Nascido em Laranjal Paulista (SP) em 1920
– mesmo ano de nascimento do poeta João Cabral de Melo Neto, da escritora
Clarice Lispector, do craque Heleno de Freitas e do ator Anselmo Duarte –,
Piveta viveu ao menos duas grandes aventuras brasileiras do século 20: a
participação na Segunda Guerra Mundial contra as forças do Eixo (Alemanha,
Itália e Japão), e a construção da nova capital federal.
Em setembro de 1942, um mês depois de o
Brasil entrar na guerra, Ermando Piveta foi chamado para prestar serviço
militar no 4º Regimento de Artilharia Montada do Exército, baseado em Itu (SP).
“Naquele tempo não tinha sorteamento. Era convocado”, lembra, em vídeo gravado
por sua filha Vivian Piveta e enviado à Agência
Brasil.
No ano seguinte, o expedicionário embarcou no
navio de passageiro e carga Almirante Alexandrino, que navegou do Rio de
Janeiro até Dakar (Senegal), para fazer treinamento no continente africano. Ele
atuou na guarda do litoral brasileiro em Fernando de Noronha, Pontal do
Cururipe (Alagoas), Natal e no Recife.
Já reformado como segundo-tenente do
Exército, Piveta trabalhou em 1958 na construção de Brasília fazendo transporte
de areia e cascalho. “Todo mundo falava: ‘Brasília, capital da esperança’.
Botei aquilo na cabeça e vim.” Em 1968, ele voltou para morar
definitivamente na cidade.
Em abril de 2020, o expedicionário e pioneiro
candango, então com 99 anos, ganhou as primeiras páginas dos jornais após
receber alta de uma internação de oito dias no Hospital das Forças Armadas
(HFA) por causa da covid-19. A receita dele para a boa saúde e longevidade é
simples:
“Não beber e não fumar. [Consumir] alimento
bom e sadio. [Ter] boa amizade com todo mundo e ganhar a alegria de todos.”
Longevidade
Centenários como Ermando Piveta representam
0,018% da população brasileira, ou 37.814 pessoas (27.244 mulheres e
10.570 homens) que cruzaram a linha de um século de vida. Os números na casa do
milhar parecem modestos diante do total de 203.080.756 habitantes, mas,
comparando as somas do Censo de 2010 e a contagem do Censo de 2022, o número de
“superidosos” cresceu 66,7% (15.138 pessoas a mais). O dado é indicador da
longevidade ascendente da população.
De acordo com o demógrafo Marcio Minamiguchi,
do IBGE, esses números podem parecer “curiosidades estatísticas”, uma vez que
“a probabilidade de chegar nessas idades extremas é pequena”. Mas, na sua
avaliação, o que é mais interessante é que “o fato de ter mais centenários está
associado à possibilidade de ter um número maior de pessoas com seus 60, 70, 80
e 90 anos”.
Raciocínio semelhante faz o secretário
nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos
e da Cidadania, Alexandre da Silva.
“A gente deve comemorar é que nós temos mais
pessoas chegando aos 100 anos. Isso quer dizer, indiretamente, que tem mais
pessoas chegando aos 95, aos 90, aos 85, aos 80. Ou seja, a longevidade cada
vez mais é uma constatação mais presente no nosso cotidiano.”
Para a pesquisadora Daniella Jinkings, mestre
pela London School of Economics and Political Science (LSE) com
dissertação sobre o cuidado dos idosos pelas famílias, os dados revelados são
positivos, mas “não estamos preparados para o envelhecimento. Nem a sociedade
brasileira, nem o Estado”, pondera em entrevista à Agência Brasil.
“Ainda cultuamos muito a juventude. As
pessoas se recusam a envelhecer, ou tratam o idosos de forma pejorativa,
colocam o idoso de escanteio como se a partir dos 60 anos fosse uma pessoa
completamente inútil. Temos que vencer essa questão cultural, temos que vencer
o desafio de integração, temos que reconhecer os idosos como sujeitos de
direito, como pessoas que têm condições de decidir sobre a sua própria vida. As
pessoas não querem envelhecer porque têm medo de se tornarem inúteis, serem
pessoas dependentes.”
Ainda no papel
Quanto à atuação do Estado e às políticas
públicas, o país avançou no reconhecimento legal de direitos, avalia Daniella
Jinkings. No entanto, ela assinala que “vários serviços que estão na Política
Nacional da Pessoa Idosa, reiterados no Estatuto da Pessoa Idosa, ainda não
saíram do papel". "Não temos serviços de cuidado domiciliar, temos
uma rede muito pequena de centros dia para pessoas idosas ou de instituições de
longa permanência. A integração entre as políticas intersetorialmente ainda é
difícil”, avalia.
A pesquisadora também destaca que o
envelhecimento populacional no Brasil é “bastante desigual".
"As pessoas com mais poder aquisitivo
têm expectativa de vida maior do que as pessoas em situação de
vulnerabilidade”, diz Daniella Jinkings.
O livro A
Pessoa Idosa na Cidade de São Paulo: Subsídios para a Defesa de Direitos e
Controle Social aponta que na maior cidade do país, por
exemplo, “observa-se que quanto mais precária a condição socioterritorial menor
a proporção de idosos com idade acima de 75 anos.” A publicação acrescenta que
“quanto mais vulnerável a população, maior sua concentração em territórios
cujas condições são mais precárias”. Publicado com apoio da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o livro está disponível na
internet.
Na obra, a análise sobre as desigualdades
territoriais apresenta as grandes diferenças de condição de vida entre os
idosos que residem em distritos centrais, como Moema e Jardim Paulista, “bem
mais providos de infraestrutura urbana e serviços”, e os que habitam a
periferia, como Brasilândia e Capão Redondo, “de urbanização mais precária.”
População menor
A média da expectativa de vida projetada em
2021 era de 77 anos – de 80,5 anos para mulheres e 73,6 anos para homens.
Esses resultados serão atualizados com as estatísticas do Censo 2022, que
deverão confirmar a tendência de envelhecimento, notada nas últimas décadas
quando além do aumento da longevidade ainda se observou a diminuição do
nascimento de bebês. A taxa de fecundidade (também em 2021) era de 1,76 filho
por mulher.
A previsão é que no futuro o Brasil terá mais
velhos do que crianças. Projeção publicada pelo Ministério da Fazenda -
feita pela analista técnica de políticas sociais Avelina Alves Lima
Neta – calcula que, em 2060, “para cada 100 pessoas entre 0 e 14 anos
teremos 206,2 idosos acima de 65 anos, ou seja, dois idosos nessa faixa etária
para cada uma criança ou adolescente (0-14).”
Bem antes disso, a população brasileira
começará a diminuir de tamanho por causa da redução da fecundidade. Um estudo do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), assinado pela técnica de planejamento
e pesquisa Ana Amélia Camarano, prevê que a população brasileira crescerá
até 2030, quando atingirá seu máximo em “aproximadamente 215 milhões.” A partir
daí, o desenho da curva se inverte, deixa de ser de crescimento populacional,
pois o número de brasileiros começa a diminuir e em 2040 chegará a cerca de 209
milhões, 6 milhões a menos do que na década anterior.
O mercado de trabalho e a Previdência Social
serão bastante impactados pelo envelhecimento e pela diminuição da população
durante a formação desses cenários. É possível que as pessoas permaneçam
trabalhando por mais tempo e que tenham que se tornar mais produtivas – gerar
mais valor naquilo que fazem, com menos recurso e/ou em menos tempo.
A análise do Ipea alerta que “aumentar a
produtividade do trabalho é condição fundamental para diminuir os efeitos da
redução populacional na competitividade da indústria e, por isso, ela deveria
ser um dos objetivos centrais das políticas que visem a aumentar a
competitividade e criar empregos". "O aumento da produtividade
poderia, também, minimizar a redução da massa salarial, que é resultado da
diminuição da força de trabalho, e melhorar a relação contribuinte/beneficiário
e as condições atuariais atuais do sistema previdenciário”, acrescenta.
O estudo evidencia que cuidar dos idosos vai
além da assistência social: “A manutenção do trabalhador na atividade
econômica por mais tempo requer políticas de inclusão digital, capacitação
continuada, saúde ocupacional, adaptações no local de trabalho, como cargos e
horários flexíveis, redução de preconceitos com relação ao trabalho do idoso,
melhoria no transporte público, entre outras.”
(Ag. Brasil)
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