Entretanto, desde que começou a fazer a jornada noturna, passou a ganhar peso e a se sentir cada vez mais.
"Digo
que quem trabalha à noite não tem mais vida".
"Você
dorme sete horas durante o dia, mas o sono não rende igual o noturno".
Segundo
Claudia Moreno, pesquisadora do departamento de Saúde e Sociedade da
Universidade de São Paulo (USP), que estuda os impactos da jornada noturna na saúde do trabalhador, os efeitos que Simone sente em sua saúde por trabalhar à
noite não são incomuns.
"Assim
como a coruja é habituada com a noite, o ser humano é com o dia."
"Dormir
é essencial para a saúde, assim como beber água, comer e praticar atividade
física", diz a pesquisadora, que também é porta-voz da Associação
Brasileira do Sono (ABS).
Moreno
explica que o ciclo circadiano, sistema temporal interno do nosso
organismo chamado popularmente de relógio biológico, é alinhado com a
alternância entre o dia e a noite, o claro e o escuro.
Assim,
ao trabalhar à noite, ocorre uma inversão do padrão natural de atividade e
repouso.
Em
regra, explica a pesquisadora, essa inversão teria que ocorrer também com o
padrão de todas as funções do organismo, como a liberação de hormônios e as
enzimas que auxiliam na digestão.
A
questão é que a velocidade de ajuste ao "novo" horário não ocorre da
mesma forma para todas as funções do organismo.
"A
temperatura corporal, por exemplo, leva dias para alterar seu padrão, isto é, a
pessoa trabalha com a temperatura do corpo adequada para dormir e não para
exercer qualquer atividade", diz Moreno.
Consequências para a saúde
No
Brasil, estima-se que 10% dos trabalhadores atuem na jornada noturna.
O
último grande levantamento do tipo realizado, em 2016, pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que 6,9 milhões de
trabalhadores brasileiros trabalham nesta jornada.
Lais
Aparecida Marques, de 36 anos, é uma delas. Ela faz a cobrança em um pedágio do
trecho rodoviário da SP-255, em Itaí, no interior de São Paulo, e dá expediente
das 22h às 6h.
"No
começo, a dificuldade foi com a adaptação do sono e do meu corpo entender a
mudança do novo hábito", conta Lais.
"Tinha
a impressão de que o sono de dia era mais leve, menos profundo."
Isso
ocorre porque o sono diurno não é igual ao noturno: dorme-se menos
durante o dia e o sono é de pior qualidade, explica Moreno.
O
trabalho noturno também pode fazer com que um trabalhador não consiga dormir a
quantidade mínima de horas que o corpo exige. (Leia abaixo
sobre os direitos dos trabalhadores com carteira assinada que trabalham no
período noturno)
Segundo
Francisco Cortes Fernandes, presidente da Associação Nacional de Medicina do
Trabalho (ANAMT), uma pessoa adulta precisa de seis a oito horas de sono por
dia.
O
problema é que uma pessoa que trabalha à noite tende a dormir menos, visto que
a vida social "não trabalha à noite".
"A
pessoa que trabalhou a noite vai ficar acordada para levar o filho à escola ou
para fazer tarefas comuns do dia a dia”, aponta Ada Ávila Assunção, professora
de saúde pública da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Isso
gera menos horas de descanso e, consequentemente, cochilos involuntários, o
chamado sono inoportuno, sensação de cansaço e desânimo.
Além
disso, um trabalhador noturno dificilmente dorme tudo que precisa em um único
período e parcela o sono em duas ou mais ocasiões durante o dia.
"Com
isso, essa pessoa continuará com um débito de sono, que a longo prazo contribui
para o desenvolvimento de doenças, especialmente, as relacionadas com o próprio
sono, como a insônia, por exemplo", aponta Moreno.
Menos
sono, mais doenças
Pesquisadores
ouvidos pela BBC News Brasil apontam que trabalhadores noturnos correm mais
risco de sofrerem de doenças
cardiovasculares, distúrbios
gastrointestinais e metabólicos (diabetes tipo 2; síndrome metabólica); câncer (mama, próstata e colorretal);
problemas de saúde mental e relacionados à reprodução.
Segundo
Ada Ávila Assunção, professora de saúde pública da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), isso acontece devido o corpo enfrentar o paradoxo de ter
de funcionar quando está em baixa produção de elementos fundamentais para
aquelas funções.
"Para
se ter uma ideia, estudos mostram que enfermeiras que trabalham à noite durante
ao menos dois anos apresentam 81% mais risco de desenvolver hipertensão
arterial quando comparadas àquelas que trabalham durante o dia", ressalta
Assunção.
Outro
estudo realizado por pesquisadores franceses, publicado na revista científica
International Journal of Cancer, mostrou que mulheres que trabalham em jornada
noturna também apresentam mais chances de desenvolver câncer de mama.
A
explicação é que a iluminação artificial do período noturno pode afetar o
funcionamento da glândula pineal, responsável pela produção de melatonina, e
reduzir a produção desse hormônio.
Isso
porque a melatonina, que tem um papel crucial em regular o ciclo de sono, é
fabricada pelo organismo na ausência de luz.
"Por
sua vez, a supressão da melatonina aumenta a produção de estrogênio. Quando
esse hormônio aumenta, a chance de câncer de mama aumenta também", explica
Moreno.
Esse
efeito é ainda mais intenso em trabalhadoras noturnas que enfrentam situações
estressantes, segundo o estudo.
"Nessas
situações, são produzidas substâncias nocivas que tem a ver com a geração de
células cancerígenas”, explica Ada.
No
Brasil, uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo (USP) também
revelou que profissionais de saúde noturnos têm risco aumentado de sofrerem de
sobrepeso ou obesidade.
De
acordo com o estudo, horários irregulares das refeições combinado com
dessincronização do ciclo circadiano, privação do sono e sedentarismo
contribuem para o maior risco.
Moreno
acrescenta ainda que mulheres grávidas não devem trabalhar mais de um turno
noturno por semana para reduzir o risco de aborto espontâneo.
Em
busca de qualidade de vida, a motorista de aplicativo Simone resolveu mudar sua
rotina para diminuir a quantidade de horas trabalhadas na madrugada. Agora, começa
às 14h e para às 2h.
"É
uma forma que encontrei de conseguir dormir mais à noite e voltar a fazer
coisas que gostava", diz ela.
"Antes,
minha vida era somente trabalhar e dormir".
Quais são
os direitos do trabalhador noturno?
No
Brasil, a legislação trabalhista proíbe que menores de 18 anos trabalhem em
jornadas noturnas, que vão das 22h às 5h.
"Essa
medida visa garantir não somente a segurança, como o desenvolvimento saudável
dos menores", diz Mauricio Nahas Borges, advogado e membro da Comissão da
Advocacia Trabalhista da OAB-SP.
Borges
explica ainda que o trabalhador noturno tem direito a receber um acréscimo de
até 20% no valor pago pela hora trabalhada, o chamado adicional noturno.
Além
disso, se o empregado iniciar sua jornada às 22h de um dia e tiver esta jornada
estendida para o período diurno, ou seja, após às 5h, o adicional noturno deve
ser pago para todas as horas daquela jornada.
Outra
diferença é a hora reduzida. Enquanto a hora normal do trabalhador diurno dura
60 minutos, a hora noturna, segundo a lei, nas atividades urbanas, é computada
como sendo de 52 minutos e 30 segundos.
Isso
significa que, na prática, ao final de uma jornada de oito horas, por exemplo,
o trabalhador vai receber por nove horas trabalhadas, acrescidas do adicional
de 20%.
Segundo
Francisco Cortes Fernandes, da ANAMT, essas regras trabalhistas visam mitigar
os impactos da jornada noturna na saúde do empregado.
"Além
dessas medidas, também é importante evitar jornadas de trabalho noturnas
prolongadas e mais de três turnos noturnos consecutivos", alerta
Fernandes.
(Fonte:
BBC)
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