
Meus primeiros estudos foram com a professora
Madalena. Carrasca, como se dizia à época, predominava a palmatória como
castigo. Também estudei com a professora Rosa (Rosinha) e as aulas eram na casa
do senhor Manoel Vitor. Sobressaía-se quem lesse o texto com voz mais alta, por
exemplo “bê a ba, bê é bé, bê i bi”. Também tive um professor de formação
religiosa, chamado José Odete Albuquerque. Todos de saudosa memória...
O meu ingresso ao Seminário São José, a
Betânia, começou com uma queda. Atarantado, talvez, pela emoção de estar chegando
àquele casarão tão afamado, tropecei nos batentes da calçada e fui ao chão com
todo o corpo. Alguém me ajudou a levantar e, assim, naturalmente encabulado,
transpus a porta de entrada daquela casa, imaginando que estava dando um passo
muito importante em minha vida.
Vinha
de minha pequena Poranga, antiga vila de Várzea Formosa, na Zona Norte do
Estado, no planalto ibiapabano. A denominação tem origem tupy-guarani e quer
dizer Vista Bonita. Nosso município foi emancipado de Ipueiras em 1957.
Sou
filho do fazendeiro José Rodrigues de Pinho, primeiro prefeito de Poranga, e de
Itelvina Silvina de Pinho.
Antes
de chegar à Betânia, fui aluno interno do Pré-Seminário, em 1957 e 1958. Esse
estabelecimento, que funcionava no mesmo prédio do Instituto dos Oblatos
Diocesanos, chamava-se Escola São Luiz Gonzaga e era dirigido pelo padre
Joaquim Arnóbio de Andrade. O coordenador era o padre Tupinambá Melo, filho de
Ipueiras. Quando de férias, ficava lá na
Matriz de São Gonçalo.
Naquele
fevereiro de 1959 eu era um adolescente de quinze anos, já que nasci em 1944.
Minha família fazia fé que me tornasse um piedoso seminarista e depois um
sacerdote da Santa Madre Igreja. O meu primo Gonçalo Pinho me precedera no
seminário e fora um dos incentivadores para que eu também seguisse a carreira
eclesiástica. Aliás, devo ao hoje Monsenhor Gonçalo, destacada figura do clero
sobralense, toda uma gama de apoio e aconselhamento, mercê de suas altas
qualidades morais e da condição de parente e amigo solidário, com quem sempre contei
e a quem, agora, proclamo a minha gratidão. O meu irmão Abdias também muito me
incentivou: queria ver o irmão padre.
Os
primeiros dias de seminarista foram de entrosamento e adaptação. De certo modo
não estranhei a disciplina, pois era semelhante a do Pré-Seminário. Acordar às
cinco da matina com uma oração em latim. Em seguida, descer para a rouparia e,
depois das providências de asseio, seguir em fila pelos longos corredores para
a capela do Preciosíssimo Sangue para a missa. A rotina prosseguia com o café
coletivo e as aulas da manhã, o almoço e um bom intervalo de recreio antes do
período da tarde. A tarde era dedicada aos estudos e preparação dos deveres
escolares. Havia um outro intervalo para a merenda, por volta das 15 horas e o
grande hiato da tardinha até a hora do jantar.
O
expediente era duro, o que valorizava muito as horas de recreios. Eu, que
sempre gostei de futebol, aproveitava vigorosamente os momentos de lazer,
sobretudo o do final do dia, para bater bola com meus companheiros, entre os
quais me sobressaia como atacante, quer no futebol de salão, quer no de poeira.
Fui,
sem falsa modéstia, o melhor atleta de meu tempo no seminário, artilheiro
louvado e invejado. O time da Betânia,
formado por Liberato (goleiro), Rogério, Leopoldo e Ody Mourão, se
cobriu de glórias nos campeonatos de futebol de salão. Em Sobral ninguém nos
vencia. Nem mesmo o Benfica, do saudoso Luiz Camocim, que além de futebolista
tinha na cidade uma loja de calçados, onde comprei um dos meus primeiros
sapatos de luxo (Vulcabras) pela quantia de 50 mil réis. No futebol de campo
também se destacavam o Cícero Matos (goleiro), filho de Nova Russas, o Narcélio
Gomes, o Catunda, o Vitorino, o Zé Alcy, o Zé Welington Ximenes, o Chico
Welington, o Jocélio, o Flávio Machado, o Luciano Lobo e muitos outros.
Estávamos no vigor da adolescência e o futebol era uma das vias de
extravasamento de energia e emoções.
Fora e dentro do esporte fiz muitos amigos nos
três anos de permanência na Betânia. Tenho o maior prazer de encontrá-los ainda
hoje nas circunstâncias da vida e nos encontros de confraternização organizados
pelo dedicado Aguiar Moura, na época, meu fã incondicional. Amigos como o
Cristóvão, o Flávio Machado, o Vicente Cristino, o Abdias Fernandes, o Olavo, o
Jocélio, o Luciano Lobo, o Liberato, o Rogério, o Flamarion Rodrigues, o
Arimateia Mourão (Guexe), o Fernando da Dona Ieda, o Eduardo e o João Aguiar
(meu irmão camarada)...
Durante
o campeonato interno do Seminário houve uma parada de jogo, porque Aguiar Moura,
torcendo por mim, e Vicente Cristino, torcendo pelo Ody, começaram a brigar
agarrados dentro da quadra, e precisou apelar para a “turma deixa disso” para
apartar a briga.
O
tempo, que enruga a felicidade e pulveriza as verdes alegrias da juventude, de
vez em quando, nos traz as tristes notícias da morte. Quantos dos nossos
colegas, lépidos e felizes meninos com quem repartimos aqueles tempos de
internato, já ficaram pela estrada e transcenderam desta vida! Onde estão meus
amigos François Martins (com aquela gargalhada estrepitosa), Ody Mourão (com
sua arte magnífica de cortar dois, três e executar golaços), Antônio Machado, o
Xânspsis, (com suas histórias de Crateús), José Alcy (sempre muito educado,
querendo dar conselhos) e tantos outros
que foram chamados talvez antes do tempo.
Lembro
de meus professores, competentes mestres, que a gente só reconhece inteiramente
muitos anos depois. Muitos também já se foram, como o Padre Lira, professor de
História, sempre dizendo que “a gente só é feliz quando faz os outros felizes!”
O santo Padre Edson, professor de Geografia, zelador cuidadoso da moral. O
padre Albany, tipo espontâneo e brincalhão, que era, acho, diretor espiritual.
Padre Moésia, o monsieur, professor de francês, com aquela calma de índio Tremembé.
O padre Tupinambá, que também gostava muito de futebol e, muitas vezes, apitou
as partidas. Todos partiram. Partiu também o vigário de Poranga da época em que
eu era seminarista, Pe. Luís Santos do Amarante Lima. A ele tinha que me
apresentar quando chegava de férias e
pedir a sua autorização sempre que
eu precisasse me ausentar do município.
O Pe. Luís desempenhou papel importante nas origens da nossa paróquia, que está
completando 60 anos.
Graças
a Deus muitos ainda estão entre nós. Como o padre Edmilson, hoje bispo Dom
Edimilson Cruz, cidadão muito conceituado por suas atitudes políticas e
expressão da verdade. O padre José Linhares, que foi nosso reitor, hoje
deputado federal, reeleito tantas vezes. Também tínhamos o padre Astregésilo,
que era o reitor. Padre Reitor nomeado Bispo de Afogado de Ingazeira (PE), Dom
Francisco, homem de decisão firme, quando dizia uma coisa era categórico, ele
sempre dizia: “O Diabo pode deixar de ser Diabo, mas eu não deixo de ser
homem”. O padre Luizito, uma das maiores inteligências que conheci, professor
aposentado da Universidade da Paraíba. E o grande mestre de Português, o padre
Osvaldo Chaves (Salvete Pueri), o homem mais temido do seminário pelo rigor com
que ministrava e cobrava a lições do vernáculo. Um gênio, já naquele tempo
reconhecido e que hoje é uma personalidade destacada na história sobralense,
alvo constante de homenagens. Hoje entendemos porque era severo e exigente
conosco. Achava que devíamos conhecer bem a língua pátria, instrumento
fundamental em qualquer profissão que fôssemos exercer.
Quando
havia feriado era uma graça. No meu caso, a oportunidade de jogar e brilhar no
campo. Naquela idade o aplauso faz bem ao ego. Quantas vezes fui dormir feliz
depois de receber as manifestações de admiração pelo meu desempenho no jogo.
Uma vez o time do Ceará visitou o seminário e jogamos salão com alguns
elementos do escrete alvinegro. O Benício, um ídolo do time, elogiou meu jeito
de jogar e chegou a dizer que eu tinha futuro no futebol profissional. Fiquei
nas nuvens.
Um
dia, entendi que não tinha vocação para o sacerdócio. Não era a minha praia.
Comecei a sentir os apelos da carne e comecei a namorar nas férias. Voltei
“chumbado” e, no fim do ano, bati em retirada.
Fiz
vestibular e ingressei na Faculdade de Agronomia. Formado, voltei para a minha
terra e, por contingências familiares e necessidade de participar, tornei-me
político. Meu pai fora um dos fundadores do município. Meu irmão, Antônio
Eufrasino Neto, era deputado estadual. Por quatro vezes governei Poranga,
procurando dar à minha terra condições de desenvolvimento. Dentro de meus
limites humanos pugnei pelo melhor para o meu povo. Aproveito para homenagear a
professora Maria Marinho, que, como eu, foi também estudar em Sobral e o fez
com muitas dificuldades, pois pertencia a uma família humilde. Estudou no
Colégio Sant'Ana. Formada, veio a ser
competente e renomada professora em Poranga. Hoje, aposentada, recebe a
gratidão de todos que se beneficiaram do seu abnegado magistério.
A
atividade pública, como tudo na vida, traz alegrias e decepções. Gostei de ser
prefeito de minha terra. É um sonho de todo munícipe ser prefeito da sua cidade
e, além de tudo, um exercício de cidadania. Lamento ter sofrido uma traição,
vinda de quem menos esperava. Terminei minha carreira política apunhalado pelas
costas. Coisas da vida...
Tive
tragédias maiores. A maior delas, ter perdido meu irmão, Eufrasino Neto, num
acidente automobilístico quando estava no esplendor da vida, ainda cheio de
perspectivas. Paciência...
Hoje, no
patamar dos 70 anos, casado com Maria Cameli de Almeida Pinho(agrônoma -
EMATERCE), o amor de minha vida, e pai de Arabelli, Moema, Igor e Thargus, avô
coruja e ainda sonhador de vastos horizontes, relembro com saudade o velho
seminário da Betânia, confessando sinceramente: VIVI ALI UM DOS MAIS VENTUROSOS
MOMENTOS DE MINHA VIDA!
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