A
tecnologia, conhecida como "prime editing" ("edição de
qualidade", em tradução livre), foi descrita como uma espécie de
"editor de texto genético" capaz de reescrever o DNA com precisão.
Em teste
de laboratórios, a nova tecnologia foi usada para corrigir mutações que causam
doenças. Uma das mutações que a técnica conseguiu corrigir foi a da anemia
falciforme.
O método
foi desenvolvido pela equipe do Instituto Broad, ligado à universidade de
Harvard e ao MIT (Massachusetts Institute of Technology) nos Estados Unidos. A
equipe de cientistas afirma que a tecnologia é "muito versátil e
precisa", mas destaca que a pesquisa está apenas começando.
Já podemos editar
DNA?
O DNA é o
"manual de instruções" para a construção e o desenvolvimento de cada
corpo humano. Ele está presente em quase todas as nossas células.
A
capacidade de alterar o DNA através da edição de genes promete revolucionar a
medicina — mas traz também novos questionamentos morais e éticos, como a
polêmica criação de bebês geneticamente modificados para terem proteção contra
o HIV.
O
"prime editing" é o mais novo avanço no campo da engenharia genética,
que está se desenvolvendo em ritmo acelerado.
Uma das
técnicas mais revolucionárias nesse campo — e que chamou grande atenção — foi a
Crispr-Cas9, desenvolvida há sete anos.
Ela
escaneia o DNA em busca do lugar certo para cortá-lo e permitir sua edição, ou
seja, que um gene seja deletado ou inserido. O problema é que as edições nem
sempre são perfeitas e os cortes no DNA podem ser feitos no lugar errado.
Isso
limita o uso dessa tecnologia na medicina.
O avanço
trazido pelo "prime editing" é justamente a precisão.
Como o 'prime
editing' funciona?
Uma
pesquisa publicada nesta semana na revista científica Nature mostra
como os cientistas usaram o método para inserir ou deletar seções de DNA. O
"prime editing" também é capaz de corrigir seções menores, como uma
única "letra" das três bilhões que formam o código genético humano.
"Você
pode imaginar os 'prime editors' como processadores de palavras, capazes de
procurar por um alvo entre as sequências de DNA e substituí-lo com
precisão", afirma o bioquímico David Liu, um dos pesquisadores.
"Os
'prime editors' oferecem mais flexibilidade para encontrar um alvo e maior
precisão na edição."
O método
pode ser ilustrado comparando-o com a edição de texto no computador: é algo
como pressionar Ctrl-F para encontrar uma parte do texto que você quer mudar e
depois pressionar Crtl-V para colar o texto novo que você quer inserir.
A
tecnologia usa uma sequência de código genético feita em laboratório. Essa
sequência tem duas funções: uma, é encontrar a parte do DNA que você quer
editar, e a outra, é introduzir as mudanças que você quer fazer.
Essa
sequência é combinada com uma enzima chamada transcriptase reversam, que
"copia" as edições para o DNA.
Como o método pode
curar doenças?
O DNA tem
quatro componentes básicos, as bases nitrogenadas: adenina, citosina, guanina e
tiamina. Elas são conhecidas por suas letras A, C, G e T.
Três
bilhões dessas letras formam o nosso DNA, ou seja, o "manual
completo" para desenvolvimento e funcionamento do corpo. Mas erros
minúsculos causam doenças e transtornos.
A forma
mais comum de anemia falciforme (doença hereditária causada pela alteração
anatômica dos glóbulos vermelhos), por exemplo, é causada por uma mutação que
torna um A específico em um T.
A doença de
Tay-Sachs, que afeta os nervos e é fatal, com frequência é causada por uma
mutação que adiciona quatro letras extras de código no DNA.
O
"prime editing" foi usado com sucesso para corrigir esses dois erros
genéticos em experimentos feitos em células humanas no laboratório.
Existem
cerca de 75 mil mutações que causam doenças nos seres humanos. David Liu estima
que o "prime editing" tem o potencial para corrigir 89% delas.
Os outros
11% incluem situações em que a pessoa tem cópias demasiadas de um gene (uma
seção de DNA responsável por uma instrução específica) ou quando um gene
inteiro está faltando.
"O
'prime editing' é o começo, em vez do fim da longa aspiração das ciências que
lidam com vida molecular por serem capazes de fazer qualquer mudança no DNA em
qualquer posição em uma célula viva ou um organismo, incluindo, em potencial,
pacientes humanos com doenças genéticas", diz Liu.
Quanto tempo até a
tecnologia estar disponível?
O grande
desafio agora é conseguir viabilizar que o maquinário molecular capaz de fazer
essas edições possa acessar corretamente as partes certas do corpo humano de
forma segura.
É provável
que as primeiras aplicações sejam feitas em doenças em que seja possível
retirar células do corpo, editá-las, garantir que elas são seguras, e
colocá-las de volta.
Isso é
aplicável no tratamento de doenças do sangue, como anemia falciforme e as
talassemias, em que a medula óssea pode ser removida e colocada de volta.
"Nós
somos capazes de 'corrigir' mutações humanas associadas com doenças, mas a
habilidade de fazer isso no tipo certo de célula e de uma forma que seja
aplicável em um tratamento clínico vai demorar algum tempo", diz a bióloga
molecular Hilary Sheppard, da Universidade de Auckland.
Qual foi a
repercussão dessa pesquisa?
O
professor Robin Lovell-Badge, do instituto Francis Crick, em Londres, elogiou o
estudo.
"Como
a vasta maioria das doenças genéticas humanas são resultado de tipos de mutação
que podem ser corrigidos pelo 'prime editing', o método deve ser útil em
terapias para esses tipos de doenças."
"Claro
que será necessário muito mais trabalho para otimizar o método e encontrar
formas de entregar os componentes eficientemente antes de que eles possam ser
usados para tratar pacientes. Mas com certeza tem muito potencial."
A
geneticista Helen O'Neill, da University College London, diz que os resultados
são impressionantes.
"A
pesquisa foi feita in vitro em células humanas com exemplos de 175
edições, incluindo algumas das doenças mais difíceis de tratar."
(Fonte: BBC)
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