno, mas as pessoas estão comendo."
Histórias de contaminação - A trajetória de Joop - de entusiasta do uso
de químicos na agricultura a ativista antiagrotóxicos - incluiu um período
trabalhando em plantações mecanizadas no Canadá e uma viagem de milhares de
quilômetros até o Brasil, em um Fusca, com um amigo.
"Viajando pelos países da
América do Sul, deu pra ver que o Brasil estava crescendo. Era 1965, e aqui
havia muito mais máquinas, estradas, caminhões, a indústria estava começando.
Deu para ver um ânimo diferente dos outros países."
A viagem terminou em Holambra 2,
colônia holandesa no interior de São Paulo, na casa de um tio que já morava no
país. Foi onde Joop conheceu Tini, também holandesa, de família grande e ligada
à terra.
Juntos, eles tiveram três filhas
e duas netas, e criaram o Sítio A Boa Terra que, em 1981, se tornou o sétimo
produtor de orgânicos certificado pela Associação de Certificação Instituto
Biodinâmico, a maior do país.
"Decidimos parar de usar agrotóxicos
depois que tivemos vários acidentes. O irmão de Tini foi intoxicado pelo
vazamento de uma máquina de pulverizar, e o veneno penetrou nos rins. Ele ficou
muitos meses na cama e até hoje sofre com problemas renais", afirma.
"Uma vez, estávamos plantando bulbos de
flores e colocando um agrotóxico em cima dos bulbos para matar pragas. Atrás de
nós vinha um funcionário com um burro, que caiu morto no fim do dia. Tinha
cheirado a substância o dia inteiro. Também já tivemos que levar três
funcionários para o hospital por intoxicação grave depois de usarmos um veneno
misturado às sementes de milho. Tudo isso mexeu muito comigo." A transição, no entanto, levou
cerca de 10 anos, e precisou de uma boa dose de "criatividade",
segundo o agricultor.
Pedido de ajuda na internet - Inicialmente, Joop e Tini
tentaram - e conseguiram - diminuir o uso de agrotóxicos seguindo uma
estratégia chamada manejo integrado de pragas, em que aplicavam agrotóxicos em
um ponto específico da germinação.
Isso permitiu, diz o holandês,
que eles passassem a aplicar apenas 30% da quantidade de herbicida normalmente
recomendada. "Nessa época também ouvimos
falar do uso do lança-chamas para o controle de ervas daninhas, por exemplo, na
plantação de cenouras. Pedimos ajuda na internet para saber como usar e uma
pessoa da Escandinávia até nos mandou um livro pelo correio."
"Você normalmente semeia a
cenoura, e ela começa a nascer em oito dias. Mas 80% das ervas daninhas crescem
antes da cenoura. Aí no sexto dia, por exemplo, você passa uma chama que mata
essas ervas e depois de uns dias nasce a cenoura tranquilamente, sem
mato", descreve.
Hoje, o sítio da família de
origem holandesa também produz tomates em estufa usando apenas produtos com
certificado orgânico e faz rotação de culturas. A monocultura, segundo
especialistas, está associada à necessidade maior de agrotóxicos, já que altera
o ecossistema e favorece o surgimento de pragas e insetos.
"Além de plantarmos vários produtos,
também deixamos crescer um pouco de mato. Na agricultura convencional existe um
fanatismo de combater até o último mato, é quase uma doença."
"Mas se você deixa um pouco, a
diversidade de plantas atrai uma diversidade de insetos. E aí você garante que
os inimigos naturais das pragas também estejam lá. Se você tem pulgões, terá
joaninhas que comem os pulgões", explica.
Ele admite, no entanto, que a
produção é mais difícil sem agrotóxicos, e exige mais cuidados e investimento -
coisa que muitos pequenos agricultores não estão aptos a fazer. "É fácil de condenar quem
ainda usa (os químicos), mas não é tão fácil de mudar. Eu entendo isso. Ainda
falta apoio para investirmos na tecnologia de produzir orgânicos."
Desafio de manter e mudar hábitos de consumo - O setor de orgânicos movimenta
mais de R$ 3 bilhões e cresce cerca de 20% a cada ano no Brasil, segundo o
Organis - Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável. Cerca de 70%
deste mercado corresponde a alimentos produzidos dessa forma e certificados por
organismos credenciados no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Os outros 30% correspondem a cosméticos, roupas, produtos de limpeza e outros.
Mas, apesar do crescimento, Joop
diz que ainda é difícil para pequenos agricultores seguirem esse caminho. Com 30 funcionários, o Sítio A
Boa Terra produz couve-flor, brócolis, abobrinha, batata inglesa, batata doce,
beterraba, cenoura, gengibre, inhame, mandioca, milho, pepino japonês, alho,
quiabo, rabanete, tomate cereja, tomate e açafrão, além de folhas - diversos
tipo de alface, almeirão, escarola, rúcula, couve-manteiga, espinafre, repolho
e temperos em geral.
Semanalmente, eles enviam para
assinantes uma cesta de produtos orgânicos que tem, além da sua colheita,
produtos de parceiros. Mas a manutenção dos consumidores, ele diz, é um dos
principais desafios.
"Temos muitos clientes entrando e
saindo, mas os que permanecem ainda são poucos. As pessoas também questionam o
preço, mas é preciso lembrar que na agricultura convencional, o produtor tem
uma máquina que substitui 10, 20, 40 homens", afirma. Como exemplo, ele explica que um hectare de
batata pode ser cultivado por apenas uma pessoa na agricultura convencional. O
manejo orgânico, no entanto, requer pelo menos oito.
"Aliás, todo mundo sabe que
batata inglesa é o que mais precisa de agrotóxicos para produzir. Só que o
Brasil tem raízes bem melhores que essa. A batata doce, em termos de
nutrientes, é dez vezes melhor. Se o consumidor passar a consumir mais inhame,
batata doce, cará, mandioca, mandioquinha, a mudança não fica impossível. O
consumidor ajuda os agricultores a procurar outros produtos." (BBC)
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