O professor Sérgio Santos, de
36 anos, foi abandonado pelo pai biológico quando tinha 10 meses de idade.
Depois de adulto, foi procurado por ele no Facebook e aceitou o pedido de
amizade.
Mas não
demorou muito para que as opiniões do progenitor - que declara voto no
candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL)
- incomodassem Sérgio, que mora no Rio de Janeiro e vai votar em Fernando Haddad (PT).
"Meu
pai é bem ativo, mas quase nenhum dos seus posts tem curtida ou
compartilhamento. Talvez por isso ele resolveu disparar memes pelo messenger",
ele conta.
"O
primeiro que ele me mandou dizia que iria votar em Bolsonaro porque ele era o
candidato de quem respeita a família. Achei essa mensagem um absurdo e cortei
novamente os laços com ele."
O analista de TI Márcio Henrique Claudino mora em
Belfast, na Irlanda do Norte, e tinha planos de visitar a família no Brasil em
janeiro. As discussões que teve com os familiares por causa de eleições, no
entanto, o fizeram mudar de ideia.
"Vou adiar a viagem lá para maio para esperar o
clima acalmar", diz ele. Márcio brigou com a família e foi chamado de
fascista por duas cunhadas porque começou a fazer campanha para Bolsonaro. A
maior parte de sua família vai votar em Haddad. Situações como as de Sérgio e Márcio são um retrato das
divergências que, em uma eleição tão polarizada quanto a deste ano, se instalam
também dentro das famílias.
Segundo
pesquisa Datafolha divulgada na quinta-feira, dia 25 de outubro, Jair Bolsonaro
tem a liderança, com 56% das intenções de votos válidos. Haddad tem 44% - uma
diferença de 12 pontos percentuais.
A internet teve um papel central na campanha neste ano, e
acaba sendo também o meio onde muitas vezes começam as brigas de família - que
acabam transbordando do mundo digital para a vida real.
Como mora longe do Brasil, o WhatsApp era o principal
meio de comunicação de Márcio com a família. "Minhas cunhadas ficaram bem
bravas, falando que sou fascista, que estou apoiando tortura, essas
coisas", conta Márcio. "Sei que Bolsonaro apoia a ditadura, mas acho
que não existe a menor possibilidade de isso acontecer hoje no Brasil."
O irmão mais velho tentou apaziguar, a mãe mandou
mensagem pedindo para ele parar de falar sobre política: "Márcio, para com
isso, o pessoal tá bravo com você".
"Eu
não esperava essa reação, esperava que eles entendessem que é pro bem, que eu
não tô fazendo pro mal", afirma.
Ele diz
que defende Bolsonaro por "suas ideias liberais para a economia" e
para "não correr o risco de Lula sair da prisão e virar ministro".
"Eu conheço o trabalho do Paulo Guedes, ele é um cara do mercado, um cara
preparado", diz. "Antes
a gente conseguia conversar. Hoje não, quando posto algo (a resposta) é
silêncio, para não ter discussão", diz ele.
Tempo perdido - A publicitária Mariana*, de 32 anos, tem
um posicionamento político oposto ao de Márcio (ela vota em Haddad), mas teve
um problema parecido: também viu o desentendimento com a família ficar
virulento muito rápido.
Ela conta que mandou só uma mensagem questionando um post
no Instagram da cunhada e recebeu uma enxurrada de críticas do irmão. Ele a
chamou de "comunista psicótica", disse que ela era "louca e
precisava de ajuda psiquiátrica" e que "deveria deixar sua família em
paz".
"Eu
disse: é muito doido esse seu delírio de comunismo em pleno 2018", conta.
"Achar que eu, que sou publicitária, uma das profissões mais capitalistas
do mundo, que eu sou comunista... É uma atitude muito irracional, típica de
fascistas."
"Eu e
meu irmão sempre discutimos por política, mas agora a treta foi muito maior,
muito mais agressiva", diz.
O pior,
diz ela, foi a ameaça: ele falou que se 'ela continuasse assim' ele iria
proibi-la de ver as duas sobrinhas", conta Mariana, que ficou preocupada,
pois adora as meninas, uma de 2 anos e uma de 4 meses. "Ele é bem
extremista, eu não duvido que ele me proibiria."
Como a
família é judaica, eles já não comemoravam o Natal. Mas os encontros e almoços
de domingo em São Paulo, onde os irmãos moram, estão cancelados - pelo menos
por enquanto. "Vou dar um tempo, esperar passar. A família é só a gente.
Meu pai abandonou a gente e minha mãe já morreu", conta Mariana.
A
administradora pública Liana Morisco, de Sorocaba, no interior de São Paulo,
espera que a tensão com a família, que é de Analândia, tenha diminuído até o
Natal. "Minha família quase que inteira decidiu apoiar o Bolsonaro",
diz ela, que é consultora da ONG Transparência Internacional Brasil.
"Há
mais de 20 anos luto contra corrupção. Meus primos e tios, em especial os
homens, decidiram entrar no meu Face e ficar me atacando o tempo todo. Dizendo
que sou comunista, que defendo bandido, que sou corrupta", conta ela.
Isso
começou antes do primeiro turno, quando ela defendia o voto em qualquer
candidato que não fosse Bolsonaro.
"Até domingo passado eu estava tentando levar de
boa, respondendo com argumentos, até que um dos meus primos me tirou do
sério", conta ela, que acabou respondendo rispidamente - e foi expulsa do
grupo da família.
"Fico chateada porque os demais compraram a briga
dele comigo sem me defender de todas as acusações que ele me fez. Apenas porque
eu discordo da opinião política deles eu já estou errada", desabafa.
Apesar de
tudo, ela ainda pretende passar o Natal em Analândia. "Não sei como estará
o clima, mas não fiz nada de errado para não ir. A não ser que eles digam que
não querem a minha presença... Aí fica complicado, passarei com o outro lado da
família."
Pais e filhos - Nem todo mundo insiste na convivência: a
filha do engenheiro Júlio, de 54 anos, já anunciou que não vai passar o Natal
com ele. Julio
votou em João Amoêdo (Novo) no primeiro turno e declarou voto em Bolsonaro no
segundo. Sua filha única tem 21 anos, é feminista, militante do Psol e pretende
votar em Haddad.
A
diferença entre pai e filha reflete uma distância geracional nas intenções de
voto: o capitão reformado tem maioria em todas as faixas etárias, mas menos
entre os mais jovens (16 a 24 anos), onde está tecnicamente empatado com o
professor da USP. Após um crescimento na última semana, Haddad tem hoje 45% dos
votos válidos nessa faixa etária. Bolsonaro tem 42%.
Morador de
Jundiaí, no interior de São Paulo, Julio é divorciado e vai passar o Natal com
os irmãos, que também votam no candidato do PSL. "Minha
filha disse que vai passar tanto a ceia quanto o dia de Natal com a família da
mãe porque não está afim de conviver com 'fascistas'", conta ele. Sua
filha não parou de falar com ele, mas brigou com os tios e saiu do grupo da
família.
"É
claro que eu não sou machista, não sou homofóbico. Sempre recebi bem os amigos
dela que são gays. Só não quero mais um governo do PT deixando o país em
crise", diz ele, que afirma estar "muito chateado" com o
distanciamento da filha, que mora na capital.
"Estou
pensando nela. Quero um país rico e com emprego pra ela quando se formar."
"Ela
é muito idealista, muito dedicada desde pequena. E eu sempre incentivei isso.
Só acho ruim que ela leve a política pro lado pessoal", afirma.
Quase sem querer -O estudante universitário Renato, de 23
anos, diz que não é uma questão apenas política, mas moral, de visão de mundo
e, no caso dele, bem pessoal. Renato ainda não tinha contado para os pais que é gay
quando o clima começou a ficar "horrível" em sua casa. As brigas
foram aumentando, aumentando...
"Acabei
saindo do armário no dia da eleição", conta ele, que vai votar em Haddad.
"Minha
mãe sempre foi em cima do muro e meu pai sempre foi reaça. Sempre discutimos,
às vezes até evoluía para uma briga. Mas (com o crescimento de Bolsonaro nas
pesquisas) as brigas foram ficando muito piores, as pessoas ficaram muito mais
exaltadas, eu incluso", diz ele, que mora com os pais em São Paulo.
Renato diz
que estava muito deprimido com as notícias sobre aumentos de ataques à
população LGBT durante a campanha e desabafou com a irmã. "Ela acabou
pegando minhas dores e comprando uma briga com meu pai", conta o
estudante.
No dia do
primeiro turno, ela começou uma discussão acalorada com o pai, que defendia
Bolsonaro - o candidato já disse que não aceitaria um filho gay, que se um gay
"leva um couro, muda o comportamento" e que a presença de
homossexuais no prédio poderia "desvalorizar seu apartamento". Hoje
ele nega ser homofóbico.
"E se
eu fosse lésbica, e se alguma coisa acontecesse comigo na rua?",
questionou a irmã de Renato.
"Meu
pai falou que era anormal, que era meio doentio. E doeu muito", diz o
jovem. "Eu não estava aguentando mais e falei: eu fico com homem. Depois
saí da sala, me tranquei no quarto e comecei a chorar. Nem vi a reação (dos
pais)."
Enquanto
ouvia gritos muito altos vindo da sala, Renato ligou para uma amiga que o
ajudou a se acalmar. A
revelação causou uma transformação em sua família. Seu irmão, que tinha votado
em Bolsonaro no primeiro turno, decidiu votar nulo.
"Ele
disse: 'Re, me desculpa por não ter um caminho entre a gente pra você se abrir
comigo. Me desculpa por ofensas e piadas que eu mesmo fiz. Me desculpa por não
ter te defendido quando faziam piadas com você quando estávamos na escola. Toma
cuidado. E tenha paciência com a nossa família'", conta Renato.
A mãe, que
ia votar nulo, agora votará em Haddad. E a avó, que ia votar em Bolsonaro,
também mudou o voto para o candidato do PT. "Você percebe que as pessoas não têm muita consciência
do discurso do cara, mas só quando têm alguém próximo, que será diretamente
afetado, elas se sensibilizam", diz Renato, para quem a eleição tem sido
"emocionalmente desgastante".
O pai, no entanto, provavelmente vai continuar votando em
Bolsonaro, segundo Renato. "Meu pai não está olhando na minha cara. A
gente tem se falado, mas essas coisas de cotidiano", diz ele. "Na
minha primeira semana a gente literalmente não se falou, agora estamos andando
em ovos, tomando muito cuidado."
"Ele justifica o voto com o discurso do antipetismo,
mas não é só isso, senão ele tinha votado em outro no primeiro turno. A pessoa
mostra todas as opiniões, aí você começa a questionar: esse cara que me criou,
pode ser que ele me abandone completamente.... Era essa a posição que coincidia
mais com as coisas que ele falava."
"Então,
de certa forma, até que está um clima ok. Poderia ser pior. A gente
provavelmente nunca mais vai falar disso na vida", afirma.
Apesar de
tudo, Renato está otimista em relação ao clima entre sua família. "Acho
que tende a melhorar. No fim foi um grande alívio. Só não posso pensar no
Brasil. Aí fico deprimido de novo."
*O nome foi mudado a pedido da
entrevistada
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