As manchas de óleo no litoral do Nordeste mobilizaram vários órgãos
federais, estaduais e municipais, além de milhares de voluntários.
O incidente já afetou 225 praias em 80 municípios desde o fim de
agosto. Neste fim de semana, as manchas voltaram a aparecer em seis praias do
Rio Grande do Norte que já haviam sido afetadas pelo vazamento (Tabatinga,
Búzios e Camurupim, em Nísia Floresta; Praia do Giz e Praia do Amor, em Tibau
do Sul; e Pirangi do Norte, em Parnamirim).
A dimensão do acidente
e as dúvidas quanto à sua autoria têm alimentado embates entre autoridades e
motivado críticas de comunidades impactadas e ambientalistas, que questionam a
eficácia da resposta governamental ao desastre.
Qual é, no entanto, a
atribuição de cada órgão em um incidente como esse? Quem é responsável por
limpar as praias, investigar o vazamento e denunciar os responsáveis?
A legislação brasileira define as atribuições de cada órgão na
resposta a acidentes ambientais. Em vários casos, há responsabilidades
sobrepostas, quando mais de um órgão é incumbido de determinada função.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam, porém, que a
responsabilidade primordial em acidentes de grande magnitude em praias e mares
é da União, e não de Estados e municípios.
Em seu artigo 20, a Constituição cita entre os bens da União as
"praias marítimas" e "os terrenos de marinha e seus
acrescidos". "Terrenos de marinha e acrescidos" são as áreas
localizadas numa faixa de 33 metros contados a partir do mar em direção ao
continente, assim como as margens de rios e lagoas que sofrem a influência de
marés.
Para Monique Cheker,
procuradora do Ministério Público Federal (MPF) em Angra dos Reis (RJ) com
experiência em questões ambientais, em incidentes menores em praias, como no
caso de um comércio que jogue lixo comum na areia, não é necessário acionar os
órgãos da União.
Nessas situações, diz
ela, as secretarias estaduais ou municipais de Meio Ambiente podem dar conta da
questão, multando o comerciante e providenciando a limpeza.
Mas a procuradora
afirma que em casos de grande dimensão, como o do óleo no Nordeste, o
"papel de órgãos estaduais e municipais é secundário". "Quando
há essa amplitude de dano, é flagrante a responsabilidade do governo federal,
principalmente o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama (Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis)", afirma.
Cheker diz que órgãos
federais têm a primazia nas ações de limpeza e investigação. Ela afirma que
órgãos estaduais e municipais — entre os quais as defesas civis e as
secretarias de Meio Ambiente — podem e devem se envolver nessas ações, mas
sempre sob a coordenação federal.
O advogado André Lima, ex-secretário do Meio Ambiente do Distrito
Federal, diz que cabe principalmente ao Ministério do Meio Ambiente organizar a
resposta governamental ao desastre.
"Onde todo mundo tem alguma responsabilidade, se você não tem a
coordenação de esforços, rola bateção de cabeça ou lacunas de ação",
afirma Lima.
Ele diz que a divisão
de tarefas em casos de vazamento de petróleo está definida no Plano Nacional de
Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), criado em 2013.
O plano aponta o
Ministério do Meio Ambiente (MMA) como responsável pela coordenação das
atividades e cita quatro instâncias, integradas por órgãos federais, incumbidas
de agir nesses casos. Há críticas, porém, à execução do plano.
Duas das instâncias
citadas no documento foram extintas pelo governo Jair Bolsonaro em abril junto
de vários outros órgãos.
Uma delas é o Comitê
Executivo, "responsável pela proposição das diretrizes para implementação
do plano" e composto pelo MMA, Ministério de Minas e Energia, Marinha,
Ibama, Agência Nacional do Petróleo, Ministério da Integração Nacional (hoje
absorvido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional) e Ministério dos
Transportes.
O outro órgão extinto
foi o Comitê de Suporte, composto por vários outros órgãos federais incumbidos
de auxiliar na resposta ao acidente.
Para André Lima, a
extinção dos comitês tem dificultado a implantação do plano. "O governo
desestruturou todo o arranjo de governança, comprometendo a coordenação de
ações entre diferentes ministérios", afirma o advogado.
Já o governo diz que
tem agido conforme o plano. Em 17/10, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, disse
no Senado que o órgão trabalha em conjunto com a Marinha e a ANP desde setembro
e que a Marinha foi encarregada de liderar as ações.
Veja a seguir os
principais papéis que a legislação brasileira atribui aos órgãos públicos
envolvidos em um incidente como o que afeta as praias do Nordeste.
Ministério do Meio Ambiente (MMA) - Hoje chefiado por
Ricardo Salles (Partido Novo) e subordinado à Presidência da República, é
considerado pelos especialistas o órgão com mais atribuições na resposta a
incidentes graves.
Ele é responsável pela
coordenação do Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por
Óleo (PNC) e exerce autoridade sobre duas agências federais envolvidas nas
ações, o Ibama e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade).
Segundo a procuradora
Monique Cheker, o ministro do Meio Ambiente pode sofrer uma ação de improbidade
administrativa caso descumpra suas atribuições na resposta ao incidente. Isso
poderia ocorrer num cenário em que, por exemplo, ele se recuse a tomar
providências ou demore para fazê-lo mesmo sabendo da gravidade de uma
ocorrência
Ibama - Autarquia subordinada
ao MMA, é responsável por agir em casos que envolvem danos ambientais
relevantes em áreas da União.
Segundo Monique Cheker,
é o Ibama quem deveria fornecer os equipamentos de segurança necessários para
remover o petróleo das praias e orientar voluntários nas atividades, por ter
servidores técnicos habilitados a desempenhar a função.
Outra atribuição do
órgão é conduzir um processo administrativo contra os responsáveis pelo
incidente, multando-os e exigindo a reparação dos danos.
Esse processo independe
de ações sobre o mesmo caso que possam tramitar na Justiça.
À direita, ministro do Meio Ambinte, Ricardo Salles, em reunião sobre o vazamento de óleo no Nordeste; órgão deveria liderar resposta do governo ao incidente, segundo especialistas
ICMBio - Administra as unidades de conservação federais. Quando há dano ambiental
nessas áreas, o ICMbio deve agir em parceria com o Ibama na reparação do
problema. Isso envolveria, por exemplo, a participação de agentes do ICMBio nos
mutirões de limpeza nas praias.
Várias unidades de
conservação foram afetadas pelo vazamento de óleo no Nordeste, entre as quais a
Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, que ocupa trechos do litoral de
Pernambuco e Alagoas.
Polícia Federal (PF) - É o único órgão federal
que investiga crimes, inclusive os ambientais (já que o Ibama atua apenas na esfera
administrativa). Portanto, a PF tem papel central na responsabilização dos
culpados pelo vazamento.
Cabe a ela instaurar um
inquérito policial e apurar as circunstâncias do desastre, colhendo provas e
depoimentos. O inquérito deve ser compartilhado com o Ministério Público
Federal (MPF).
Ministério Público Federal (MPF) - Com base nas
informações levantadas pela Polícia Federal, o MPF avalia se oferece uma
denúncia à Justiça ou se arquiva o caso. Essa ação pode tramitar na esfera
criminal e buscar a punição dos responsáveis, com pena de multa ou até prisão.
Mesmo empresas e pessoas estrangeiras podem ser investigadas e denunciadas,
ainda que muitas vezes escapem de cumprir as penas quando condenadas.
O MPF também atua na
esfera cível. O órgão pode conduzir uma Ação Civil Pública para cobrar
providências das autoridades responsáveis por sanar um dano ambiental, por
exemplo. Essas ações costumam ter efeitos mais rápidos e atendem a interesses
difusos, que envolvem grupos maiores de vítimas.
Outro desdobramento
possível é uma ação de improbidade administrativa, caso o MPF avalie que alguma
autoridade descumpriu suas atribuições na resposta a um incidente. Condenados
por improbidade administrativa têm seus direitos políticos suspensos e ficam
impossibilitados de se candidatar a cargos eletivos.
Marinha - Segundo a lei 9.966
(28/4/200), o órgão é responsável por:
- fiscalizar navios,
plataformas e suas instalações de apoio, e as cargas embarcadas, de natureza
nociva ou perigosa, autuando os infratores na esfera de sua competência;
- levantar dados e
informações e apurar responsabilidades sobre os incidentes com navios,
plataformas e suas instalações de apoio que tenham provocado danos ambientais;
- encaminhar os dados,
informações e resultados de apuração de responsabilidades ao órgão federal de
meio ambiente, para avaliação dos danos ambientais e início das medidas
judiciais cabíveis;
- comunicar ao órgão
regulador da indústria do petróleo irregularidades encontradas durante a
fiscalização de navios, plataformas e suas instalações de apoio, quando
atinentes à indústria do petróleo.
Como a Marinha é o
órgão da União mais equipado para atuar nos mares, ela acaba assumindo outras
funções. No caso do óleo no Nordeste, ela tem coordenado, por exemplo, o Plano
Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) - função
que, segundo os especialistas entrevistados, deveria estar nas mãos do
Ministério do Meio Ambiente.
Agência Nacional de Petróleo (ANP) - Responsável por
fiscalizar e regulamentar a extração petrolífera em território nacional, deve
coordenar as demais agências governamentais nos casos de incidentes de poluição
por óleo que ocorram a partir de estruturas submarinas de perfuração e produção
de petróleo.
Por ora, porém, as
investigações indicam que o óleo não é proveniente do Brasil e provavelmente
chegou às águas do país após ser descartado por um navio.
Outros órgãos envolvidos - As defesas civis
estaduais e municipais, bem como as secretarias estaduais e municipais do Meio
Ambiente, devem colaborar com os órgãos federais na limpeza das praias e no
atendimento a comunidades impactadas.
Outros órgãos têm
participado dos esforços de limpeza e investigação, embora não tenham
responsabilidade direta.
É o caso da Petrobrás,
que mobilizou empregados e agentes ambientais na limpeza das praias, além de
analisar o óleo para identificar sua origem.
O Exército também
enviou soldados para ajudar na limpeza das praias.
(Fonte: BBC)
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