sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

LITERATURA CEARENSE: Um conhecedor de Dom José (Por Pe. Geraldo Oliveira Lima - Na Betânia de 1955/1960)

Sou natural de Ipueiras, e, quando entrei no Seminário, Ipueiras pertencia à Diocese de Sobral. Ipueiras, cidade chantada ao pé da serra da Ibiapaba, na época, município muito produtor de cereais. Minha ascendência paterna provém da região do pé da serra, perto da velha Matriz de São Gonçalo da serra dos cocos, enquanto minha mãe advinha da região do Cariri, o meu avô materno, que era político, se incompatibilizou com a política do Pe. Cícero, tendo que migrar para o Norte do Ceará (Ipueiras), livrando-se da perseguição de Flora Bartolomeu. Eis minha origem, digo, origem genética.

Devo minha ida para o Seminário a D. José Tupinambá. Adolescente, fui para Sobral, onde o Pe. Palhano, em consulta ao vigário de Ipueiras, me convidou para estagiar no Bispado de Sobral, cuja missão era ir ao correio, passar telegramas, receber correspondência e atender D. José em alguma compra e acompanhá-lo em suas breves saídas e ajudar-lhe a missa. Muito exigente na liturgia, D. José acabou simpatizando comigo para ajudá-lo nas missas solenes. Cheguei a acompanhá-lo em alguma visita pastoral. Ao matricular-me no Seminário, ofereceu-me 500 cruzeiros para ajudar a comprar o enxoval.

No 1º ano de Seminário, éramos 27 alunos e, ao término do 6º ano, só restavam dois alunos: o futuro Pe. Cassiano e eu... À época, não havia faculdades no Ceará e o Seminário de Sobral fora para mim uma universidade. Ao contrário de alguns ex-alunos, o Seminário não me deixou nenhuma mágoa. Sou feliz por tê-lo cursado.

Foram meus professores: Pe. Edmilson Cruz, Pe. Marconi Montezuma, Pe. Osvaldo Chaves, Pe. José Linhares, Pe. Edson Frota, Pe. Lira, Pe. Austregésilo. Pe. Arnóbio, Pe. Gerardo F. Gomes. Pe. Moésia e Pe. Tupinambá Melo. Deste quadro de professores, três deles deixaram-me muita ajuda e boas recordações: Pe. Austregésilo, professor de português e matemática. A ele devo a gramática que sei. Exímio conhecedor de português e método de ensino.

Ao Pe. José Linhares, devo o gosto pela redação e literatura. Diria mesmo se não fosse ele, eu não seria hoje um modesto escritor. Com Pe. Marconi, tomei gosto pela geografia. Ministrava aulas sem abrir manual, tendo uma memória fantástica, citando dados econômicos e culturais de muitas cidades do Brasil. D. José tinha um carinho especial pelo Seminário. Pela formação do Seminário, ele projetava as paróquias do futuro.

A disciplina no Seminário de Sobral era uma cópia do que ele frequentara em Roma: a disciplina, a batina, o chapéu, a faixa azul e o barrete. Tipologia de disciplina e trajes impróprios para os trópicos, sobretudo, para a temperatura de Sobral, mas ele não via isto...

Assim como o Seminário era a “sombra” de D. José. Sobral também o fora, no discurso de meio século. Deste modo, não se pode dissertar sobre o Seminário de Sobral sem aludir à pessoa de D. José. De tentar de vasto conhecimento teológico, D. José, contudo, não tinha oratória: seus gestos tacanhos e sua voz frágil não o ajudavam nas homilias e discursos... 

Possuía o dom de premonição e justificava tal dom com a frase: Eu nasci de sete meses, e nem esperei para nascer. Um dado que o povo de Sobral não sabe é que ele morreu quase abandonado.

Pe. Palhano, a quem cabia o direito de zelar pela saúde dele e dar-lhe assistência, engajou-se na política, vivendo ausente no bispado. Sozinho, D. José me chamava e revelava mágoas... Queixou-se, algumas vezes, dos bens que herdara da família e doara à Diocese. Sem quase andar, D. José cedo envelheceu. Não lia. A biblioteca jogada ao pé da escada do bispado não era aberta. Aos 50 anos já não mais ia às visitas pastorais, delegando ao vigário geral tal missão, e depois ao seu auxiliar, D. Coutinho. Era um engenheiro nato. Sentia-se bem visitando suas construções. Como líder católico, teve dois adversários políticos: Dr. José Saboia (UDN) e Chico Monte (PSD).

Assim como o centenário Seminário de Sobral está merecendo um livro, D. José também faz jus a um livro memorial. Pela convivência que tive com ele, pretendo escrever um modesto livro que retratará a pessoa insigne de D. José. Sobral deve a D. José uma obra que resgate a memória deste antístise de primeira grandeza.




Pe. Geraldo Oliveira Lima 
Escritor e Historiador



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