Essa é a promessa
das empresas que oferecem os testes genéticos, um mercado em franca expansão no
Brasil e no mundo e que oferece preços cada vez mais competitivos.
A maior
disponibilidade dessas ferramentas está relacionada a uma enorme evolução
tecnológica. Para ter ideia, o Projeto Genoma Humano, finalizado em 2003, levou
13 anos para ser concluído, custou cerca de 3 bilhões de dólares e demandou o
uso de 240 mil sequenciadores genéticos, espalhados por 20 centros de pesquisa
em várias partes do mundo. Passadas pouco menos de duas décadas, hoje em dia é
possível fazer a análise do DNA por algo em torno de mil a 3 mil reais, em 24
horas e com apenas uma máquina.
E os avanços não
se limitam ao custo, aos equipamentos e ao tempo despendido: a compreensão das
diferentes sequências genéticas e o que elas podem significar na prática
evoluiu muito nesses 20 anos.
Mas será que todos
esses testes funcionam de verdade e podem trazer alguma informação relevante?
Em que casos eles são realmente indicados
De acordo com
geneticistas ouvidos pela BBC News Brasil, algumas dessas opções fazem
realmente a diferença. Outros, porém, ainda não trazem informações confiáveis e
validadas cientificamente, como você confere a seguir.
Testes de
ancestralidade
Uma das opções
mais populares e acessíveis no mercado, eles têm a premissa básica de dizer de
onde vieram os seus antepassados.
Na prática, esse
teste compara partes do seu DNA com um banco de dados enorme e tenta encontrar
traços genéticos em comum com alguns grupos típicos de regiões específicas do
planeta.
Desse modo, o
resultado revela com um certo grau de confiança a sua ancestralidade — dizendo,
por exemplo, que seu material genético vem 20% da África Central, 15% da África
Subsaariana, 10% da Península Ibérica e assim por diante.
Embora a qualidade
desse tipo de exame tenha melhorado nos últimos anos, é importante lembrar que
eles não são 100% precisos. Podem acontecer algumas distorções nos resultados,
especialmente se a sua família vem de uma região com poucas informações genéticas
naquele banco de dados utilizado para fazer a comparação.
"Infelizmente,
a maior parte dos dados genômicos são gerados em países desenvolvidos da
América do Norte e da Europa", lamenta o médico Roberto Giugliani,
professor titular de genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS).
"Isso é algo
que ainda precisamos avançar: ampliar a disponibilidade de sequenciamentos
genéticos de outras partes do mundo", complementa o especialista, que
também é cofundador da Casa dos Raros, um centro de treinamento e educação
sobre doenças raras.
Os especialistas
sugerem, portanto, que os testes genéticos de ancestralidade sejam
interpretados como algo informativo, recreacional e uma forma de buscar
autoconhecimento. Mas os resultados não devem ser levados a ferro e fogo.
Dieta, exercício e
pele
Ainda na seara dos
testes recreativos, é comum ver laboratórios oferecendo exames que,
supostamente, ajudariam a indicar a alimentação ou o tipo de atividade física
mais adequados de acordo com os seus genes.
Alguns vão além e
disponibilizam uma análise da pele do paciente, indicando possíveis
predisposições a doenças e indicações de tratamentos dermatológicos.
Nesse contexto, os
médicos pedem bastante cautela: ainda não conhecemos nosso genoma
suficientemente bem para chegar a esse tipo de conclusão tão ampla.
"Muitas
vezes, esses testes levam em conta um estudo pequeno que foi feito na população
do Iêmen, em que os pesquisadores observaram uma maior propensão a gostar de
brócolis nos indivíduos com determinadas características genéticas",
hipotetiza a médica Maria Isabel Achatz, coordenadora da Unidade de
Oncogenética do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista.
Ainda que
investigações do tipo sejam válidas, não é adequado extrapolar os resultados
como se fossem verdades absolutas para, literalmente, todo o mundo.
"Algumas
empresas constroem painéis imensos com informações desse tipo, e muitas vezes é
impossível checar a fonte de todas as conclusões que aparecem nesses
laudos", continua a geneticista.
Por ora, a
recomendação é não encarar essa opção de teste genético sobre alimentação ou
atividade física como algo sério e que serve de base para mudar hábitos,
comportamentos e o estilo de vida.
Até porque as
orientações básicas de saúde são relativamente iguais para todo mundo: é
importante ter uma dieta variada e equilibrada, rica em frutas, verduras e
legumes e pobre em alimentos ultraprocessados, e fazer pelo menos 30 minutos de
atividade física moderada ou intensa todos os dias.
Doenças mais
comuns
A discussão sobre
a necessidade de fazer testes genéticos se estende a mais um campo da saúde
humana: será que vale se submeter a um exame desses para descobrir o risco de
desenvolver as enfermidades mais frequentes, como pressão alta, diabetes ou
Alzheimer?
Na maioria das
vezes, a resposta dos especialistas para essa pergunta será um alto e sonoro
"não".
A médica Mayana
Zatz, professora titular de genética da Universidade de São Paulo (USP), ensina
que essas doenças costumam ter uma herança genética complexa e estão
relacionadas a diversas características do DNA.
"Ou seja:
falamos de quadros relacionados a diversos genes e para os quais há uma
influência muito grande de fatores ambientais e do comportamento do próprio
indivíduo", acrescenta Zatz, que também coordena o Centro de Estudos em
Genoma Humano e Células-Tronco da USP.
Em termos
práticos, um exame desses pode até estimar, com um alto grau de incerteza, uma
propensão genética maior a pressão alta, por exemplo. Mas o problema tende a
não aparecer (ou ser mais brando) se a pessoa faz atividade física, não fuma e
tem uma alimentação equilibrada.
"E vamos
supor que eu faça um teste do tipo e apareça que tenho risco aumentado de
diabetes. Qual vai ser a recomendação do médico? Comer de forma saudável, fazer
atividade física, não ganhar peso… Veja bem, a receita continua igual para todo
mundo", argumenta a geneticista.
Achatz lembra a
história de um paciente que chegou no consultório dela dizendo que havia
descoberto, por meio de um teste genético, que tinha 30% de risco de Alzheimer
no futuro.
"A pessoa
sentou na minha frente com os olhos inchados de tanto chorar. Ela me disse que,
quando recebeu a notícia, teve vontade de morrer", relata a médica.
"A minha
recomendação foi clara: pegue o laudo, rasgue e jogue no lixo."
Um dos grandes
problemas nesses casos, apontam os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil,
é que os resultados sobre a propensão de desenvolver uma enfermidade ou outra
são fornecidos pela internet, de forma impessoal e sem nenhum tipo de orientação.
O aconselhamento
genético, feito por alguém que se especializou no tema, é fundamental para
interpretar aquele mar de informações e colocar em perspectiva o que o teste
encontrou escrito no DNA.
"Muitas
vezes, o indivíduo vê aqueles 30% de risco de Alzheimer e nem se lembra dos
outros 70% de chance de não desenvolver a doença", completa Achatz.
Câncer
Não é exagero
dizer que a oncologia é a área da medicina que mais se beneficiou da genética
até agora.
"Os testes
ajudam, por exemplo, a identificar quem tem um perfil genético que predispõe a
determinados tipos de câncer", cita Giugliani, que também é head de
doenças raras da Dasa.
"Com isso, o
monitoramento da doença fica muito mais personalizado e ajuda a identificar os
casos logo no início, quando há mais chances de sucesso no tratamento",
diz o médico. Em algumas situações, inclusive, é possível agir até antes de as
células cancerosas aparecerem.
O exemplo mais
famoso aqui é o da Angelina Jolie. Em 2013, a atriz americana anunciou que
tinha feito uma cirurgia preventiva para a retirada das mamas, após descobrir
que portava mutações nos genes BRCA 1 e 2, que estão diretamente relacionadas a
tumores nessa parte do corpo.
Que fique claro:
um teste desse tipo não está indicado para todas as mulheres e deve passar
necessariamente por uma avaliação médica. Jolie mesma só o fez porque tinha
histórico de câncer de mama na família, um dos fatores que sugerem a
necessidade de vasculhar o DNA atrás desse tipo de informação. A recomendação,
portanto, varia de caso a caso.
E olha que os
avanços da genética não se limitam à detecção precoce do câncer. Hoje em dia,
esses exames ajudam a acompanhar toda a família e permitem determinar o melhor
tratamento para cada paciente.
"Após o
diagnóstico da doença, o resultado de uma análise genética, quando há indicação
para fazê-la, tem o potencial de modificar a estratégia terapêutica que será
adotada", reforça Achatz.
Vamos supor que os
médicos encontram uma mutação X num paciente com câncer no pulmão. Atualmente,
existem remédios específicos, que só funcionam quando essa alteração está
presente no genoma. Já em um segundo caso, que apresenta a mutação Y, outro
medicamento será mais adequado.
Doenças
monogênicas
Por fim, não
podemos nos esquecer das enfermidades classificadas como monogênicas ou
mendelianas.
"Elas são
causadas por mutações em um único gene, que faz a pessoa desenvolver aquela
condição", ensina Zatz.
Estima-se que 6
mil doenças se encaixam nessa descrição, como é o caso de anemia falciforme,
fibrose cística e distrofia muscular de Duchenne.
E mesmo nesses
casos, em que os testes são bem confiáveis e fecham o diagnóstico de uma
enfermidade, a indicação para fazê-los é restrita.
"Geralmente,
só recomendamos a realização de exames do tipo quando a pessoa sabe que há
histórico dessas doenças na família", sugere Zatz.
Nesses casos, uma
análise do DNA seria bastante benéfica. Um casal que está pensando em conceber
um filho e tem histórico de doenças monogênicas em parentes próximos, por
exemplo, pode fazer exames para analisar a presença de determinadas mutações,
que têm probabilidade de passar para as gerações futuras.
Caso essas
mutações sejam realmente detectadas, o casal pode optar por uma inseminação
artificial e pela análise genética dos embriões.
Assim, só serão
implantados no útero da mulher aqueles embriões que não apresentam as mutações.
Isso descarta completamente o risco de que o futuro bebê tenha a determinada
doença monogênica relativamente comum naquela família.
"Esse tipo de
teste ainda é bem caro, mas precisamos considerar o impacto de saúde, emocional
e financeiro que uma doença dessas tem na vida de uma criança e de todos ao
redor", analisa Zatz.
"Para ter
ideia, existe um grupo de doenças chamadas de Atrofia Muscular Espinhal, ou
AME. Hoje, só o tratamento desse quadro custa 2 milhões de dólares. Imagina
prevenir o nascimento de uma criança com essa condição?", questiona a
geneticista.
Isso, aliás, nos
leva a uma outra discussão: será que vale a pena saber que você tem uma
enfermidade grave, para a qual ainda não existe nenhuma terapia?
"Muitas
vezes, o diagnóstico encerra a busca por uma explicação para os sintomas que a
pessoa apresenta há anos. Por mais difícil que seja receber uma notícia dessas,
saber da doença pode ajudar o indivíduo a virar a página e seguir em
frente", opina Giugliani.
"E precisamos
lembrar que sempre existe algo que pode ser feito. A medicina não trata a
doença, mas, sim, o paciente", complementa o médico.
Mas e quando o
sujeito ainda não apresenta uma doença grave e sem remédios disponíveis, mas
carrega as mutações que levarão ao desenvolvimento do quadro mais pra frente, a
partir dos 50 ou 60 anos de vida?
"O consenso é
não testar crianças para doenças que só vão aparecer na fase adulta e para as
quais não há tratamento", pensa Zatz.
"Quando esse
teste é feito ainda na infância, tiramos o direito de o indivíduo decidir se
quer saber ou não daquilo quando for adulto", diz.
A geneticista
avalia que, na maioria das vezes, as pessoas preferem não conhecer aquela
informação, que pode ser fonte de aflição constante.
"Outro dia
estava dando aula na Faculdade de Medicina da USP e perguntei quantos dos
jovens alunos gostariam de saber se tinham um risco genético aumentado de
desenvolver um quadro debilitante no final da vida. Metade da turma levantou a
mão", conta.
"Na
sequência, falei que todos aqueles que toparam estavam convidados a comparecer
no meu laboratório para fazer esse teste."
"Até agora, nenhum deles apareceu por lá", finaliza a geneticista.
(BBC)
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