O dado faz parte do Panorama da Saúde Mental, ferramenta de monitoramento criada pelo Instituto Cactus, entidade filantrópica, em parceria com a AtlasIntel, empresa de tecnologia especializada em inteligência de dados.
Divulgado
nesta sexta-feira (4), o estudo foi feito por questionário online e cerca de
44% dos respondentes são da região Sudeste do Brasil.
De
acordo com Luciana Barrancos, gerente executiva do Instituto Cactus, no caso do
recorte específico de dados sobre jovens, o objetivo do levantamento é permitir
identificar comportamentos, hábitos e preocupações associados à saúde mental,
que são singulares desse grupo, colaborando para a criação de soluções de
acordo com as necessidades.
Sabemos
que adolescência é um período de grandes transformações sociais, de formação de
identidade e descobertas sexuais.”
Barrancos
aponta também que mais estudos são necessários para avaliar a correlação entre
as descobertas do Panorama sobre como mudanças no comportamento são impactadas
pela saúde mental.
Como
o estudo foi feito
Ao
responder perguntas sobre confiança, vitalidade e foco, os 2248 participantes
do estudo - 18.7% deles jovens (cerca de 400 pessoas) - marcaram pontuações de
0 a mil no iCASM (índice Cactus-Atlas de Saúde Mental), um índice criado para
expressar de forma numérica algumas das múltiplas dimensões que impactam
positiva e negativamente a saúde mental dos indivíduos.
No
caso deste grupo específico de 16 a 24 anos, o valor do iCASM foi de 534
pontos, abaixo da média nacional (635) e o menor índice dentro da categoria
“idade”.
Além
da idade, os respondentes também foram divididos por fatores como localização,
renda, religião, ocupação e raça.
“Pela
parcela de 43,8% dos respondentes do Sudeste e questionário online - o que o
limita à pessoas que tenham acesso à internet, não é possível, com esses dados,
desenhar uma análise nacional. Isso é algo que nos falta, não há nenhum estudo
completo sobre a saúde mental dos jovens brasileiros até agora”, avalia
Guilherme V. Polanczyk, professor de psiquiatria da infância e adolescência da
Faculdade de Medicina da USP.
Os
dados mais recentes apontam que questões relacionadas à uma má saúde mental
afetaram diretamente a vida dos adolescentes e jovens adultos entrevistados.
A
maioria (78%) relatou ter se sentido feio ou pouco atraente ao menos uma vez
nas últimas duas semanas anteriores à data da coleta. Destes, a maioria (73%)
também relatou se sentir pouco inteligente e quase metade (45%) afirmou não ter
saído com amigos no período.
O
estudo avalia que as percepções estão associadas a questões importantes de
saúde mental, já que aqueles que aqueles que reportaram baixa autoestima também
demonstraram baixo interesse e prazer nas atividades do dia a dia (80%), e a
sensação de cansaço e a falta de energia (90%). Além disso, uma parcela indicou
ter brigado com seus familiares no período indicado (70%).
Os
jovens entrevistados também fazem mais uso de psicoterapia do que a média dos
outros grupos (7,6% contra 5,1%), e utilizam menos medicamentos de uso contínuo
(9,4% contra 16,6%). A pesquisa não avaliou se uma parcela maior precisaria da
intervenção medicamentosa.
‘Sensação
de insuficiência’
Um
estudo anterior do Instituto Cactus, feito em 2021, aponta que 50% das
condições de saúde mental começam até os 14 anos de idade e 75% até os 24 anos.
A
cearense Rafaella Rosado, 24, que sofre com problemas relacionados à saúde
mental há 10 anos, se enquadra nesta estatística.
“Aos
14, os problemas eram relacionados à questões da minha cidade natal,
relacionamentos na escola… Com o tempo, virou o vestibular, a mudança de
cidade, mercado de trabalho - uma pressão maior. Não acho que nós
[brasileiros], em geral, somos bem preparados para lidar com essa transição”,
diz.
Na
experiência dela, a escola foi o local onde aprendeu a se comparar com colegas
- algo que, com o tempo, se intensificou e afetou sua autoestima.
“Não
quero ser clichê dizendo isso, mas é verdade: esse sentimento de ‘ficar para
trás’ foi impulsionado pelas redes sociais, onde vemos pessoas viajando, com
casas maravilhosas, sempre sendo felizes… E acabamos nos comparando o tempo
todo, pensando ‘e eu trancada em um apartamento’. Dá uma sensação de
insuficiência”.
Rafaella,
que foi demitida de uma empresa de comunicação recentemente, diz ter tido um
exemplo claro de como o sentimento é comum entre pessoas da sua faixa etária
conversando com uma colega na mesma situação.
“Ela
me disse: ‘precisamos fazer carreira agora’. É um sentimento de que, se não
fizermos as coisas exatamente no momento que estamos, vamos estragar o resto da
nossa vida.”
O que
pode estar por trás da má saúde mental de jovens
O
estudo não focou em questões que podem ter prejudicado a saúde mental dos
jovens, mas, de acordo com o psiquiatra Guilherme V. Polanczyk, há algumas
possibilidades levantadas globalmente que poderiam ocorrer também no território
brasileiro.
“Há
estudos na Europa com amostras representativas de países que vêm mostrando,
desde 2012, aumento de taxas de depressão e solidão entre jovens. As hipóteses
que se levantam passam por razões sociais e culturais amplas, entrando em
questões de ambiente digital, mundo cada vez mais polarizado e intolerância em
questões como sexualidade e raça.”
Na
América Latina, segundo as estimativas mais recentes do Unicef (braço da ONU
para a infância), quase 16 milhões de jovens entre 10 e 19 anos têm algum
transtorno mental. Isso equivale a cerca de 15% das pessoas dessa faixa etária.
“Não
há uma resposta única e nada focado especificamente no Brasil, mas observamos
uma tendência mundial de piora, para a qual ainda são levantadas várias
hipóteses.”
(Fonte: BBC)
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