O
documento, divulgado nesta quinta-feira (23), foi produzido pela Iniciativa
Negra, Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas e apoio do Núcleo
Especializado de Situação Carcerária (Nesc) da Defensoria Pública do Estado.
“Esse
desequilíbrio em uma atuação a partir de um estereótipo, do racismo
institucional ou estrutural, é uma questão que vai perpassando vários momentos
do processo e da acusação dessa pessoa. A partir dessa abordagem policial, que
diversos movimentos e pesquisadores têm questionado há muito tempo, [haverá] um
perfilamento que vai ser racializado e definir o público alvo prioritário de
abordagem policial. E vai ter como resultado também o desequilíbrio de
representação racial no judiciário brasileiro”, disse Juliana Borges,
coordenadora de articulação e incidência política da Iniciativa Negra.
Pessoas
negras correm mais risco de serem presas durante patrulhamento (56%) ou por
investigação de denúncia anônima (52%) por crimes relacionados à Lei de Drogas,
enquanto a maioria dos brancos é presa durante operações policiais (63%), o que
demonstra tratamento diferente por parte de policiais a pessoas negras e
pessoas brancas durante abordagens no estado de São Paulo.
Tal
diferença é relevante já que, para iniciar uma operação policial, deve haver
investigação prévia, levantamento de informações sobre o acusado, possível
acionamento da Polícia Civil, testemunhas, indícios e provas. O patrulhamento,
no entanto, pode considerar definições não objetivas sobre o que seria uma
atitude suspeita e ocorre em locais marcados como pontos de comércio de drogas.
“O
que percebemos é que a maioria das pessoas que estão sendo presas estavam com
uma quantidade ínfima de substância [ilegal]. E essas pessoas não são grandes
traficantes. Se a ideia do Estado é combater tráfico, essas ações policiais
precisam estar mais baseadas em investigação, inteligência, produção de dados,
evidências”, disse Borges.
No
entanto, ela afirma que o que se tem visto hoje é que as ações policiais estão
ligadas ao uso de patrulhamento ostensivo, que é baseado na leitura dos
policiais do que é ou não uma atitude suspeita. Segundo a pesquisa, resultam
muitas prisões arbitrárias de pessoas negras.
Polícia
Militar
A
Polícia Militar do estado é apontada em 80% dos processos por agressões no
momento da prisão; 66% dos relatos são de pessoas negras, ou seja, o dobro dos
33% informados por brancos. “As ações policiais são em sua maioria,
arbitrárias, violadoras de direitos e violentas, levando a altos índices de
letalidade entre as populações negras e os agentes de segurança pública, também
em sua maioria, pessoas negras”, diz o documento.
Segundo
a pesquisa, há uma estrutura judicial e um sistema penal historicamente
construído a partir de estatutos coloniais e escravocratas desde a abolição
inconclusa no Brasil.
O
sistema de justiça criminal, por sua vez, legitima e perpetua uma lógica de
encarceramento em massa que fortalece o crime organizado, impondo pessoas em
conflito com a justiça criminal a um processo de desumanização através do
cárcere, gerando consequências deletérias às famílias e comunidades negras e
aos territórios periféricos”, acrescenta o relatório.
Além
disso, a pesquisa apontou que justificativas consideradas frágeis dadas pelas
autoridades policiais durante a abertura do inquérito policial foram reforçadas
e corroboradas por juízes no momento da análise dos casos e execução da pena.
Em apenas 15 ocorrências foi confirmada a presença de testemunhas civis,
enquanto em 99 ocorrências, ou seja, em 87% dos casos, a única testemunha do
processo criminal é a própria autoridade responsável pela prisão.
No
estudo, foi observado um padrão de severidade adotado pelo judiciário nas penas
relacionadas à Lei de Drogas no estado, explicitado pela maioria de condenações
por tráfico privilegiado, que não é considerado crime hediondo pelo Código
Penal Brasileiro, mas que aparece em 33% dos processos equiparadas à crimes de
maior gravidade para justificar as penas em regime fechado e uma multa cumulada
de um a 200 dias multas, o que pode chegar a R$ 7.272,00.
O
relatório ressalta que, embora a Lei de Drogas não prevê a pena de prisão para
o usuário de substâncias consideradas ilícitas, a falta de critérios objetivos
para a distinção entre usuário e traficante, levou ao longo dos anos a um
aumento exponencial no encarceramento em massa no país.
Perfil
Os
dados apontam ainda que 54% das pessoas presas nos processos analisados eram
negras. A maior parte dos presos é jovem, sendo 58% com idade entre 18 e 21
anos, e não tem antecedentes criminais – 51% são réus primários.
Além
disso, 54% dos presos estavam desempregados no momento da prisão; 40% alegou
ter uma ocupação profissional e, destes, 65% realizavam serviços gerais ou
atuavam como técnicos de manutenção.
Sobre
a renda das pessoas encarceradas que declararam ter alguma ocupação remunerada,
28% tinham rendimentos acima de R$ 1.500, contra um total de 66% de pessoas que
não conseguiam chegar a este rendimento por mês. Cerca de 7% dos processos não
continham informações sobre a renda.
Quando
se compara o grau de escolaridade dos acusados, a vantagem é dos brancos, já
que 62% deles cursaram todo o ensino médio, enquanto só 39% dos negros
completaram essa etapa do ensino. A maioria das pessoas negras acusadas pela
Lei de Drogas no estado não chegou a completar o ensino fundamental — o
equivalente a 71% dos casos.
(Ag.
Brasil)
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