O encontro, porém, parece estar longe de ser apenas um evento na agenda presidencial.
Divergências e contradições à
parte, quando Lula começar a receber os chefes de Estado em Belém, capital do
Pará, o presidente não estará apenas participando de uma reunião meramente
protocolar, segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Para eles, Lula estará
executando mais uma etapa dentro de uma estratégia definida: fazer da pauta
ambiental uma das principais apostas diplomáticas do presidente em seu terceiro
mandato.
O objetivo, segundo
especialistas e diplomatas, é fazer com que o Brasil atue como uma espécie de
representante informal dos países ricos em florestas tropicais do mundo em
fóruns internacionais e, assim, ampliar sua influência global.
A Cúpula da Amazônia vai
reunir presidentes de pelo menos seis presidentes da região Amazônica e
políticos da República Democrática do Congo, da República do Congo, Indonésia,
Alemanha, Noruega, França e São Vicente e Granadinas. O foco da reunião deverá
ser obter uma posição coordenada desses países em fóruns e negociações
internacionais relacionadas à questão ambiental.
Cientistas alertam que, para
impedir os efeitos mais drásticos das mudanças climáticas, é fundamental parar
ou diminuir o desmatamento das florestas tropicais como a Amazônica. As florestas
são consideradas importantes para a manutenção do clima no planeta e, ao serem
desmatadas, liberam toneladas de CO2 na atmosfera, agravando ainda mais o
processo de mudança climática.
As primeiras indicações de que
Lula apostaria alto na pauta ambiental como parte da sua diplomacia
presidencial, no entanto, começaram antes mesmo de ele assumir o comando do
país pela terceira vez.
Em novembro de 2022, pouco
mais de duas semanas depois de vencer as eleições, ele discursou para uma
plateia de cientistas e lideranças políticas durante a 27ª
Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP27), em Sharm-el-Sheik, no Egito.
O evento discutia medidas para combater os efeitos das mudanças climáticas.
"Estou hoje aqui para
dizer que o Brasil está pronto para se juntar novamente aos esforços para a
construção de um planeta mais saudável [...] Por esse motivo, quero aproveitar
esta Conferência para anunciar que o combate à mudança climática terá o mais
alto perfil na estrutura do meu governo", disse Lula.
O discurso agradou parte da
comunidade científica internacional porque indicava uma mudança na política ambiental adotada durante o governo de seu
antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que ficou conhecida pelo
aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia.
Dias depois, em dezembro, Lula
fez mais um movimento: confirmou Marina Silva (Rede Sustentabilidade) como
ministra do Meio Ambiente de seu governo, reeditando uma parceria que existiu
durante os dois primeiros mandatos de Lula.
As apostas continuaram em
janeiro deste ano, já como presidente empossado. Lula lançou a candidatura de
Belém como sede da COP30, que será realizada em 2025. A ONU, organizadora da
conferência, ainda não anunciou se aceitou o pedido feito pelo Brasil.
"É importante que os
chefes de Estado e as pessoas que de fato valorizam o meio ambiente venham para
falar da Amazônia conhecendo a Amazônia”, disse Lula em um discurso em junho,
durante a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, organizada pelo governo
francês, em Paris.
Além desses movimentos, Lula
incorporou o tema ambiental em seus discursos durante a maior parte de suas
agendas internacionais.
Em diversas oportunidades, ele
defendeu que países ricos devem repassar recursos para países em
desenvolvimento como forma de financiar iniciativas para impedir o desmatamento
e lidar com as consequências das mudanças climáticas.
"Iremos fazer a COP30 em
um estado da Amazônia, para que todos vocês tenham a oportunidade de conhecerem
de perto o ecossistema da Amazônia [...] e responsabilizar os países ricos para
financiar os países em desenvolvimento que têm reservas florestais — porque não
foi o povo africano que poluiu o mundo; não é o povo latino-americano que
poluiu o mundo", disse Lula em outro evento em Paris, em junho deste ano.
Ao mesmo tempo em que se
movimentava em torno do assunto, parte da comunidade internacional passou a
prometer mais recursos.
Alemanha e Noruega, principais
doadores do Fundo Amazônia, anunciaram que fariam novos aportes. Em abril, foi
a vez dos Estados Unidos prometerem uma doação de US$ 500 milhões ao fundo, o
equivalente a aproximadamente R$ 2,5 bilhões. União Europeia e Reino Unido
também se comprometeram a fazer doações para o combate ao desmatamento da
Amazônia que totalizam em torno de mais R$ 607 milhões.
'Falar mais alto'
Especialistas ouvidos pela BBC
News Brasil avaliam que a aposta de Lula na pauta ambiental como forma de
alavancar a influência do país no mundo e se tornar um porta-voz de países
ricos em florestas tropicais é resultado tanto de uma espécie de "cálculo"
quanto de oportunidade.
"Existe uma posição
natural guardada para o Brasil neste cenário, pois temos 65% da Amazônia. A
novidade deste novo governo Lula é que houve um entendimento de que a pauta
ambiental é aquela na qual o Brasil consegue falar mais alto", afirmou o
secretário-executivo da organização não-governamental Observatório do Clima,
Márcio Astrini.
"Apesar de o governo ter
interesses em várias agendas, como a intenção de ter um assento permanente no
Conselho de Segurança da ONU e, mais recentemente, uma tentativa de
interlocução na guerra da Ucrânia, o presidente Lula sabe que a questão do meio
ambiente e clima é a pauta que realmente o alavanca no cenário
internacional", complementou Astrini.
Historicamente, Lula defende
uma expansão no número de assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU.
Hoje os assentos permanentes são ocupados pelos Estados Unidos, França, Reino
Unido, Rússia e China. O petista defende que mais países possam fazer parte do
grupo, inclusive o Brasil. A proposta, no entanto, encontra resistência e nunca
foi adotada.
Outra área na qual a política
externa brasileira vem acumulando críticas é a posição de Lula
em relação à Guerra na Ucrânia. Apesar de o Brasil condenar
oficialmente a invasão russa ao país europeu, Lula já deu declarações dizendo
que tanto o presidente russo Vladimir Putin quanto o presidente ucraniano,
Volodymyr Zelenski seriam responsáveis pelo conflito.
Lula também defende a criação
de uma espécie de "clube da paz" formado por países não envolvidos no
conflito para mediar conversas sobre o fim da guerra. A proposta não foi bem
recebida por países como os Estados Unidos, principal fornecedor de armas aos
ucranianos.
A diretora-executiva da
Plataforma Cipó, Maiara Folly, avalia que a aposta de Lula na pauta ambiental é
resultado de uma espécie de "vocação" do Brasil nesta área.
"A liderança brasileira
nessa área é natural porque o Brasil é o país mais biodiverso do mundo. Isso só
não nos dá o cacife necessário para liderar. A nova política externa está
fazendo um grande esforço para colocar o país como líder nessa área",
afirmou.
A diretora do Departamento de
Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Maria Angélica
Ikeda, afirmou que a cúpula desta semana é um exemplo de como o Brasil pretende
atuar na área ambiental.
"Só o fato de o presidente
(Lula) ter convocado a Cúpula da Amazônia antes mesmo de ter tomado posse
demonstra a importância que ele atribui à conservação e uso da biodiversidade.
Isso tudo mostra que o Brasil está interessado em se engajar com os demais
países nos fóruns que tratam desses assuntos. A cúpula é a melhor mostra
disso", afirmou a diplomata à BBC News Brasil.
Maiara Folly diz que uma das
estratégias do novo mandato de Lula para colocar o país como líder nessa área é
a tentativa de "unificar" as posições de países ricos em
biodiversidade não apenas da América do Sul, mas da África e da Ásia.
Isso explicaria, segundo
Folly, o convite feito pelo Brasil à República Democrática do Congo, República
do Congo e Indonésia à cúpula em Belém.
"Há um reconhecimento de
que esse é um problema não só da região Amazônica, mas global", disse
Folly.
Sem se colocar oficialmente
como "porta-voz" dos países ricos em florestas tropicais, Lula disse
esperar que a cúpula em Belém consiga unificar posições de conjunto de países.
"Esse encontro é
importante porque vai balizar a discussão que será levada à COP-28, no final do
ano, nos Emirados Árabes (Unidos)”, disse Lula em uma entrevista na semana
passada.
"O que queremos é dizer
ao mundo o que vamos fazer com as nossas florestas e o que o mundo tem que
fazer para nos ajudar, porque prometeram US$ 100 bilhões em 2009 e até hoje não
saiu", criticou o presidente, referindo-se ao compromisso assumido (e até
agora não cumprido) por países desenvolvidos de financiar mecanismos para
diminuir o desmatamento e mitigar efeitos das mudanças climáticas em países em
desenvolvimento.
Lastro e limites
da aposta
Para Márcio Astrini, um dos
principais lastros da aposta que Lula faz na pauta ambiental internacionalmente
pode ser, ao mesmo tempo, o seu limite: os resultados do Brasil no combate ao
desmatamento na Amazônia e outros biomas como o Cerrado.
"O principal fator se
chama resultado. Não adianta o presidente fazer discurso sobre preservação do
meio ambiente e o desmatamento no Brasil aumentar ou o Congresso Nacional
aprovar leis que são claramente contra a preservação ambiental", disse.
Pelo menos em relação à
Amazônia, o governo tem comemorado uma redução nas taxas de desmatamento. Em
julho, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou uma redução
de 34% nos alertas de desmatamento na Amazônia no primeiro semestre deste ano
na comparação com o primeiro semestre de 2022.
O governo divulgou que houve
uma queda de 7,4% nos alertas de desmatamento na Amazônia no período que vai de
agosto de 2022 a julho de 2023. A área de floresta derrubada no período que
engloba o último semestre do governo Bolsonaro e o primeiro de Lula foi de 7,9
mil quilômetros quadrados, a menor desde o intervalo entre 2018 e 2019.
No Cerrado, porém, houve
aumento de 16,5% nos alertas de desmatamento do bioma entre agosto de 2022 e
julho de 2023.
Astrini diz que os resultados
domésticos do Brasil e a possibilidade de unificar os países ricos em
biodiversidade poderão aumentar o cacife do país nas negociações internacionais
pelos recursos que os países ricos prometeram às nações em desenvolvimento.
"Uma coisa é você cobrar
dinheiro sem dizer o que vai fazer com ele. Outra coisa é cobrar e dizer que
sabe o que fazer e como vai usá-lo", afirmou o secretário-executivo do
Observatório do Clima.
Maiara Folly aponta outra
possível limitação da estratégia brasileira: a manutenção da aposta do Brasil
em combustíveis fósseis. Essa fonte de energia é vista como uma das principais
responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa que causam as mudanças
climáticas.
A Petrobras, estatal
controlada pelo governo, tem planos para explorar uma nova fronteira
exploratória de petróleo na área conhecida como Margem Equatorial, que vai do
litoral do Amapá à costa do Rio Grande do Norte. A área é classificada por
membros do governo como o "novo pré-sal".
Em maio, o Instituto
Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) negou um
pedido de licenciamento ambiental feito pela empresa para perfurar um poço na
costa do Amapá, na bacia sedimentar da Foz do Rio Amazonas. O órgão alegou
falhas no projeto enviado e falta de garantias de segurança em caso de
vazamento de óleo. A Petrobras defende que o projeto era adequado e recorreu da
decisão.
A exploração de novas fontes
de petróleo pelos países da região ganhou destaque em janeiro, quando o governo
da Colômbia anunciou que não daria mais autorizações para exploração de novas
frentes de petróleo.
Em julho, durante uma reunião
na cidade colombiana de Letícia, Petro discursou, ao lado de Lula, e indagou se
os países da região iriam continuar explorando petróleo na Amazônia. O Brasil
não sinaliza disposição de impedir a exploração de combustíveis fósseis na
região.
"Vamos permitir a
exploração de petróleo na Amazônia? Vamos entregar blocos para exploração? Isso
é gerar riqueza?", indagou Petro ao lado de Lula, que não respondeu.
Na Cúpula da Amazônia, há a
expectativa de que o assunto volte a ser debatido pelos presidentes e ministros
envolvidos.
Mayara Folly diz não acreditar
que haverá consenso sobre o tema em Belém.
"Não chegaremos a um consenso em Belém, mas temos que começar a dar passos nessa direção porque o planeta exige que a gente faça isso", afirmou.
(BBC)
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