Acuados
pela paralisação das demarcações de terras e por projetos como a liberação da
mineração em suas áreas, indígenas se articulam para aumentar o tamanho da sua
bancada no Congresso e nos parlamentos estaduais de todo o Brasil.
A meta
é pular de uma para quatro representantes na Câmara dos Deputados e eleger oito
parlamentares estaduais. Para isso, a estratégia engloba a montagem de chapas
viáveis eleitoralmente e a adoção de um discurso que amplie o eleitorado
potencial de candidatos indígenas. Entre as principais pautas estão: retomada
do processo de demarcação e fim do garimpo ilegal em suas terras.
Os
planos para a ampliação da bancada indígena no Parlamento brasileiro foram alvo
de intensas discussões durante o Acampamento Terra Livre (ATL), evento
realizado por um coletivo de organizações não-governamentais que reúne, há oito
anos, milhares de indígenas em Brasília.
A BBC
News Brasil acompanhou uma das reuniões destinadas a debater como o movimento
pretende aumentar sua representatividade no Congresso. O encontro aconteceu na
terça-feira (12/04).
O
diagnóstico feito pela maior parte dos presentes é a de que as eleições deste
ano são uma das mais importantes dos últimos anos.
Na
avaliação deles, uma continuidade do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL)
é considerada uma ameaça "existencial" para parte da população
indígenas do país. Os dados do último censo, de 2010, apontavam uma população
autodeclarada indígena de 896 mil pessoas. Os dados mais atualizados serão
divulgados neste ano.
"Ele
se elegeu dizendo que não demarcaria nem um centímetro de terra demarcada e
está cumprindo. Para piorar, o governo apoia o garimpo em terras indígenas.
Estamos entre a cruz e a espada", afirma a coordenadora nacional da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara (PSOL-SP),
que é pré-candidata a deputada federal por São Paulo. Em 2018, ela foi
candidata a vice na chapa presidencial de Guilherme Boulos (PSOL).
A
paralisia nas demarcações de terras indígenas começou, de fato, durante o
governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Segundo a Apib, há pelo menos 139
terras indígenas pendentes de homologação, a fase final do processo de
demarcação. Apesar disso, é a atual política indigenista do governo Bolsonaro
que é vista como uma ameaça mais concreta.
Durante
a campanha eleitoral, Bolsonaro fez críticas a lideranças e a entidades que
defendem o movimento indígena, prometeu que não demarcaria mais nenhuma terra e
entregou o comando da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao delegado da Polícia
Federal Marcelo Xavier, que anos antes atuou como assessor da bancada ruralista
no Congresso Nacional durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que
investigava a atuação de organizações não-governamentais no Brasil.
Ao
mesmo tempo, as terras indígenas têm sofrido com o avanço do garimpo ilegal e
do desmatamento desenfreado. Dados de satélite coletados pelo MapBiomas apontam
que, entre 2016 e 2020, houve um aumento de 3.350% na área de garimpo de ouro
da Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, localizada entre os estados do
Amazonas e Roraima.
Em
2020, o presidente enviou um projeto de lei ao Congresso Nacional prevendo a
legalização da mineração em terras indígenas.
O
governo defendeu a medida como uma forma de dar mais liberdade às populações
que vivem nessas áreas, gerando novas fontes de renda para comunidades marcadamente
carentes. Ambientalistas e lideranças indígenas, por outro lado, se
manifestaram contra o projeto, alegando que a atividade poderia causar danos
sociais e ambientais.
Em
2022, Bolsonaro assinou um decreto que criou um programa voltado ao que o governo
chamou de "mineração artesanal", interpretado por críticos como mais
uma medida para incentivar a atividade garimpeira na Amazônia.
Estratégias:
recuar para avançar
Sônia
Guajajara explica que a estratégia do movimento para atingir a meta de eleger quatro
representantes no Parlamento vai atender a três critérios: apoio das
organizações indígenas regionais, filiação a partidos considerados
progressistas e viabilidade eleitoral.
A
ideia, diz Sônia, é reduzir o número de candidaturas indígenas lançadas para se
concentrar apenas naquelas que tenham, efetivamente, chances de vitória. Dados
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que, em 2018, foram registradas
133 candidaturas compostas por indígenas, um aumento de 56,4% em relação a
2014, quando foram 85.
A
estimativa é de que sejam lançadas em torno de 30 candidaturas com a chancela
do movimento indígena. Desse total, em torno de 17 deverão ser mulheres. Todos
os nomes, porém, só deverão ser definidos nos próximos meses, com as convenções
partidárias.
Um dos
objetivos de diminuir as candidaturas indígenas é evitar que chapas aliadas
"comam" voto umas das outras, reduzindo as chances de qualquer uma
delas ser eleita.
"Queremos
mais candidaturas com chance de se eleger. Não é mais lançar por lançar. Agora,
o nosso foco é viabilidade eleitoral", explica Sônia.
Estourando
a "bolha"
Um dos
nomes nos quais o movimento deverá apostar suas fichas é o de Nice Tupinambá,
pré-candidata a deputada federal pelo PSOL do Pará. Ela é uma das dirigentes do
PSOL no estado e trabalha no governo do prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), em
Belém.
Militante
de movimentos sociais da periferia da capital paraense, Nice Tupinambá afirma
ter uma base popular sólida fora do movimento indígena, mas sabe que para que
seus "parentes" (termo normalmente usado por indígenas para se
referirem uns aos outros) serem eleitos, é preciso ir além do voto em suas
comunidades.
"O
voto indígena não é suficiente. Mesmo se reunir todos os nossos votos no Pará,
não conseguimos eleger um deputado federal. No Pará, é preciso, pelo menos, 120
mil votos para chegar à Câmara. Todas as candidaturas indígenas aqui vão ter
que buscar votos fora", explica Nice.
Diante
desse desafio, Nice afirma que a estratégia é aprofundar a busca por votos em
setores que ela classifica como "progressistas" da sociedade. Ela diz
acreditar, também, que parte do eleitorado na Amazônia entende que seria hora
de aumentar a representatividade dos povos indígenas na política.
"Eu
sou como qualquer pessoa que veio de baixo. O povo olha pra gente e se sente
representado. Eles acham que está na hora de fazer essa luta. Eu acho que vou
ter voto justamente pelo fato de ser indígena, por ser periférica e por ser
mulher", afirmou.
A meta
do movimento indígena é, justamente, multiplicar o feito de uma outra mulher: a
deputada federal Joênia Wapichana (Rede-AP). Ela foi a primeira mulher indígena
a se eleger para a Câmara dos Deputados, em 2018, com 8.491 votos.
Joênia
é advogada e, no início dos anos 2000, ganhou notoriedade ao atuar no
julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), da ação que resultou na
homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Sua
campanha fez parte do bloco de candidaturas lançadas pelo movimento RenovaBR,
fundado por Eduardo Mufarej. Entre elas, estava a de outras candidatas como a
da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP).
Joênia
diz que o plano para que candidatos indígenas furem a "bolha" do
movimento e se tornem eleitoralmente viáveis passa por reforçar o discurso de
que a defesa de pautas como as demarcações de terras e o combate ao
desmatamento beneficiam toda a população e não apenas os "parentes".
"A
causa indígena, a defesa do meio ambiente, a qualidade de vida e a luta por
direitos sociais se aplicam a qualquer brasileiro ou brasileira. Tem muito
candidato branco ou negro que fala em nosso nome. Mas nós, indígenas, somos
totalmente capazes de defender essas pautas", diz a deputada.
Encruzilhada
e aposta
Outro
desafio enfrentado pelo movimento indígena é a conjuntura política atual.
Historicamente, o movimento indígena brasileiro "abraçou" e foi
"abraçado" pelos partidos de esquerda. O cacique Mário Juruna,
primeiro indígena eleito para a Câmara dos Deputados, em 1982, se elegeu pelo
PDT de Leonel Brizola.
Sem
pontes com o bolsonarismo e com a chamada "terceira via", o movimento
indígena aposta suas fichas na vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva (PT).
Na
semana passada, por exemplo, o ex-presidente foi recebido por lideranças
indígenas durante o Acampamento Terra Livre (ATL). Centenas de pessoas de
diversas etnias se aglomeraram e ovacionaram o petista que é pré-candidato à
Presidência da República e se coloca como principal opositor de Jair Bolsonaro.
O apoio
acontece apesar de o movimento indígena ter cobrado publicamente o
ex-presidente pelos impactos causados pela construção da usina hidrelétrica de
Belo Monte, no Pará, que afetou a vida de comunidades indígenas na bacia do rio
Xingu e foi construída durante os governos petistas.
"Existe,
sim, essa encruzilhada. É claro que há uma proximidade ideológica entre o
movimento e a esquerda. Nós apoiamos Lula, mas não esquecemos de Belo Monte. O
problema é que não houve diálogo possível com o bolsonarismo. As pautas dele
(Jair Bolsonaro) vão na direção oposta das nossas", diz Sônia Guajajara.
Sônia
admite que o movimento também não tem "pontes" estabelecidas com os
nomes que tentam se viabilizar pela terceira via, entre eles estão a senadora
Simone Tebet (MDB-MS), o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro e os
ex-governadores de São Paulo e do Rio Grande do Sul, João Doria e Eduardo
Leite, ambos do PSDB.
A
liderança diz, no entanto, que o movimento indígena estaria aberto a dialogar
com um candidato de centro caso saia vitorioso nas eleições de outubro.
"A
gente está disposto a dialogar com um nome de centro. A questão é saber se eles
irão ou não querer conversar com a gente e ouvir as nossas pautas", diz
Sônia. (BBC)
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