Uma pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC), contratada pelo Projeto SETA e pelo Instituto de Referência Negra Peregum, coloca o ambiente escolar no topo da lista de locais em que os brasileiros mais afirmam ter sofrido a violência racial.
A cada 10 pessoas que relatam ter sofrido o racismo no Brasil, 3,8 foram vítimas da violência em escolas, faculdades ou universidades, de acordo com a pesquisa Percepções Sobre o Racismo, que foi concluída em julho.
O levantamento — que será debatido nesta terça-feira (15) no Auditório da Editora Globo, no Rio de Janeiro, em evento com apoio da Fundação Roberto Marinho — busca compreender de que forma a população brasileira percebe o racismo.
2 mil pessoas foram ouvidas pelo IPEC e, entre outros pontos, indicaram em quais ambientes já sofreram racismo:
- 38% sofreram racismo na escola/faculdade/universidade;
- 29% sofreram racismo no trabalho;
- 28% sofreram racismo em espaços públicos (ruas, parques, praças etc.);
- 18% sofreram racismo em estabelecimentos comerciais (supermercados, shopping, lojas de rua, cinemas, restaurantes etc.);
- 11% sofreram racismo no ambiente familiar.
Ainda foram citados como ambientes onde o racismo foi praticado: bancos (10%), na comunidade em que mora (8%), transporte público (7%), espaços religiosos (5%) e agências de recrutamento para o trabalho (3%).
Ana Paula Brandão, gestora do Projeto Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista (SETA), afirma que os dados são infelizes, mas não surpreendentes.
A escola é um microcosmo que reproduz o ambiente em que vivemos na sociedade como um todo. Tudo que acontece lá [na escola], acontece cá [no resto da sociedade], de uma forma muito reprodutora das relações complexas.
— Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA.
Na avaliação da especialista, isso acontece porque o Brasil é um país inegavelmente racista. De acordo com o levantamento, 81% da população concorda com isso, e 44% os entrevistados consideram que a raça, cor ou etnia é o principal fator gerador de desigualdades no país.
Para reverter o cenário, Ana Paula, que é mestranda em Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cobra a aplicação de mecanismos que já existem para garantir uma educação antirracista.
A lei 10.639 já tem 20 anos e a 11.645 tem 15, mas não são devidamente trabalhadas nas escolas. Precisamos de investimentos públicos, da adoção de meios que permitam que as histórias afro-brasileira e indígena sejam ensinadas. Quem sabe assim, as crianças cresçam conscientes e o futuro seja outro
— Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA.
Ao analisar a pesquisa IPEC, os especialistas do Seta e do Peregum fazem recomendações ao Estado. Uma delas que é "desenvolva programas de combate ao racismo institucional nos órgãos públicos, especialmente da educação, Justiça e segurança pública".
Outros resultados
Outro indicador importante confirmado pelo levantamento é o de grupos que mais sofrem racismo, segundo os entrevistados. Para 96%, pessoas pretas são as principais vítimas. Em seguida, aparecem:
- Povos indígenas, com 57%;
- Imigrantes africanos, com 38%;
- Quilombolas, com 29%;
- Pessoas pardas, com 23%;
- Imigrantes latinos, com 6%;
- Pessoas asiáticas, com 6%;
- Imigrantes asiáticos, com 5%;
- População branca, com 4%; e
Imigrantes europeus, com 1%
O que esses dados mostram é algo que já sabemos. Os fenótipos, os traços, a cor da pele e as características físicas ainda são o principal vetor de ações preconceituosas no Brasil.
— Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA
E o racismo aparece de maneira diversa na sociedade. Algumas vezes, de modo explícita, em outras, veladamente.
Para 66% das pessoas, o racismo aparece na violência verbal (xingamentos e ofensas);
- para 42%, no tratamento desigual;
- para 39%, na violência física (agressões);
- para 28%, na negação de oportunidades;
- para 23%, na intolerância religiosa;
- para 22%, na exclusão, isolamento e desprezo de um grupo de pessoas;
- para 15%, na pressão ou constrangimento para alguém mudar a sua aparência;
- para 11%, ao ignorar a existência de determinado grupo de pessoas;
- para 9%, em práticas ou ações que favorecem um determinado grupo de pessoas;
- para 8%, na desigualdade de investimento em diferentes territórios, a depender do grupo que ali vive;
- para 7%, ao negar a história, as contribuições e as potências de determinado grupo de pessoas; e
- para 5%, em ações e medidas institucionais do Estado e de organizações públicas e privadas.
"Esses dados corroboram a necessidade de fortalecer políticas públicas de enfrentamento ao racismo estrutural e a importância de uma educação formal e não formal, que tenha como foco a superação de práticas racistas e o combate às desigualdades", finaliza Rosalina Soares, assessora de pesquisa e avaliação da Fundação Roberto Marinho.
(g1)
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