“Eu não estou aqui”
Meu
inesquecível pai Gonçalo Alves da Costa, faleceu na Santa Casa de Misericórdia
de Sobral aos 74 anos, em 07.04.1992. Meses depois, no começo da tarde de um domingo,
meu mano Antônio da Costa (Coluna De Olho na Língua), ainda muito choroso,
convidou-me para visitar o cemitério São José. Depois rezar na sepultura do nosso
pai, notei que Antônio, inconsolado, relutava em não sair de lá. Tentei
convencê-lo de que a essência de quem morre não permanece ali. E, no caso do seu
Gonçalo, espera que esteja pertinho de Deus, no que creio por conhecer grande parte
de sua passagem terrena.
Mas o
mano estava irredutível. Então, sem lograr bom êxito, informei-lhe que,
enquanto ele decidia, eu iria visitar outros túmulos, sugerindo que
permanecesse naquele local para evitar desencontro. Caso precisasse sair que
não ficasse me chamando em voz alta; que fosse para o carro estacionado na
porta. (Já pensou se ele tivesse desobedecido! E o susto da vizinhança e de
quem passasse na rua, ao nos ouvir um gritando pelo outro de dentro do
cemitério, em plenas três da tarde!)
Fiz minha peregrinação: mais orações,
inclusive por pessoas que não admitiam reza pelos mortos. Sopesei quão
importante seria para a história a digitalização daqueles dados contidos nas
sepulturas. E, como sempre ocorre, assustei-me ao descobrir novos moradores do
local, os quais eu imaginava ainda entre nós.
Nessa caminhada, peguei a ala que
desemboca no portão de saída. Nele me recostei, fiquei refletindo mais um pouco
e pensando nas tarefas profissionais da segunda-feira, já que ainda estava na
ativa no Banco do Brasil (CESEC). Só que naquele silêncio e calmaria sepulcrais,
esqueci o companheiro, pequei o carro e fui pra casa. E somente no outro dia,
trabalhando no BB, o mano foi reclamar de ter voltado a pé pra sua casa na Rua
Mons. José Ferreira (Rua do Feijão), onde chegou mais ‘morto’ (de cansado) que
vivo.
Aproveitando
o tema, ontem (2), milhões de pessoas reverenciaram todos os “Fiéis Defuntos”,
numa comemoração da Igreja Católica Apostólica Romana e de praticantes de mais
algumas religiões. A data está oficializada no Brasil como "Dia dos
Mortos" ou "Dia de Finados" pela Lei Nº 9.093, de 12.09.1995.
Muitos
visitam os campos santos realmente para exercitar sua fé; outros, simplesmente
para dar satisfação à sociedade. Há os que evitam a visita por não se sentirem
bem e existem, ainda, os que fazem apenas uma viagem espiritual a esses locais.
No caso desses últimos, a ausência muitas vezes é ignorada e recriminada por
muitos que se farão presentes fisicamente. Muitas vezes, só
fisicamente. Mas Deus sabe distinguir a intenção de cada um.
Nas visitas que já
fiz a cemitérios encontrei vários epitáfios interessantes. Mas nenhum me chamou
a atenção tanto quanto o escolhido por Mário Quintana, de que tomei
conhecimento através da internet. Quem visita o Cemitério São Miguel e
Almas, em Porto Alegre (RS), possivelmente lerá no túmulo do poeta, tradutor e
jornalista gaúcho, Mário de Miranda Quintana (Alegrete-RS,
1906 - Porto Alegre-RS, 1994) a seguinte frase: “Eu
não estou aqui”.
Conhecido como o
"poeta das coisas simples”, de maneira bem rasteira Quintana chega a
espantar com seu epitáfio curto e grosso, mas muito profundo. Levanta
questionamento a respeito não do local onde repousa seu corpo físico, mas onde
estará sua essência, onde estará o verdadeiro Mario Quintana. E que história é
essa de “Eu não estou aqui”?
Para mim, nisso está
embutida mais uma lição do notável alegretense. Com essa afirmação sobre algo
que o visitante nem lhe perguntou, Quintana se antecipa e remete todos nós a
uma discussão ou a uma busca sobre nosso paradeiro depois da morte: Onde
estaremos, então? Onde podem nos encontrar, finalmente? E a perplexidade diante
desse esquisito “Eu não estou aqui” inquieta também os que somente agora tomam
conhecimento das boas-vindas do poeta aos visitantes da sua tumba.
Particularmente, com inteligência e
senso de compreensão limitados, entendo que a afirmação quintaniana (“Eu não
estou aqui”) nos impulsiona a cairmos na real e a compreendermos que a morte
não nos priva de permanecermos vivos, de estarmos em muitos lugares, ativos
através da lembrança de quem nos conheceu e até de quem não nos conheceu. Como
pode acontecer?
Isso será possível através do amor a
Deus e da prática de suas leis durante nossa passagem na terra; através das
boas ações praticadas; do desapego às coisas terrenas ou através da nossa
palavra ou da nossa escrita (aqui, no caso de Quintana).
Enfim, o que semearmos de bom na
terra fará nascer bons frutos. E, é claro, por também ter sido bem regado
aquele local onde repousará nosso corpo, dali mesmo romperemos as fronteiras da
morte terrena e permaneceremos vivos. Assim, com sobejada razão, a exemplo de
Mario Quintana um dia poderemos mandar também inscrever na nossa sepultura: “Eu
não estou aqui”
Até amanhã, no Programa Artemísio da
Costa na Educadora AM 950, das 10h30 às 12h30min. Notícias, reportagens,
curiosidades, música de boa qualidade. Destaque: Participe
3611-1550 // 3611-2496 // WhatsApp (88) 99618-9555 // Facebook: Artemísio
da Costa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário