Em outro levantamento, o Instituto Sou da Paz
aponta preocupações de desvios de armas legais em direção ao mercado ilegal,
mostrando que até nove armas foram furtadas ou roubadas por dia em São Paulo
entre 2011 e 2020. Em 60% dos casos, os desvios ocorreram por meio de furtos. A
pesquisa aponta que faltam órgãos especializados no rastreamento de armas
desviadas.
A flexibilização do acesso às armas de fogo
foi uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro. Ao longo do governo,
o presidente brasileiro editou uma série de decretos nesse sentido com diversas
medidas voltadas aos CACs facilitando o acesso ao armamento, incluindo fuzis.
Os mais recentes são o 10.627, o 10.628, o 10.629, e o 10.630. Esses decretos
regulamentam a Lei 10.826/03, conhecida como Estatuto do Desarmamento.
A possibilidade de desvio de armas e munições
foi citada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, em
decisão liminar de abril 2021 que suspendeu diversos pontos dos decretos de
Bolsonaro sobre armas — incluindo o fim do controle do Exército sobre o acesso
de armas de fogo por CACs.
A discussão sobre a constitucionalidade das
medidas está suspensa há nove meses no STF devido ao pedido de vistas do
ministro Kássio Nunes Marques. Apenas neste período, 270 mil novas armas
chegaram às mãos de civis no Brasil, segundo o Instituto Sou da Paz.
Segundo o advogado Felippe Angeli, gerente de
advocacy do instituto, existe uma relação comprovada entre armas e aumento da
violência.
"Não se trata de opinião, há um consenso
científico nacional e internacional que demonstra a causalidade entre o aumento
da circulação de armas de fogo e o aumento da violência — principalmente a
violência letal", afirma Angeli à Sputnik Brasil, que ressalta que também
há outros fatores sociais que influenciam o aumento da violência.
Questionado sobre riscos ligados à ampliação
do acesso às armas, tendo em vista a proximidade do processo eleitoral, o
especialista do Instituto Sou da Paz aponta que a narrativa em relação ao
armamento civil ganhou cunho político durante o governo Bolsonaro.
"A gente tem visto com o Bolsonaro uma
mudança na narrativa em relação às armas de fogo. As armas de fogo sempre foram
tratadas como uma questão de segurança pública ou dentro da perspectiva da
legítima defesa. Já Bolsonaro e grupos próximos a ele cada vez mais se referem
às armas de fogo como um instrumento de ação política, para a atividade
política", aponta.
Angeli acrescenta que há um medo crescente em
relação a possíveis ataques de cunho político por pessoas armadas nesse
contexto. "É uma radicalização que esse governo, de uma forma ou de outra,
incentiva. E isso com armas nas mãos é péssimo".
Em uma eventual troca de governo, as regras também
podem mudar. O advogado afirma que é necessário reduzir o número de armas na
rua, e aponta medidas para que isso ocorra.
"Existem programas de recompra de armas,
programas de entrega voluntária de armas. Além disso, há programas educativos
que apresentam à população o quão essas armas de fogo são perigosas, o risco de
acidentes com arma de fogo, como aumentam o índice de suicídios e feminicídios
em residências que têm arma de fogo. Só nesta semana tivemos vários episódios
de crianças que se feriram e morreram em acidentes com arma de fogo. É
importante ter um programa de comunicação e campanhas para alertar a população
de todas as fake news que esse governo promoveu, seja em relação às vacinas,
seja em relação à cloroquina, seja em relação às armas", pondera ele.
Fiscalização de CACs é forte, diz representante de
proprietários de armas
Com o afrouxamento das regras para a obtenção de
armas de fogo durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o Brasil também viu o
crescimento de grupos e associações de defensores da ampliação do acesso às
armas. É o caso da Associação dos Proprietários de Armas de Fogo do Brasil
(Aspaf).
Hugo Santos, diretor-presidente da organização,
sustenta que o tiro esportivo é um direito protegido constitucionalmente e
defende o crescimento do número de CACs. O argumento é baseado no artigo 217 da
Constituição Federal, que aponta o dever estatal de fomento às atividades
desportivas no geral. Para ele é necessário que "mais pessoas sejam
educadas sobre o uso de armas de fogo" e que o acesso a treinamentos e
cursos seja ampliado.
"O direito à prática esportiva do cidadão
brasileiro está garantido pela Constituição Federal. Qualquer pessoa que atente
contra os direitos garantidos de cidadãos brasileiros está atentando contra a
democracia", avalia Santos em entrevista à Sputnik Brasil.
O líder da Aspaf acredita que recentes reduções do
número de homicídios anuais no Brasil mostram que o aumento do número de armas
no país não ampliou a violência — um dos maiores temores dos defensores do
maior controle de armas. Especialistas argumentam que não há relação direta
entre esses dados, como mostra publicação do portal Nexo reproduzida pelo
Instituto Sou Da Paz.
Santos defende que apesar do crescente número de
CACs, a fiscalização é capaz de coibir eventuais criminosos entre os
licenciados. "Ser CAC não é simples, você está debaixo de uma lupa de
fiscalização enorme, se andar fora da linha perde sua documentação e seu
armamento e até mesmo sua liberdade", afirma, salientando que o tiro
esportivo é fiscalizado pelo Exército.
Recentemente, a Polícia Civil de São Paulo abriu
investigação após apreender armas e munições registradas legalmente por CACs em
endereços ligados a supostos membros do PCC. O caso levantou suspeitas de
aquisição de armas pela organização criminosa por meio de laranjas, conforme
publicou o jornal Folha de S. Paulo.
Questionado sobre possíveis relações como essa em
meio ao crescimento dos CACs, o diretor-presidente da Aspaf afirma que a busca
por armas de fogo ilegais "sempre foi o caminho adotado pelos
criminosos". Para ele, a atual estrutura de fiscalização é capaz de
identificar eventuais desvios de conduta de CACs.
"Além da fiscalização do Exército, os clubes
de tiro são entidades auxiliares de fiscalização do Exército Brasileiro. Para
ser CAC, o cidadão deve estar vinculado — filiado — a um clube de tiro. Diante
disso, além de comprovar sua idoneidade através de documentos, o mesmo deve ter
uma frequência em suas atividades nos clubes", explica Santos,
acrescentando que os clubes têm a obrigação de fiscalizar seus membros e denunciar
"comportamentos que levantam suspeitas".
(JB)
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