
"O
Brasil vai ter que explicar o que fez o ministro da Justiça renunciar acusando
o presidente de interferência no trabalho da polícia", afirmou Drago Kos,
chefe do grupo de trabalho anticorrupção da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
Em entrevista à BBC News Brasil por telefone, ele qualificou como
"extremamente preocupante" a demissão de Sergio Moro, ex-juiz da
Operação Lava Jato. Moro pediu demissão durante um pronunciamento na manhã
desta sexta, dia 24, em que acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar interferir
politicamente no trabalho da Polícia Federal.
De acordo com Moro, Bolsonaro queria pessoas com quem tivesse
relação pessoal em cargos de comando na corporação e esperava receber
informação de investigações em andamento. Em um pronunciamento no fim da tarde
dessa sexta, Bolsonaro negou que tenha tentado influenciar o trabalho da
Polícia Federal.
"Sergio Moro é um símbolo no combate à
corrupção, ele é um lutador, conhecido por fazer um trabalho em situações
adversas. Isso quer dizer que deve ter havido uma razão muito forte, muito
ruim, para que ele tenha chegado à conclusão de que não tinha mais condições de
continuar no governo", afirmou Kos, que comanda a área de combate à
corrupção no órgão desde 2014, mesmo ano em que a Operação Lava Jato teve
início no Brasil. Ele é também membro do Conselho Consultivo Internacional
Anticorrupção (IACAB).
Kos opina que, apesar de eventuais excessos que possam ter sido
cometidos durante o processo de investigação e julgamento da Lava Jato, nenhum
deles anula a qualidade do trabalho desenvolvido por procuradores e juízes que
desbarataram um grande escândalo de corrupção envolvendo partidos políticos,
empreiteiras e a Petrobras.
"O trabalho de Moro iniciou uma
bola de neve que se tornou tão grande, e ele provou que é possível investigar e
punir corrupção mesmo em situações muito difíceis, como as que temos na América
Latina", diz o dirigente da OCDE.
'Condutas criminosas do presidente'
Desde o início do governo Jair
Bolsonaro, o Brasil passou a ter como um de seus principais objetivos na
política internacional a obtenção de um assento na OCDE. Para tanto, negociou
até mesmo o endosso dessa candidatura junto aos Estados Unidos, fazendo uma
série de concessões ao governo Trump para obtê-la. O apoio americano ao Brasil
veio em janeiro.
Mas, para ser aceito no grupo dos
países desenvolvidos, o país precisa comunicar seus avanços em temas como
saúde, educação e combate à corrupção. Por isso, o Brasil tem mandado
relatórios periódicos sobre avanços e retrocessos nessa área. Kos e sua equipe
também estiveram no Brasil em novembro, para checar in loco a situação.
"Ministros vão e vem, isso não é um problema para nós. Mas
quando o ministro da Justiça faz acusações de interferência grave em seu
trabalho de combate à corrupção, isso é sério e isso nos interessa. O Brasil
vai ter que explicar o que está acontecendo", afirma Kos, cuja próxima reunião
com representantes brasileiros acontecerá em junho, remotamente, por causa da
epidemia de Covid-19.
Segundo ele, as afirmações de Moro não podem cair no vazio e devem
ser investigadas. Pela Constituição Brasileira, o presidente só pode ser
investigado com autorização do Supremo Tribunal Federal. Caso a investigação,
conduzida pela Procuradoria Geral da República, se torne uma denúncia, o
Congresso terá que aceitá-la para se inicie um processo de impeachment. O
procurador geral da República, Augusto Aras, já pediu autorização ao STF para
investigar Bolsonaro.
"Eu espero que, quando o Ministro da Justiça renuncia
acusando o presidente de condutas tão graves, haja alguém no Brasil que vai
investigar as acusações do juiz Moro. E se forem todas verdadeiras, o presidente
deve responder por condutas criminosas".
Para Kos, a saída de Moro pode piorar a situação de instabilidade
política no Brasil não apenas na questão do combate à corrupção. Ele qualificou
de "hesitante" as medidas do governo federal na luta contra a epidemia
de coronavírus. O país já possui mais de 50 mil casos da doença, com mais de 3
mil mortes e, na semana passada, Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta.
"Acredito que isso trará consequências muito ruins para o
Brasil em geral, e espero que não fragilize ainda mais o país em meio a essa
pandemia. Espero que a situação não fique pior do que já está. Estou muito
preocupado".
(BBC)
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