Grande defensor do controle de gastos públicos, o secretário de Fazenda e
Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, não tem dúvida de que é hora do
governo federal aumentar fortemente suas despesas para conter o impacto do
coronavírus sobre a saúde e a economia.
Em entrevista à BBC
News Brasil, ele diz que isso deve ser feito inclusive com a impressão de
dinheiro pelo Banco Central (BC) e com a captação de recursos pelo Tesouro
Nacional por meio da emissão de dívida.
Na visão de
Meirelles, a retração da economia agora será tão brutal que não existe risco de
inflação caso a autoridade monetária emita moeda, por exemplo, para o pagamento
do auxílio emergencial de R$ 600 concedido a brasileiros de baixa renda por ao
menos três meses.
"O Banco
Central tem grande espaço de expandir a base monetária, ou seja, imprimir
dinheiro, na linguagem mais popular, e, com isso, recompor a economia. Não há
risco nenhum de inflação nessa situação", disse.
Presidente do BC
durante a crise financeira internacional de 2008, no governo Lula, Meirelles
diz que turbulência atual é mais imprevisível por depender da duração da
pandemia. Ele, que há duas semanas, acreditava em uma retração do PIB
brasileiro de 3% em 2020, agora já espera queda de mais de 5%.
Embora apoie a
emissão de moeda e o aumento de dívida, Meirelles não abraça a proposta de
vender parte das volumosas reservas internacionais que o Brasil começou a
acumular justamente quando ele presidia o BC, pois considera que elas são um
importante seguro para o país.
A venda é defendida
por alguns economistas porque a reversão das operações para compra das reservas
em dólar reduziria o endividamento público, compensado o aumento da dívida para
custear o pacote anticrise.
Meirelles, porém,
diz que é melhor deixar o endividamento subir, mesmo que possa sair do atual
patamar de 76% do PIB para próximo de 90%.
"Olha, dos
males o menor. Qual é a alternativa (ao aumento de dívida)? A alternativa é um
colapso econômico", alerta.
"É uma despesa
que tem começo, meio e fim", diz ainda, em referência aos gastos
emergenciais contra a atual crise. "Acabou a pandemia, acabou isso, nós
voltamos à normalidade, pode voltar à austeridade fiscal", ressaltou.
Mas, apesar da
forte defesa das despesas nesse momento, o secretário não vê condições de o
Brasil fazer gastos da mesma dimensão que a Alemanha, que já anunciou mais de
30% do PIB em medidas contra os impactos do coronavírus.
Como ministro da
Fazenda do governo Temer, Meirelles liderou a adoção de um teto de gastos no
país. À BBC News Brasil ele refuta que o mecanismos tenha limitado os gastos
com Saúde, deixando o país mais vulnerável para enfrentar o coronavírus.
Confira a seguir a entrevista.
Os restaurantes estão na lista de empresas que sofrer mais com a crise
BBC News Brasil - O
senhor disse em 25 de março que o PIB brasileiro iria recuar 3% neste ano por
causa da pandemia do coronavírus. O banco Itaú divulgou na segunda-feira
que prevê queda de até 6,4%. A economista Monica de Bolle fala em retração
entre 5% e 9%. O senhor acredita que a contração da economia será ainda pior do
que previa antes?
Henrique Meirelles
- Sim. Pela
evolução da pandemia no Brasil, não há dúvida que pode aumentar esse número (de
queda do PIB) pelo próprio aumento da duração da crise. Por exemplo, quando se
vê, na primeira página de um jornal, uma fotografia de pessoas caminhando no
calçadão (da praia) do Leblon (na zona sul do Rio de Janeiro), não há dúvida de
que não está havendo aí uma disciplina necessária (de isolamento social).
Por razões
diversas, seja por opiniões do presidente (Jair Bolsonaro), seja a própria
falta de disponibilidade das pessoas, seja a preocupação de ordem objetiva de
não receber (rapidamente) a ajuda do governo federal dos R$ 600 e as pessoas
ficarem preocupadas com a sobrevivência e ir para a rua (trabalhar) para ganhar
alguma coisa, trabalho informal, etc. Em resumo, por razões diversas, o fato
resultante é que possivelmente teremos uma extensão maior de tempo (da
pandemia) e em consequência a queda deve ser maior que o previsto inicialmente.
BBC News Brasil -
Diante do quadro extraordinário de crise gerado pela pandemia, economistas
brasileiros e estrangeiros estão defendendo que os bancos centrais imprimam
dinheiro e transfiram para indivíduos e empresas. Jim O'Neill, economista
britânico que criou o acrônimo Brics, disse, em entrevista recente ao jornal
Valor Econômico, que isso inclusive se aplica ao Brasil. É preciso radicalizar
na resposta à crise e imprimir dinheiro?
Meirelles - Não há
dúvida. Evidentemente que a expressão "imprimir dinheiro" muitas
vezes é uma expressão forte que pode preocupar as pessoas. Existem maneiras
mais técnicas de dizer isso: "expandir ou recompor a base monetária".
Não é exatamente (imprimir) dinheiro no sentido de dinheiro físico. Ele expande
a moeda porque a expansão se dá principalmente em contas correntes, das
empresas, dos bancos, é distribuído isso (por meio das contas bancárias).
Então, é na realidade uma expansão contábil.
O Banco Central
está sempre calibrando isso (a quantidade de dinheiro circulando). Quando a
atividade econômica atinge o máximo da capacidade, os preços começam a subir,
você tem inflação. Muito bem, aí houve a inflação, o Banco Central sobe a taxa
de juros, retira dinheiro de circulação. Isso aí faz com que a atividade
econômica volte por equilíbrio.
Vamos supor que
você tem uma recessão. Aí você corta a taxa de juros, você incentiva, injeta
liquidez na economia, e isso faz com que a economia se recupere. Só que agora o
que nós temos? Uma brutal recessão.
Com isso, diminui o
meio de pagamento (quantidade de dinheiro circulando), então o Banco Central
tem grande espaço de expandir a base monetária, ou seja, imprimir dinheiro, na
linguagem mais popular, e com isso recompor a economia. Não há risco nenhum de
inflação nessa situação.
BBC News Brasil -
Isso não provocaria aumento de inflação num primeiro momento porque a economia
está desaquecida, como o senhor disse. Mas num segundo momento isso poderia ter
algum implicação de aumento de endividamento? O Banco Central teria que tomar
alguma ação depois para ajustar isso?
Meirelles - Não há
aumento necessariamente de endividamento porque o Tesouro Nacional não está
tomando recursos, emitindo títulos no mercado (na operação de "impressão
de dinheiro" do Banco Central).
No momento em que o
Banco Central emite (moeda), ele está simplesmente expandindo (a base
monetária). Ele tem a capacidade de emissão sem contrair dívida. E isto é como
distribuir (esse dinheiro emitido pelo BC). Se o governo distribui, por
exemplo, através do auxílio emergencial de R$ 600 (criado para proteger
brasileiros de baixa renda durante a crise do coronavírus), não há aumento
nenhum de endividamento.
Agora,
evidentemente que, no final do processo (de medidas econômicas em reação à
crise do coronavírus), haverá um aumento da dívida pública. Independentemente
de alguma capacidade de emissão (de dinheiro) do Banco Central sem
necessariamente passar pelo Tesouro (emitindo dívida).
Por exemplo, esses
R$ 40 bilhões que foram para o BNDES (para uma linha de crédito emergencial com
juros subsidiados para empresas durante a crise), o Tesouro emitiu títulos e
isto foi para o BNDES, o BNDES repassou (em empréstimos para as empresas). Então
essa operação aumentou a dívida pública. Ou se o Tesouro fosse ao mercado e
vendesse papéis (emitisse títulos da dívida para captar recursos), aumentaria a
dívida, sim. Mas, isso tem que ser feito.
Desde o início da crise, índice Ibovespa caiu de 131 mil para 66 mil pontos
A prioridade, hoje,
é evitar a depressão. Fazer com que a economia continue a funcionar.
A prioridade, hoje,
é evitar a depressão. Fazer com que a economia continue a funcionar. Porque, se
não, será a pior solução possível: se as empresas forem destruídas, processo
massivo de (pedidos de) recuperação judicial, desmantelamento dos parques
industriais, quando acabar a crise as empresas não terem condições de retomar
as atividades, você não só terá desemprego, você não só terá recessão, não vai
ter arrecadação (de impostos pelo governo) também, porque as empresas vão
estar, muitas delas, desestruturadas.
Portanto, é
fundamental hoje manter o parque produtivo. Antes disso, (o governo deve pagar)
auxílio para as pessoas se manterem, é o passo número um. Passo número dois,
preservar as empresas para preservar o parque produtivo do país. E, a partir
daí, sim, organizar, depois, a retomada. Então é necessário expansão da dívida
do Tesouro e a expansão monetária do Banco Central.
BBC News Brasil -
Durante sua gestão como presidente do Banco Central, o Brasil iniciou um processo
de forte acúmulo de reservas internacionais. Essa operação de compra exigiu
emissão de títulos públicos pelo Tesouro, o que aumentou a dívida pública.
Agora, economistas como Braúlio Borges, da FGV, defendem que parte dessas
reservas seja vendida, reduzindo o endividamento público e abrindo espaço para
novas dívidas para financiar as ações anticrise agora. Ele estima que o Banco
Central poderia vender US$ 127 bilhões dos cerca de US$ 350 bilhões que temos
hoje em reservas internacionais, um cálculo que ele faz a partir do indicador
do FMI que mede o volume prudencial de reservas. Como o senhor vê essa
proposta?
Meirelles - Não há dúvida de
que o Brasil tem reservas mais do que suficientes. Tem hoje US$ 340 bilhões ou
um pouco mais (em reservas internacionais), já teve US$ 376 bilhões, tá ótimo.
Agora, o problema de você vender reservas é que, ao contrário do que nome pode
sugerir, que é dinheiro líquido em caixa que você tem lá e etc, isso não é
exatamente assim.
O Banco Central,
exatamente para controlar a inflação, controlar os meios de pagamento
(quantidade de dinheiro em circulação), na época que foi comprando reservas,
ele não imprimiu dinheiro para comprar reservas. O Banco Central tomou dinheiro
emprestado no mercado, as chamadas operações compromissadas (em que o BC capta
dinheiro vendendo títulos da dívida pública com compromisso de recompra no
futuro), e assim comprou as reservas (comprou dólares).
No momento em que o
Banco Central vende essas reservas (internacionais) e diminui as operações
compromissadas, significa que ele vende a reserva, retira dinheiro (os reais)
das pessoas, das empresas, ou dos bancos que compraram (os dólares) e, para
diminuir a dívida, ele faz o quê? Ele coloca novamente o dinheiro (os reais que
recebeu pela venda dos dólares) no mercado (recomprando títulos da dívida
pública).
Então, do ponto de
vista de incentivo da atividade econômica, é uma questão que não teria um
efeito direto. Por exemplo, se fosse uma coisa líquida, o Banco Central
vendesse isso (as reservas) no exterior, gerasse dinheiro para gastar aqui no
Brasil, mas não é o caso, não é essa a operação.
Então, o que
acontece, resumindo a história: nós chegamos a uma questão de dizer,
"muito bem, mas o Brasil não precisa de ter um nível tão elevado de
reserva e, no final do processo, um nível tão elevado de dívida pública; se
você diminui um pouco as reservas, por outro lado, você diminui também a
dívida". O efeito, na visão desses economistas, é positivo, porque (na
visão deles) a diminuição da dívida tem um impacto na percepção de risco do
país maior do que a diminuição das reservas tem na piora (da percepção de
risco).
Eu acho que é uma
tese que não necessariamente será vista assim porque a reserva (internacional)
é uma das coisas que fez com que o Brasil enfrentasse, por exemplo, essa
recessão enorme de 2015, 2106. Nós tínhamos amplas reservas. Essa é uma coisa
que dá segurança ao país, ao contrário de alguns (países) vizinhos que têm
problemas graves aí por falta de dólar. Então, essa questão de reservas tem que
ser mexida com um certo cuidado. E eu acho que a solução atual adotada (para
enfrentar a crise provocada pelo coronavírus), de aumento do endividamento do Tesouro,
etc, é hoje a medida mais adequada, sem estarmos fazendo experiências agora num
momento de crise.
BBC News Brasil -
Para que fique mais claro para o leitor não especializado em economia, essa
operação compromissada que o senhor explicou do Banco Central para enxugar os
reais na economia quando ele comprou os dólares justamente envolveu a emissão
de títulos da dívida pelo Tesouro, é por isso que houve o aumento da dívida
pública. A venda das reservas internacionais significaria a reversão dessas
operações com a redução do endividamento, correto?
Meirelles - Exato.
BBC News Brasil - A
dívida bruta pública do Brasil está num patamar de 76% do PIB e muitos
economistas consideram que, se isso subir para 90% do PIB, aumentaria muito a
percepção de risco do país, tendo efeitos negativos sobre a taxa de juros. Por
isso, parte deles defende a venda das reservas, para assim compensar o aumento
da dívida provocado pelos gastos emergenciais contra a atual crise. O senhor,
então, devido ao contexto extraordinário que estamos vivendo, não vê problema
da dívida subir para patamares até próximos de 90% do PIB?
Meirelles - Olha, dos males o
menor. Qual é a alternativa (ao aumento de dívida)? A alternativa é um colapso
econômico, que é pior, porque aí nós teremos aumentos posteriores da dívida.
Porque aí inclusive o PIB cai, e a dívida como percentual do PIB já aumenta
matematicamente. Fora a questão do desemprego e da capacidade da economia de
gerar emprego e renda no futuro e evidentemente a arrecadação pública (que
também cai quando há recessão).
Então, entre as
duas alternativas, não há dúvida de que, a essa altura, a alternativa da
emissão de títulos, isso é, do aumento da dívida, é melhor. Além do que, isto é
um ponto importante (as medidas contra a crise provocada pelo coronavírus), é
uma razão de aumento de dívida que todos compreendem e acham que está certa.
Uma coisa é quando
o governo está gastando (com) o pagamento de aposentadorias, algumas de muito
alto valor, (para) magistrados, funcionários públicos, etc. Pessoas que
trabalharam muito, bons profissionais, mas o país tem dificuldade (de arcar com
essas aposentadorias). Então, no momento em que a dívida estava aumentando por
estas razões, o Brasil se aposentando mais cedo, muito mais cedo do que a
expectativa de vida, estas despesas gerando aumento da dívida, evidentemente
(isso) era insustentável.
Agora, com tudo
isso, a reforma da Previdência feita, a reforma administrativa (para mudar
regras de progressão salarial dos servidores públicos) em andamento, que deverá
ser concluída, e o Teto de Gasto (norma constitucional que limita aumento de
despesas), todos olham e dizem: "não, essa (despesa emergencial contra a
crise) é uma despesa necessária, fundamental, tem que ser feita para preservar
as pessoas e a economia brasileira e é pontual". Tem começo, meio e fim.
Acabou a pandemia, acabou isso, nós voltamos à normalidade, pode voltar à
austeridade fiscal.
BBC News Brasil -
Temos visto outros países fazendo grande esforço fiscal contra a crise gerada
pela pandemia. O pacote de medidas da Alemanha já supera 30% do PIB alemão. No
Brasil, estaria girando em torno de 4% do PIB. O senhor acha que o governo
brasileiro tem condições e deveria fazer um gasto da magnitude do governo
alemão, de 30% do nosso PIB?
Meirelles - Olha,
infelizmente são situações diferentes. A Alemanha pode conviver com uma dívida
pública enorme porque ela tem uma tradição de décadas e décadas e décadas de
austeridade fiscal, pagamento de dívidas (em dia), etc. No Brasil, nós já
tivemos, infelizmente, um histórico de hiperinflação, depois de calote (da
dívida em 1987). Então precisamos ser realistas. Um país como a Alemanha, que é
um país rico, que tem um parque produtivo enorme, etc, tem condições depois de
pagar essa dívida pública com maior capacidade. A realidade é que se o Brasil
gasta a mesma coisa do que a Alemanha, possivelmente nós teremos aí um aumento
de percepção de risco, de juros, etc., que será negativo para o país.
Então, cabe ao
governo federal ir testando o limite. Talvez 4% (do PIB em medidas anticrise)
seja pouco, mas não podemos pressupor que o limite do Brasil é igual o da
Alemanha. Porque nem os países do sul da Europa têm a capacidade que a Alemanha
tem de gerar recursos e crescer, a capacidade industrial alemã, por exemplo.
Como é que nós vamos achar esse limite? Tem que ir testando e nós temos
excelentes técnicos do Tesouro Nacional para fazer isso.
Em março, o Brasil viu a cotação do dólar atingir valores recordes, diante do colapso dos preços do petróleo e de temores econômicos relacionados ao coronavírus.
BBC News Brasil -
Quando essa crise acabar, o endividamento e os gastos do governo estarão em
patamares mais altos. Têm aumentado no Congresso propostas de aumento de alguns
impostos, como taxar dividendos, taxar grandes fortunas. O senhor acha que isso
pode entrar nas medidas de ajuste fiscal após a crise?
Meirelles - Olha, tem uma série
de medidas que são inquestionáveis, relacionadas à volta da austeridade fiscal.
Então, volta-se à aplicação rígida do teto de gastos, é necessário fazer uma
reforma administrativa extremamente rigorosa. Isto é, cortar o patamar de
despesas do país. Agora, o aumento de impostos, ele é uma possibilidade, não há
dúvida. O problema é que nós temos que separar a visão ideológica da visão
econômica.
A visão econômica é
o seguinte: qual a capacidade que nós temos de aumentar impostos na economia
brasileira, mantendo a capacidade de produção da economia? Nós precisamos olhar
isso com calma, versus a visão ideológica que diz "tem que taxar isso e
aquilo, aumentar e muito a tributação sobre lucro de empresas, etc",
porque, veja você, a palavra lucro já é maldita por definição.
Nós temos que ir,
mais uma vez, testando esses limites, pra verificar até quanto nós temos
capacidade de aumentar os impostos sem prejudicar a retomada do emprego. Porque
nós vamos sair dessa crise com as companhias fragilizadas. Nós temos que
preservar ao máximo isso pra depois recuperar, gerar emprego e renda. Se nós
sobrecarregarmos esse parque produtivo com uma taxação que prejudica a
eficiência do processo, aí será ruim.
Agora, não estou eu
dizendo "não, não tem campo pra aumentar nada (de imposto)". Estou
dizendo que nós temos que olhar isso, mais uma vez, com uma visão racional. Não
vamos olhar isso aí como o bezerro de ouro que nós vamos lá arrancar dinheiro
dessa turma. Calma! Nós estamos falando aqui do parque produtivo nacional que
nós temos que voltar a botar pra produzir, né? E isso é que é importante, isso
é o que o país vai precisar: emprego e renda.
BBC News Brasil - O
Brasil é muito desigual economicamente e tem um sistema tributário regressivo.
Então há um certo consenso hoje em dia da necessidade de rever essa estrutura.
O senhor acha que dentro de uma reforma mais ampla que buscasse um sistema mais
progressivo de tributação seria positivo taxar grandes fortunas e dividendos?
Meirelles - Vamos separar duas
questões aqui. Uma coisa é o sistema brasileiro regressivo, né? E nós temos que
pensar num momento de fazer com que exista uma maior distribuição de renda. A
questão que se coloca, no entanto, no Brasil, é a seguinte: quando se pensa na distribuição
de renda, você pensa em taxar mais quem tem mais, (que) é um raciocínio
simplista, e o governo distribuir pra quem tem menos. Calma. Essa não é a
melhor forma de distribuir a renda.
A melhor forma de
distribuir a renda é o emprego. Por exemplo, eu estive no Banco Central de 2003
a começo de 2011, no governo Lula. Houve uma maciça distribuição de renda do
governo taxando (mais)? Não. O Brasil, de fato, cresceu muito. Naquela época
nós geramos quase onze milhões de empregos no Brasil, cinquenta milhões saíram
da miséria e entraram na classe média. Como foi feito isso? Geração de emprego.
Estabilizamos a inflação, estabilizamos o câmbio, o país pôde crescer. O Bolsa
Família ajudou aquelas pessoas que estavam totalmente fora do mercado de
trabalho, mas não foi este o grande fator (que distribuiu renda).
À medida em que tem
emprego, tem renda. Então, nós temos condições de ir treinando, qualificando as
pessoas. Em resumo: problemas de distribuição de renda existem e são
importantes sim, mas não é isso (taxar dividendos e grandes fortunas) que vai
resolver o problema da grande maioria dos brasileiros. A grande maioria dos
brasileiros precisa de emprego.
BBC News Brasil -
Embora tenha havido queda durante o governo Lula, a concentração de renda
permanece em patamares altíssimos no Brasil. Não pode haver concomitante à
geração de emprego um sistema tributário mais progressivo, que taxe mais os de
maior renda e redistribua essa renda? Afinal, a forma como o governo arrecada e
gasta é um instrumento muito forte de distribuição ou concentração de renda.
Meirelles - De novo, eu acho
que nós não podemos, ideologicamente, nos agarrar nisso. Se taxar as pessoas de
renda mais elevada e distribuir através de programas sociais, o governo vai
usar esse dinheiro como pra beneficiar a população? Vai distribuir, aumentar o
Bolsa Família, etc. O que eu acho é que não existe história de país que
resolveu seu problema social assim. Problema social é resolvido com criação de
emprego em massa. E pra isso a capacidade produtiva do Brasil tem que aumentar
e nós temos que gerar crescimento. Políticas que gerem crescimento e isso gera
emprego e gera renda. Isto é o que é absolutamente fundamental. Se quisermos aí
aumentar um pouco a tributação, tudo bem. Mas não é isso que vai resolver o
problema da distribuição de renda no Brasil. Não é o Governo distribuindo um
pouco mais, seja aumentando, dobrando, triplicando o Bolsa Família, é que vai
resolver o problema.
BBC News Brasil - O
teto dos gastos foi adotado no governo Michel Temer quando o senhor era
Ministro da Fazendo. Alguns críticos desse mecanismo dizem que ele limitou a
expansão de gastos com saúde e agora o SUS (Sistema Único de Saúde) está
subfinanciado pra enfrentar essa crise grave do coronavírus. O senhor reconhece
que o teto de gastos pode ter deixado o país mais vulnerável nesse momento?
Meirelles - Não. A resposta
clara é não. Por que? O que o teto de gastos teve como efeito é forçar a
reforma da Previdência, acabar com as altas aposentadorias, gente se
aposentando com 50 anos de idade pra ganhar R$ 30 mil. Isso sim foi o grande
efeito do teto de gastos.
O teto de gastos
não colocou teto pra Saúde, nem colocou teto pra Educação. Lê o artigo da
Constituição, ele estabeleceu um piso mínimo pra investimento em Saúde, um
mínimo pra investimento em Educação. Então não é o teto (específico em Saúde e
Educação). É muito o contrário: o teto dos gastos, forçando a reforma da
Previdência e agora a reforma administrativa, (reduz despesas com
aposentadorias e salários de servidores e) gera recursos para aplicação em
Saúde e Educação.
Não há dúvida de
que a Saúde no Brasil sempre foi mal servida, não foi uma prioridade. Quais
eram as grandes prioridades? Manifestação lá em Brasília ocupando o Congresso,
ocupando a Esplanada, o que que era? Aposentadoria, aposentadoria,
aposentadoria. Era isso que gerou grandes manifestações populares, valor de
aposentadoria, principalmente daqueles que ganham mais. Nunca houve grandes
manifestações pra ter aumento de gastos em Saúde.
Agora, com uma
crise dessas, não tem que nem olhar pra teto. Já tem a previsão na Constituição
pra que em crises como essa o teto possa ser totalmente sobrepujado. O
importante é que tem piso (de gasto mínimo) pra Saúde e piso pra Educação, não
tem teto (específico para essas áreas).
BBC News Brasil -
Mas com o mecanismo do teto de gastos esse piso tem subido agora num ritmo
menor que antes.
Meirelles - Não. Não reduziu. O
piso (agora) é uma proporção do produto do país. Ele não é uma proporção dos
gastos públicos.
BBC News Brasil -
Antes o piso para gasto mínimo em Saúde e Educação era uma proporção da receita
corrente líquida do governo. Não houve uma diferença de cálculo que acaba
reduzindo esse piso?
Meirelles - Imagina agora (na
crise do coronavírus, em que a arrecadação deve cair bruscamente) se fosse uma
proporção da receita corrente líquida. Agora, com a queda brutal da receita (do
governo) numa crise, a despesa de Saúde iria cair.
BBC News Brasil -
Essa mudança de cálculo do piso reduziu em R$ 9 bilhões a despesa em Saúde no
ano passado, segundo cálculo do próprio Tesouro Nacional.
Meirelles - Nós podemos
aumentar os gastos em Saúde, como estamos aumentando agora. E com a reforma da
Previdência aprovada e aprovando a reforma administrativa (ainda não enviada pelo
governo ao Congresso), eu acho que nós temos que investir maciçamente na Saúde
e na Educação.
BBC News Brasil - O
senhor arriscaria uma projeção para o PIB deste ano, ou é difícil estimar
quanto pode ser a queda?
Meirelles - Olha, é difícil,
mas nós podemos sempre fazer uma estimativa. Nossa estimativa inicial era uma
queda que podia ser de 10% no segundo trimestre e de 3% no ano. Hoje, isso já
está claramente subestimado. E nós já estamos pensando aí em algo acima de 5%
no ano e uma queda obviamente maior no trimestre, uma queda forte.
Quando nós entramos
na crise de 2008, a causa era muito objetiva. Isto é, os bancos internacionais
tinham entrado em colapso, as linhas de crédito para o Brasil tinham entrado em
colapso, isso gerou uma crise séria. Então, no Banco Central, nós tínhamos um
diagnóstico claro de qual era o problema e o que era necessário pra resolver. E
aplicamos agressivamente as medidas.
Agora não, a causa
é a Saúde, uma pandemia. Então, a duração da recessão vai depender do quê? Da
duração da pandemia. Vai depender do sucesso desse confinamento, adotar isso
rigidamente, conter a pandemia, ganhar tempo. Porque hoje, se a doença
expande-se muito rapidamente, congestiona o sistema de saúde, não tem leito, aí
o problema piora de uma forma dramática.
Então, os
infectologistas têm aí uma opinião, nesse caso, que precede as estimativas dos
economistas. Cada economista que está fazendo uma estimativa (de resultado do
PIB) está se baseando em alguma opinião de infectologistas sobre a duração da
pandemia.
(G1)




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