A indicação do Ministério da Saúde, por meio
do Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 2023, é que
a BCG seja aplicada nas primeiras 12 horas após o nascimento, ainda na maternidade,
em bebês de pelo menos 2 quilos. Os menores que isso devem esperar atingir esse
peso até receber a vacinação. Quando a vacina não é administrada na
maternidade, ela deve ser aplicada na primeira visita ao serviço de saúde.
O pediatra Renato Kfouri, presidente do
Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria
(SBP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), explica
que a recomendação de vacinar as crianças com a BCG ao nascer tem um motivo
técnico, porque os riscos de adoecer são imediatos, e esse prazo não deve ser
perdido pelos responsáveis.
"As vacinas são organizadas dentro de um
calendário em função de riscos. Não colocamos uma vacina no calendário da
criança contra uma doença que acomete adolescentes ou idosos. Você organiza o
calendário de maneira a cobrir a fase de maior risco de adoecimento. É
justamente no primeiro ano de vida, quando a criança tem imaturidade do sistema
imune, em que essas doenças são mais frequentes e mais graves, como pneumonia,
coqueluche, difteria, paralisia infantil, tétano, meningite. Essas vacinas
incluídas nas primeiras doses são para oferecer à criança maior proteção logo
após o nascimento."
Tuberculose
grave
A vacina previne contra formas graves da
tuberculose, especialmente a tuberculose disseminada e a meningite tuberculosa.
A doença é transmitida pela bactéria Mycobacterium
tuberculosis, mais conhecida como bacilo de Koch, em referência ao
cientista alemão que a descobriu no século 19.
A tuberculose é uma das mais antigas ameaças
de saúde pública identificadas pela ciência, já tendo sido chamada de tísica,
temida como a peste branca e até romantizada como causa da morte de poetas,
como Castro Alves e Noel Rosa, no caso do Brasil.
Apesar de a vacinação ter reduzido a
letalidade da tuberculose, a doença permanece presente no contexto nacional,
com 78 mil casos confirmados em 2022. Por isso, bebês não vacinados estão em
risco de se contaminar e desenvolver formas graves da doença.
"Infelizmente, a tuberculose ainda é endêmica
no Brasil, e precisamos oferecer uma vacina para as crianças o quanto antes,
antes de se expor ao bacilo da tuberculose. Por isso, devem ser vacinadas
imediatamente", reforça Kfouri.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima
que a BCG previna mais de 40 mil casos anuais de meningite tuberculosa. Mesmo
quando a vacina não consegue impedir que a criança tenha tuberculose, os casos
registrados são mais brandos. Em 2022, o Brasil contabilizou 2,7 mil casos de
tuberculose em menores de 15 anos, sendo que crianças de até 4 anos respondem
por 37% dessas notificações.
Marquinha
da BCG
Entre outros motivos, a vacina ficou famosa
por causar a "marquinha da BCG", que antigamente indicava que ela fez
efeito. Essa recomendação mudou, e a vacinação não precisa ser refeita caso não
ocorra a formação da cicatriz vacinal.
A Sociedade Brasileira de Imunizações explica
que a formação dessa cicatriz demora cerca de três meses (12 semanas), podendo
se prolongar por até seis meses (24 semanas). O processo começa com uma mancha
vermelha elevada no local da aplicação, evolui para pequena úlcera, que produz
secreção e cicatriza.
Eventos adversos considerados normais após a
vacinação com BCG são úlceras com mais de 1 centímetro ou que demoram muito a
cicatrizar, gânglios ou abscessos na pele e nas axilas, que chegam a 10% dos
vacinados.
Cobertura
baixa
A meta de cobertura da BCG é a menor do
Programa Nacional de Imunizações. Enquanto as doses contra a febre amarela
devem chegar a 100% do público-alvo, e as demais, a 95%, a vacina contra as
formas graves da tuberculose tem meta de 90% de cobertura nas crianças nascidas
em cada ano.
Mesmo assim, essa cobertura não foi atingida
nos anos de 2019, 2020 e 2021, o que pode ter criado um contingente de crianças
desprotegidas contra as formas graves da tuberculose.
Em 2022, a cobertura voltou a subir e chegou
à meta de 90%, mas o resultado nacional não foi homogêneo. Acre (80%), Roraima
(85%), Pará (83%), Maranhão (83%), Bahia (86%), Espírito Santo (63%), Rio de
Janeiro (76%), São Paulo (82%), Santa Catarina (85%), Mato Grosso do Sul (84%)
e Goiás (79%) não atingiram a meta.
História
de mais de um século
A vacina BCG (Bacilo Calmette-Guérin) começou
a ser desenvolvida em 1906, no Instituto Pasteur, em Paris, por Léon Charles
Albert Calmette (1863–1933) e Jean-Marie Camille Guérin (1872–1961). A
comprovação de que a vacina funcionava em humanos se deu apenas em 1921, 15
anos depois.
A chegada do imunizante ao Brasil foi em
1927, quando uma cepa da bactéria atenuada, a cepa Moreau, foi enviada pelo
Pasteur. Aqui, a BCG começou a ser produzida pela Liga Brasileira contra a
Tuberculose. Somente em 1941, porém, o recém-criado Serviço Nacional de
Tuberculose (SNT) passou a recomendar a BCG a todos os governos estaduais.
Na época, a forma de imunização ainda era
oral, por meio de gotinhas, e só em 1968 a vacina começou a ser substituída
pela forma intradérmica, aplicada com seringa.
Presente no Brasil desde antes de o PNI ter
sido criado, a BCG fez parte do primeiro calendário de vacinação infantil do
país, definido em 1978. Além dela, estavam incluídas nessa primeira
esquematização a proteção contra a varíola e as vacinas do primeiro ano de
vida: poliomielite; sarampo; e difteria, tétano e coqueluche.
De lá para cá, houve mudanças no esquema
vacinal da BCG, que alternou entre dose única e duas doses em diferentes
períodos. A última mudança foi o retorno à dose única, em 2006.
Fabricação
da vacina
A vacina BCG é um imunizante de vírus vivo
atenuado: isso significa que ela contém a própria bactéria causadora da
tuberculose, porém bem enfraquecida, de modo que não possa causar a doença.
Herdeira da Liga Brasileira contra a
Tuberculose, a Fundação Ataulfo de Paiva (FAP) é a única instituição que produz
a vacina BCG no Brasil, desde que a amostra do bacilo atenuado chegou da
França, há quase um século.
Entretanto, a fábrica da FAP, no bairro de
São Cristóvão, na zona norte do Rio, segue parada há mais de um ano após
interdição da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em
consequência disso, o Ministério da Saúde vem importando o imunizante por
meio do Fundo Rotatório da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Uma fábrica em Xerém, na cidade fluminense de
Duque de Caxias, chegou a ser planejada, mas a obra nunca foi concluída. Sem a
previsão de fábrica nova ou de liberação da planta antiga, a Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz) assinou um termo de manutenção com a FAP, para que ela possa
recuperar a capacidade e as condições de operação para a produção nacional da
vacina BCG.
Com esse acordo, o Instituto de Biologia
Molecular do Paraná (IBMP) e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos
(Bio-Manguinhos/Fiocruz) vão atuar em curto e médio prazo para adequar a
fábrica antiga e concluir a nova. O IBMP também se tornará mantenedor da
Fundação Ataulfo de Paiva (FAP), assumindo a responsabilidade por validar a
composição da diretoria e dos conselhos deliberativo e fiscal.
Para garantir a oferta da vacina, a Fiocruz
negocia com uma fábrica na cidade de Vigo, na Espanha, que teria condições
imediatas para operar a produção da vacina BCG da FAP. A BCG produzida na FAP,
ainda descendente da cepa vinda da França, é chamada de BCG Moreau Rio de Janeiro,
com certificação da OMS e da Anvisa. Por meio do acordo, essa fábrica espanhola
produziria essa mesma cepa, já certificada. Mesmo assim, será necessário que a
Anvisa realize a inspeção do novo local de fabricação com vistas à obtenção da
certificação de boas práticas. Caso todos os prazos e objetivos se concretizem,
a expectativa seria poder voltar a entregar vacinas a partir do segundo
semestre de 2024. (JB/Ag. Brasil)
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