
Desemprego
em nível recorde, diminuição da capacidade produtiva da economia devido ao
fechamento de empresas e piora das contas públicas devem compor o quadro da
economia brasileira após a crise do coronavírus. A intensidade dessa piora do
cenário econômico vai depender da efetividade das medidas emergenciais que têm
sido adotadas pelo governo.
Quanto a essas duas afirmações, parece haver consenso entre
economistas brasileiros de diferentes vertentes. Mas o que fazer para retomar a
atividade econômica passada a fase mais aguda da crise, quando a circulação de
pessoas puder ser reestabelecida nas cidades? Aí surgem as divergências.
"Na saída da crise, há quem ache que o governo não vai
precisar fazer muito mais coisa, que o mercado vai se recuperar sozinho", diz
Nelson Barbosa, professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas (EESP-FGV). "Isso é um erro, porque teremos famílias e
empresas com renda menor, mais dívida e maior incerteza. Então é muito difícil
que o setor privado se recupere por conta própria", afirma Barbosa, que
foi Ministro da Fazenda (2016) e do Planejamento (2015) durante o governo Dilma
Rousseff (PT).
"Há uma clara necessidade de se
gastar de forma temporária em questões de saúde, sociais e em alguns casos
empresariais. Mas está claro que não há espaço para outras aventuras, outros
gastos, posto que o Brasil ainda não conseguiu recuperar sua saúde fiscal, que
se perdeu ali pelos idos de 2014, 2015", considera por sua vez Arminio
Fraga, sócio da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central durante o
governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
A BBC News Brasil ouviu cinco
economistas brasileiros, entre homens e mulheres, liberais e heterodoxos, em
busca de propostas para recuperar a atividade econômica do país depois da crise
do coronavírus. Confira abaixo as sugestões de Solange Srour, Samuel Pessôa,
Armínio Fraga, Nelson Barbosa e Laura Carvalho.
Retomar a agenda de reformas
Voltar à agenda de reformas anterior à
crise do coronavírus é a solução para que o país encontre o crescimento
sustentável, mesmo em uma situação econômica pior, com desemprego mais elevado,
recessão econômica e perda do poder de compra da população, avalia Solange
Srour, da ARX Investimentos.
"Esse é o único caminho para
voltarmos a crescer: insistir na agenda de consolidação fiscal e de
produtividade", diz Srour, citando como prioritárias medidas como a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial — que permite, entre outras
ações, congelar salários do funcionalismo público — e as reformas
administrativa e tributária. "Não podemos cair no mesmo erro que cometemos
no pós-crise de 2008, quando continuamos expandindo o fiscal, desestruturando a
economia."
Segundo a analista, garantir que o aumento
de gastos do governo em resposta à crise seja temporário será fundamental para
recuperar a confiança dos empresários no momento de retomada da atividade.
"Para crescermos de verdade serão necessários investimentos e para isso,
precisa de confiança", diz Srour.
Assim, ela refuta a ideia de que cortar gastos públicos no
pós-crise possa aprofundar ainda mais a recessão esperada. "É a falta de
confiança que pode impedir a retomada."
Possível mudança no teto de gastos
Samuel
Pessôa, do Ibre-FGV, também aposta na retomada da agenda de reformas para o
país voltar a crescer, passado o pior momento da emergência de saúde pública do
coronavírus. Mas ele acredita que, se o Congresso conseguir aprovar a PEC
Emergencial, reduzindo o gasto obrigatório do Estado, é possível pensar em uma
mudança na regra do teto de gastos para abrir espaço ao investimento público,
dando fôlego adicional à atividade econômica após o isolamento.
"Gasto obrigatório não pode
crescer mais do que o PIB, isso é um disparate e uma urgência a ser
atacada", diz Pessôa. "Atacando isso, dá para pensarmos na proposta
do Fabio Giambiagi de mexer no teto de gastos para liberar algum recurso para
investimentos", afirma.
Ao fim de 2019, Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco, economistas do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), apresentaram uma
proposta de flexibilização do atual teto, incluindo um tratamento diferenciado
para os gastos de investimento. O investimento público — somando as três
esferas de governo e as empresas estatais — chegou a 2,26% do PIB em 2019,
quase a metade dos 4,06% de 2013, último ano antes da crise anterior, segundo
levantamento do economista Manoel Pires, do Observatório de Política Fiscal da
FGV.
Armínio Fraga defende intervenções estratégicas em setores muito atingidos, como restaurantes, serviços pessoais, hotéis e companhias aéreas; acima, restaurante popular dando refeições em Salvador
Intervenções
pontuais em setores estratégicos
Um dos expoentes do pensamento liberal
brasileiro, Arminio Fraga avalia que, na saída da crise do coronavírus, podem
ser necessárias intervenções estratégicas do governo em alguns setores mais
atingidos pela paralisação da atividade. Fraga, que vinha, mais recentemente,
se dedicando ao debate sobre o combate à desigualdade, também avalia que um
modelo mais abrangente de proteção social, que inclua os trabalhadores
informais, deve entrar na ordem do dia.
"Alguns setores já são muito
claros: restaurantes, serviços pessoais, hotéis, companhias aéreas e
outros", enumera Arminio. "Isso é bem diferente da política de
'campeões nacionais'", ressalva, fazendo referência à política conduzida
pelo BNDES durante os governos petistas de empréstimos subsidiados e compra de
participações acionárias de grandes empresas brasileiras. "A sociedade tem
que se perguntar se alguns setores, que foram destroçados pelo vírus, merecem
algum apoio, se isso faz sentido do ponto de vista social e econômico."
Com a aprovação do auxílio emergencial de R$ 600 para
trabalhadores informais que perderem renda devido às medidas de isolamento
social, alguns economistas têm defendido que a política de renda básica se torne
permanente. Arminio diz ter dúvidas quanto a um benefício universal, devido ao
custo elevado, mas vê com bons olhos a discussão de ampliação do sistema
público de proteção social.
"É um tema importantíssimo, é fundamental que se chegue aos
informais. As regras — como fazer, o que cada um tem direito, quem contribui ou
não — têm que ser avaliadas. Mas tenho certeza que esse é um tema que vai
entrar em pauta. Se é que já não está", afirma.
Frentes de trabalho e retomada do
investimento público
Uma
frente de trabalho de saúde pública e a retomada de obras paradas estão entre
as propostas do economista Nelson Barbosa para recuperação da atividade após o
fim do isolamento social imposto pela nova doença. Para Barbosa, um programa de
"seguro-renda" — como o seguro-desemprego atual, mas voltado a todos
os trabalhadores, incluindo informais — é uma opção para a ampliação da
proteção social na nova conjuntura.
"É preciso que o governo adote um
plano de reconstrução. Medidas temporárias, sim, mas que provavelmente vão
durar mais de um ano", afirma. "Por exemplo, diversos países estão
pensando em adotar uma força de trabalho emergencial para monitoramento e
combate à covid-19 depois da pior fase", diz.
Barbosa acredita que é possível criar
espaço nas contas públicas para a retomada do investimento em obras paradas.
"Essa crise mostrou que, quando há um risco, o espaço fiscal é
gerado", afirma. "O governo vai emitir dívida e, quando chegar a hora
de pagar, espera-se que a economia já tenha se recuperado, com um PIB e uma
arrecadação maior, com a qual vai se pagar parte dessa obrigação", diz,
citando ainda a expectativa de continuidade da queda dos juros, que deve
reduzir o custo do endividamento.
Medidas redistributivas e renda básica
permanente
Para
Laura Carvalho, a recuperação da economia após o fim do isolamento deve exigir
um "novo Plano Marshall" — referência ao plano de recuperação dos
países europeus após a Segunda Guerra Mundial. A economista, que ajudou a
formular o programa econômico da campanha de Guilherme Boulos (PSOL) à
presidência em 2018, avalia que o investimento público deve ser usado neste
segundo momento de combate à crise como forma de suprir carências históricas,
como na saúde e no saneamento básico.
"Isso exigiria a revisão do teto
de gastos e uma mudança na orientação da política econômica, que até aqui tem
sido voltada para o Estado mínimo", diz Laura. Segundo ela, a aposta de
alguns economistas na retomada da agenda anterior de corte gastos pode piorar a
recuperação, levando a uma retomada em "L", quando o nível do produto
não volta ao patamar anterior à crise.
Conforme a economista, esses investimentos deveriam ser
financiados através de um aumento da arrecadação. "Defendo alíquotas
superiores de tributação para os mais ricos, que vão sofrer muito menos o
impacto dessa crise, com o fim da desoneração de dividendos e de desonerações
para setores pouco afetados", exemplifica, citando ainda a tributação de
grandes fortunas e aumento do imposto de renda para os mais endinheirados.
Carvalho defende também que a renda básica emergencial se torne
permanente. "Temos no Brasil uma informalidade recorde e essa crise tende
a agravar isso. Então temos que pensar na possibilidade de uma rede de proteção
social maior, universal e que seja permanente."
(BBC)

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