Desde o fim de semana até essa terça-feira (15), centenas de ônibus chegaram ao Pavilhão do Parque da Cidade, trazendo as participantes da 7ª Marcha das Margaridas, coordenada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), pelas federações e sindicatos filiados e por 16 organizações parceiras.
Na mobilização
política, considerada a maior da América Latina pela Contag, mulheres de todas
as regiões do Brasil querem garantir
direitos, pôr fim às desigualdades de gênero, classe e étnico-raciais;
enfrentar a violência, que muitas vezes ameaças sua vida, e a opressão, simplesmente, por
serem mulheres. As pautas delas foram debatidas durante dois anos, em reuniões
regionais e nacionais que resultaram em documento divido em 13 eixos políticos.
A pauta da Marcha das Margarida 2023 foi entregue ao governo federal em junho.
Essas mulheres, no
entanto, têm suas próprias reivindicações. Por isso, deixam suas casas e
famílias, viajam dias de ônibus, dormem em colchonetes e redes em um grande
alojamento, tomam banho em banheiros coletivos.
A Agência Brasil ouviu histórias das margaridas,
que estão em Brasília para marchar e transformar. Conheça suas lutas.
Por que marcham as Margaridas?
A indígena Gracilda
Pereira, da etnia Atikum-Jurema, chegou de Petrolina, em Pernambuco, e cobra os
direitos de saúde e educação para a aldeia onde ela vive. “A nossa área da
saúde indígena é descoberta. Não temos agente de saúde, não tem médico.
Há duas indígenas com curso de
enfermagem e elas fazem os primeiros socorros. A unidade mais próxima, quando a
gente vai se consultar, é só para urgência. E há também a questão da
educação. Os alunos frequentam escolas no município, fora da aldeia. Há um
ônibus bem cedo que leva as crianças Tem pessoas também que não sabem ler, nem
escrever. São muitas questões, principalmente no
Vale do São Francisco.
Brasília (DF),
15/08/2023, Gracilda Pereira, indígena da Coelho, Aticum-Jurema
(Petrolina-Pernambuco), acampada no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade,
em Brasília, para a 7ª Marcha das Margaridas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência
Brasil - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Maria Nazaré
Moraes, de Belém, no Pará, é estreante na Marcha das Margaridas. Ela representa
uma central de seringueiros, extrativistas e pescadores das ilhas da capital
paraense. “É tanta coisa que já era para ter sido feita e até agora nada.
Regularização fundiária, uma delas. E para os pescadores, os direitos do seguro
defeso que não é dado para todo mundo. Por causa do local, nem todos têm direitos
porque não é a água salgada. E Maria, que está alojada em uma rede, entende que isso faz
parte da luta. “Enfrento qualquer situação. No chão, na rede, na cama, no mato.
É assim que a gente é”.
A lavradora e
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira Nova, em Sergipe,
Luciana Santos, marcha por mais direitos. “Por mais terra, por mais educação,
mais saúde e que as mulheres possam ter mais oportunidades. Infelizmente,
tivemos um retrocesso nos últimos quatro anos. Mas, agora,
com o governo Lula, que é da democracia, viemos lutar para reconstruir o Brasil
juntas, por tantos direitos e tantas perdas que tivemos.
Cherry Almeida é uma das lideranças do bloco afro Afoxé Filhas de Gandhy, com 44 anos de existência, em Salvador (BA). A baiana entende que a mobilização é extremamente importante para o empoderamento feminino. “A marcha é, acima de tudo, para a afirmação das mulheres no nosso lugar de poder nessa sociedade. Nós sabemos que as mulheres que estão aqui querem uma sociedade mais justa, mais igualitária, igualdade de oportunidade, querem espaços de poder nessa sociedade. Portanto, precisamos estar juntas, unidas, marchando com o único objetivo da transformação dessa sociedade. E essa marcha é a cara da mulher brasileira”, declara Cherry Almeida
A produtora de
eventos e trans Dávila Macarena Minaj, de 25 anos, veio com a mãe, uma
agricultora famíliar, de Acará, no Pará. Minaj revela que
teve um choque de cultura desde que chegou à capital federal, encontrou pessoas
de outros estados e entrou em estandes do pavilhão com diferentes temáticas.
Ela marcha por mais respeito à sua sexualidade. “A minha cidade é o lugar onde
mais sofro transfobia no mundo. Então, busco o direito de ser diferente e ter direitos iguais.”
Brasília (DF),
15/08/2023, Dávila Macarena Minaj, 25 anos (Acará/Pará), acampada no Pavilhão
de Exposições do Parque da Cidade, em Brasília, para a 7ª Marcha das
Margaridas. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil - Rafa
Neddermeyer/Agência Brasil
O pleito da
quebradeira de coco Domingas Aurélia Almeida dos Santos
em Timbiras, no Maranhão é continuar quebrando o fruto e fazer o beneficiamento dele
para garantir a renda da família. “É nosso
direito quebrar o coco, livre. As palmeiras estão acabando porque os donos que
compram as terras estão matando. E estamos ficando sem coco para quebrar,
porque não tem mais palmeira. Nós tiramos lá a palha do coco, o azeite, fazemos
sabonete e sabão, tiramos o leite do coco, tudo. Da casca, fazemos o carvão. E
o coco acabando fica difícil de sobreviver.
A criadora de
conteúdo digital e suplente de um parlamentar de Santa Catarina veio aprender
sobre feminismo para atuar melhor em defesa dos direitos femininos. “Vim para
me organizar, junto com outras mulheres, escutar as reivindicações das mulheres
do campo, das florestas, e saber o que está sendo organizado na América Latina.
Estar aqui, presente na marcha, escutar o que elas têm para reivindicar, estar
nas oficinas, ouvindo as palestras, tudo o que elas estão trazendo, é
extremamente importante pra gente fazer políticas públicas, que sejam
realistas”, diz a catarinense Sardá.
A agricultora Maria Francisca da Silva Alcântara parou os cuidados com a plantação de arroz e feijão, em Piranhas, Alagoas, para viajar a Brasília. No momento em que descia do ônibus, conversou com a reportagem da Agência Brasil. “Viemos buscar os projetos para as agricultoras que ficaram nas comunidades, para plantar as sementes sem orgânicos. É tudo sem veneno. Força, fé e coragem - essa é a receita para vencer batalhas.”
A bancária do
Paraná, filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), Eunice Myamoto,
caprichou nos adereços floridos para marchar com as margaridas. Em reunião, em
uma tenda, com outras representantes sindicais, Myamoto falou sobre a luta
feminina. “Vim ver todas as mulheres que estão aqui atrás desse sonho,
em busca de igualdade, dos direitos que temos. Está sendo lindo porque eu
vi a energia dessas mulheres Eu vi que a Margarida [Alves] deixou suas
semelhantes E estamos fazendo toda essa primavera em Brasília.”
Brasília (DF),
15/08/2023, Eunice Myamoto – bancária (Paraná), acampada no Pavilhão de
Exposições do Parque da Cidade, em Brasília, para a 7ª Marcha das Margaridas.
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil - Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
A moradora da
Ceilândia, no Distrito Federal, Elisa Cristina Rodrigues, faz parte da União da
Juventude Socialista. Aos 19 anos, a estudante lembra que muitas lideranças que
hoje estão à frente de entidades que defendem direitos sociais ou estão em
posto de comando, começaram em movimentos estudantis, nas décadas de 80.
“Quanto mais cedo você se engaja, mais vitórias tem. Dentro do movimento, a
gente conhece pessoas que passam por situações
muito diferentes. Então, acabamos tendo um olhar mais amplo. Ainda mais no
nosso país, que é muito desigual”.
A assentada rural
Alcimeire Rocha Morais trouxe o filho de José Pietro, de 6
anos, para conhecer a capital do país e lutar pelo direito à terra. “A gente
mora em assentamento. Ainda não tem a terra no nome, mas tem o círculo da terra
onde pode trabalhar, criar as coisas da gente, fazer a roça. Só que não temos
muita condição para cuidar da terra. Só plantamos as coisas boas e criamos os
bichos: galinha, porco. Isso”
Outra trabalhadora
do campo, Celeste Gonçalves Barros, de Cândido Mendes, no Maranhão, diz que em
sua marcha quer maquinário específico para a pequena produção rural. “Muitas pessoas param até de
plantar porque não há condição de trabalhar no braço pesado. Se viessem umas
máquinas para ajudar a gente seria muito bom. Só trabalhamos com machado, na
foice, no braçal mesmo. Se tivesse máquina, era só revirar a terra, fazer o
beneficiamento e plantar. Ficava mais fácil para a gente”.
Palmeirândia, no
Maranhão, é a terra de Ana Luísa Costa Lobato. Lá, ela é
diretora do Sindicado de Trabalhadores da Agricultura Familiar e valoriza o
diálogo do governo federal com a população do campo. “A gente tem esperança que
ele [Lula] mude o nosso país. Esse é o governo
que a gente colocou lá. E, desde o início, está dando para dialogar. É notório,
porque desde as entidades, os movimentos sociais, até com estrangeiros, vemos a
diferença do diálogo. E precisa tê-lo para pedir as coisas. Tem que ter
conversa”.
A extrativista de coco babaçu Maria José Alves Almeida, de Codó (MA), marcha para ter acesso ao crédito bancário. “A gente tem que ter crédito, pois não consegue acesso. Não temos carro, não temos terra. Trabalhamos no território aleiro. Então, isso nos atrapalha muito. Mas, é importante. É independência. Nesses nossos encontros, já descobrimos que temos uma maneira de acessar. Ainda estamos buscando o conhecimento para passar às companheiras, para que tenham acesso ao crédito do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar].
Essas mulheres
estão em marcha nesta quarta-feira, juntamente com mais de 100 mil margaridas
em direção à Esplanada dos Ministérios, em um trajeto de aproximadamente seis
quilômetros entre o Pavilhão do Parque da Cidade e o centro do Poder Executivo
Federal.
Às 10h30, haverá o
ato de encerramento da Marcha das Margaridas, com a presença do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e de ministros, em frente ao Congresso Nacional.
As margaridas
aguardam anúncios do governo que atendam à pauta de reivindicações da 7ª
edição do evento.
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