Os 35
casos foram detectados e analisados ao longo desses anos, mas só foram descritos agora na revista científica The New England Journal of Medicine.
Destes, 26 casos foram analisados em detalhes — revelando que 100% dos
pacientes tiveram febre e, em alguns casos, outros sintomas, como fadiga (54%),
tosse (50%), dor de cabeça (35%), vômito (35%). Foram registradas ainda algumas
anormalidades no funcionamento do fígado (em 35% dos pacientes) e rins (8%).
Não há informações sobre eventuais mortes.
De
acordo com os pesquisadores, não há sinais de transmissão do LayV no contato de
pessoa para pessoa. Provavelmente, a origem da infecção é animal — os
cientistas dizem que há indícios de que o musaranho seja um reservatório
natural do Langya, mas isso ainda precisa ser confirmado com mais estudos. Os
especialistas asseguram que a detecção do novo vírus está longe de significar
uma nova pandemia.
Mas a
descoberta de um vírus do gênero Henipavírus preocupa porque
outros patógenos desse grupo já causaram surtos e infecções graves na Ásia e na
Oceania, principalmente "primos" do LayV chamados Hendra henipavirus
(HeV) e Nipah henipavirus (NiV). A infecção pelo Hendra henipavirus (HeV) é rara,
mas a taxa de mortalidade chega a 57%, segundo o
Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos. Já nos
surtos do Nipah henipavirus (NiV) de que se tem notícia entre 1998 e
2018, a taxa de mortalidade variou de 40 a 70% das infecções. Ambos
causam problemas respiratórios e neurológicos.
É
difícil comparar esses dados com a mortalidade do coronavírus causador da atual
pandemia, devido a metodologias distintas e às diferenças dos números por país
e por período. Entretanto, é possível dizer que a letalidade dos vírus Hendra e
Nipah se mostrou significativamente maior nos surtos que ocorreram do que o
coronavírus, na atual pandemia.
O
virologista Jansen de Araujo, professor e pesquisador do Laboratório de
Pesquisa em Vírus Emergentes da Universidade de São Paulo (USP), destaca que,
por enquanto, a detecção do vírus Langya está longe de ser prenúncio de
pandemia.
"O
que foi observado não caracteriza um hot spot (algo como um
"foco de transmissões") como foi com o coronavírus — em que o vírus
foi achado e logo começou a se espalhar em toda a região muito rápido",
diz Araujo, lembrando que os pesquisadores que identificaram o Langya henipavirus
monitoraram casos durante um longo período.
"O
novo vírus também não mostrou uma transmissão eficiente de pessoa para pessoa
muito rápido. Mas como um vírus patogênico (que causa doença), é preciso ficar
atento e monitorar sim novos casos."
Doutor
em microbiologia pela USP, Araujo aponta também que a alta letalidade dos vírus
Hendra e Nipah pode ter sido um freio para sua transmissibilidade.
"Os
vírus que são muito letais, como o ebola, têm uma disseminação pequena, porque
ele acaba matando mais rápido as pessoas do que transmitindo", explica.
"Quando você tem um vírus que causa maior gravidade, a chance de
espalhamento é inversa."
Presença do vírus nunca foi confirmada no Brasil, diz pesquisador
Araujo
faz parte do projeto Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres
(Previr) e tem buscado, há alguns anos, sinais dos Henipavírus em
solo brasileiro. Em 2017, ele e colegas publicaram um artigo com
indícios de que morcegos encontrados no Brasil podem ser reservatórios naturais
do Nipah, mas isso não pôde ser confirmando com as evidências coletadas.
Segundo o pesquisador, nunca foi confirmado também algum caso de infecção pelo
Hendra ou Nipah em humanos no Brasil.
Na
publicação do New England Journal of Medicine que revelou o
Langya henipavirus, todos os pacientes infectados eram residentes das
províncias de Shandong e Henan. Eles não tiveram contato próximo entre si e nem
um histórico de passagem pelos mesmos lugares. Os pesquisadores fizeram um
rastreamento dos contatos entre nove pacientes e seus parentes e tampouco
encontraram infecções que pudessem provar uma transmissão de pessoa para
pessoa.
Mais
da metade dos infectados eram agricultores, o que é relevante considerando que
o vírus chegou às pessoas a partir de algum tipo de contato com animais.
Os
pesquisadores buscaram traços moleculares do Langya em animais domésticos e
silvestres, e os musaranhos foram os que mostraram maior percentual de detecção
do vírus. Por isso, os pesquisadores dizem que ele pode ser o reservatório
natural do patógeno, embora reconheçam que não cumpriram no estudo os chamados
postulados de Koch, em que a causalidade entre um patógeno e a doença é provada.
Para
Jansen de Araujo, seria desejável analisar particularmente amostras de morcegos
gigantes em busca do Langya, já que estes são reservatórios conhecidos dos
vírus Hendra e Nipah — o pesquisador explica que animais considerados
"reservatórios naturais" são aqueles infectados com um vírus mas sem
desenvolver uma doença. Já os hospedeiros finais são infectados e adoecem, como
acontece com cavalos e humanos na infecção pelo Hendra.
Os
casos de Nipah de que se tem notícia ocorreram pelo contato direto de pessoas
com morcegos e porcos infectados; com a seiva ou o suco de tamareiras
infectadas por excrementos de morcegos; ou ainda no contato de pessoa com
pessoa.
A
médica veterinária Michele Lunardi, doutora em virologia animal pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL), publicou com colegas em 2021 um artigo de revisão de estudos sobre os Henipavírus. Segundo
os autores, "o HeV e o NiV são vírus altamente letais, com ressurgimento
repetido e ausência de quaisquer profilaxias ou terapias aprovadas para uso em
humanos". Particularmente o NiV tem "capacidade de causar uma
pandemia devastadora", diz o artigo.
Em
entrevista à BBC News Brasil, Lunardi destaca que os cientistas que
identificaram o Langya henipavirus o fizeram a partir de um monitoramento
rotineiro de casos de febre na China — ação que ela aponta como fundamental
para prevenir a expansão desta e outras doenças virais.
"Os
pacientes febris aparecem para ser atendidos em hospitais selecionados na China
e, quando relatam contato prévio com animais, são coletadas amostras para
análise metagenômica. São ferramentas poderosas para identificar
patógenos", explica a médica veterinária.
"Esse
tipo de vigilância ativa com novas ferramentas de sequenciamento (genético) são
importantíssimas, pensando nesses agentes infecciosos que são potencialmente
zoonóticos — ou seja, que são transmitidos de animais para os seres humanos. A
gente sabe que eles têm um potencial grande de se tornar no futuro novos
agentes pandêmicos."
(BBC)
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