Para
os cristãos, estas narrativas contêm “a verdade”.
Contudo, é de se imaginar
que não foram as únicas versões sobre a vida de Jesus que circularam na
Antiguidade. E que, se os evangelhos canônicos se atêm basicamente sobre a vida
adulta e a morte — e o episódio da chamada ressurreição —, outros textos também
se ocuparam em preencher lacunas a respeito daquele personagem que, nos
primeiros séculos da nossa era, começava a se tornar um mito, famoso e
conhecido a ponto de fazer nascer, a partir de suas histórias, uma nova
religião:: o cristianismo.
Chamados de apócrifos,
esses relatos que não foram incluídos no cânone oficial da Igreja sempre
despertaram a curiosidade de religiosos, pesquisadores e historiadores.
E a própria relação da Igreja
Católica com esses textos também mudou: se no início sua leitura era
malvista, tida até mesmo como uma postura herética, hoje se entende que esses
textos enriquecem a experiência da fé — e se não são considerados “a verdade”,
ao menos contêm elementos preciosos sobre a vida daqueles primeiros cristãos,
os que se ocupavam em assentar as ideias e histórias de Jesus nas comunidades
que passaram a seguir essa então nova religião.
“Os evangelhos
apócrifos e quase toda a literatura apócrifa do Segundo Testamento [o Novo
Testamento] exerceram fascínio e despertaram curiosidade nos cristãos, desde a
sua origem, com a visão alternativa dos grupos opositores ao cristianismo
apostólico que, aos poucos, ia se tornando hegemônico”, comenta à BBC News
Brasil o frade franciscano Jacir de Freitas Faria, membro da Associação
Brasileira de Pesquisa Bíblica (Abib), e autor de seis livros sobre os
apócrifos.
Faria estudou o tema em seu doutorado,
realizado na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte, e
mantém um canal no YouTube sobre o assunto.
Segundo ele, o
cristianismo popular devocional nos primeiros séculos “bebeu da vasta fonte
apócrifa complementar aos textos canônicos”.
“A influência dos apócrifos do Segundo
Testamento foi, e continua sendo, objeto de estudo de muitos pesquisadores, os quais
procuram entender os motivos da rejeição e da aceitação desses escritos ao
longo da história do cristianismo”, acrescenta.
A própria terminologia já é carregada de
juízo de valor. “Apócrifo” vem do grego e significa “coisas escondidas”.
“A importância dos apócrifos dependeu de
condicionamentos históricos na vida da Igreja e do modo como ela entendeu a
literatura apócrifa”, diz Faria.
Para o teólogo e cientista da religião
Marcelo da Silva Carneiro, pesquisador do cristianismo primitivo e professor na
Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), é preciso situar os apócrifos como
“material elaborado a partir da cultura popular cristã primitiva, que registra
elementos não comentados ou registrados nos textos que depois foram
canonizados”.
“A não aceitação [pela Igreja] está ligada a
questões como a origem do documento não estar ligada a um apóstolo, ou ser de
origem de grupos rivais dos ‘pais da Igreja’, ou por transmitir ideias que
foram percebidas como desviantes daquelas que foram colocadas nos textos
canonizados”, explica Carneiro, à BBC News Brasil.
Quando o bispo Eusébio de Cesareia (265-339)
resolveu fazer aquela que é considerada a primeira tentativa de organização dos
textos cristãos que circulavam, ele classificou alguns como canônicos,
inspirados, e opôs a eles os que considerou heréticos ou apócrifos —
entendendo-os como “não confiáveis para a Igreja”, nas palavras de Faria.
“O substantivo apócrifo tornou-se sinônimo de
mentiroso”, contextualiza o frade franciscano.
“O grande público e a maioria dos cristãos
não conhecem o conteúdo desses textos pelo fato de a Igreja ter ensinado que
eles fazem parte da literatura que se opôs ao cristianismo que se tornou
hegemônico, sendo escritos após os textos canônicos. Tudo isso levou os
cristãos a olharem os apócrifos com preconceito, sustentando a premissa de que
são falsos, heréticos, fantasiosos e, portanto, não são critérios para a
fundamentação do Jesus histórico”, acrescenta.
Na introdução do livro Evangelhos Apócrifos - Gregos e
Latinos, uma edição traduzida e comentada pelo professor Frederico
Lourenço, da Universidade de Coimbra, ele questiona por que “o termo ‘apócrifo’
evoca, de imediato, os sentidos pejorativos de ‘falso’ e de ‘herético’?”.
Lourenço prossegue afirmando que, de certo, é
“porque se projetou nele um juízo de valor acerca de textos cristãos não
canônicos, tidos como falsificações atentatórias da ortodoxia”.
Professor na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e pesquisador do cristianismo primitivo, o historiador André
Leonardo Chevitarese defende que é melhor evitar usar o termo apócrifo “porque,
de alguma forma, isso é uma maneira de jogar uma sombra sobre as boas-novas que
não entraram no corpus do Novo Testamento e, ao mesmo tempo, lançar luz sobre
aqueles quatro evangelhos que fazem parte do Novo Testamento”.
“Tudo é literatura antiga cristã, então
[nesse contexto] não existe apócrifo, não existe texto canônico. O que existe
são literaturas produzidas por autores cristãos”, argumenta ele, à BBC News
Brasil.
“Esses evangelhos que não entraram no corpus
do Novo Testamento falam sobre experiências reais e concretas, de como ao menos
o autor do texto via e experimentava o que era o cristianismo. Esse é o ponto
central”, diz ele.
“O corpus [ou seja, os livros canônicos, que
acabaram eternizados pela Bíblia] não foi algo natural. Foi uma criação das
elites cristãs no final do século 4º, início do 5º, e dali por diante”, afirma
Chevitarese.
Quantidade é incerta — e mais podem
ser descobertos
Ainda hoje fragmentos de textos considerados
apócrifos acabam sendo descobertos por arqueólogos em escavações ou mesmo
historiadores que se dedicam a decifrar textos antigos arquivados em
bibliotecas pelo mundo. E, claro, uma infinidade de obras deve ter sido escrita
e seus registros se perdido completamente, sem que chegassem aos tempos atuais.
“Há uma lista muito extensa de livros
apócrifos. Centenas, dependendo de como se os conta”, comenta à BBC News Brasil
o teólogo, filósofo e jornalista Domingos Zamagna, professor na Pontifícia
Universidade de São Paulo (PUC-SP) e na Faculdade São Bento.
“Chegaram até nós nos idiomas latim, grego
siríaco, copta, armênio, georgiano, paleoeslavo e etiópico antigo”, diz ele.
Zamagna conta que “há manuais que elencam 113
livros apócrifos, 52 do Antigo Testamento e 61 do Novo, certamente serão
encontrados ainda outros”.
“Ao longo de mais de mil anos [do século 2
a.C ao século 10 d.C], muitos livros considerados apócrifos foram escritos,
sobretudo nos três primeiros séculos do cristianismo”, contextualiza o
religioso Faria.
“A lista dos livros apócrifos é grande. São
em torno de 52 livros que dizem respeito ao Primeiro Testamento [o Antigo
Testamento] e 128 ao Segundo Testamento, totalizando 180, computando livros e
fragmentos encontrados.”
O especialista pontua que mais de 30 deles
foram escritos nos 2 primeiros séculos de nossa era.
“Na minha próxima obra sobre o tema, estarão
traduzidos a maioria deles”, conta. — a previsão é de que o livro saia em
agosto deste ano.
Dentre esses textos, o cientista da religião
Carneiro lembra que ao menos 15 são evangelhos — ou seja, narrativas que
procuram compreender de Jesus.
“Apenas alguns foram preservados de forma
completa, como o Evangelho de Tomé. Muitos outros tiveram o manuscrito
corrompido ou foram encontrados apenas fragmentos, como é o caso do Evangelho
Sobre a Infância de Jesus”, acrescenta.
Lacunas preenchidas
Lourenço escreve que parte dos evangelhos
apócrifos dedicou-se à alegada “revelação de ditos que Jesus teria proferido em
contexto privado, tendo como únicos ouvintes os 12 apóstolos e Maria Madalena”.
Outros buscaram “dar resposta à curiosidade
dos cristãos sobre a biografia de Jesus”, incluindo aí sua infância e
adolescência — períodos não contemplados por Marcos e João e pouquíssimo
abordados por Lucas e Mateus.
“A descoberta dos livros apócrifos é um mundo
novo que se abre para muitos judeus e cristãos. Adentrar nessa literatura não é
fácil”, pontua Faria.
“Os apócrifos do Primeiro Testamento
procuraram discutir questões judaicas como a predestinação, o destino dos
pagãos, a salvação e o juízo de Deus em relação ao ser humano”, diz ele.
Como os evangelhos canônicos negligenciaram
muitos aspectos da biografia de Jesus, há textos apócrifos que procuram suprir
as lacunas, com tais informações tendo sido possivelmente inventadas no segundo
século.
Pesquisador associado da Hagiography Society,
nos Estados Unidos, o estudioso de textos antigos Thiago Maerki destaca à BBC
News Brasil que “alguns elementos em que a Igreja acredita atualmente surgiram
da leitura de textos apócrifos”. Exemplos são o dogma da virgindade de Maria e
a narrativa de sua assunção aos céus.
“A Igreja não pode ignorar. São textos
antigos que remontam uma tradição antiga da Igreja. São registros de crenças e
tradições daqueles cristãos do início do cristianismo, que muitas vezes estavam
à parte do ensinamento oficial”, comenta ele.
Outra história cujos detalhes só aparecem em
texto apócrifo é a de José, o carpinteiro que teria sido o pai humano de Jesus.
“Há um evangelho que conta o que teria acontecido com ele e como havia sido o
relacionamento entre os dois”, descreve à BBC News Brasil o teólogo e
historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
“Parece-me que a preocupação desses
evangelhos era cobrir pontos obscuros da vida de Jesus”, pontua o professor.
“A análise interna do material não canônico
[…] pode evidenciar sua dependência das tradições conhecidas como canônicas, em
relação às quais tende a explicar, a seu modo, o que nas narrações sobre Jesus
não ficava claro, o que a nível popular parecesse pouco claro”, comenta à BBC
News Brasil o padre barnabita Giovanni Rizzi, professor emérito da Pontifícia
Universidade Urbaniana, em Roma.
“Provavelmente se trata de elaborações
lendárias, sem real fundamento histórico, mas com a intenção de responder a
necessidades populares concretas”, diz ele.
Um exemplo é como o episódio da ressurreição
de Jesus é narrado no Evangelho de Pedro.
“Enquanto nos textos canônicos nunca se
descreve o momento da ressurreição de Jesus no seu sepulcro, neste não canônico
se fala do terremoto, do estupor dos guardas e de Jesus que sai ressuscitado ao
lado de dois anjos, com o estandarte da cruz”, comenta o padre Rizzi.
“A iconografia acolhida em nossas
igrejas recorre facilmente a essas imagens não canônicas para dizer algo sobre
o momento da ressurreição”, pontua Rizzi. “Representações iconográficas da
anunciação do anjo a Maria são outras tantas elaborações baseadas em textos não
canônicos.”
O padre explica que “a elaboração não
canônica tenta conciliar dados diferentes das tradições cristãs em um único
relato imagético”.
Outro ponto interessante é que os evangelhos
da Bíblia mencionam “irmãos” de Jesus — hoje isso costuma ser interpretado na
realidade como “parentes”, como primos, membros do mesmo clã familiar.
“Nos evangelhos não canônicos sobre a
infância de Jesus, pensou-se em resolver a questão da virgindade de Maria, a
mãe de Jesus, elaborando uma explicação de que José, quando se casou com Maria,
já era bastante velho e, viúvo, teria vários filhos e filhas de um casamento
anterior”, acrescenta Rizzi.
E, assim, “mesmo sem aprovação eclesiástica”,
como frisa o teólogo Zamagna, os escritos apócrifos sobreviveram — justamente
porque trouxeram respostas a questões que passaram a circular entre os
primeiros cristãos.
“Serviram para cultivar algumas
religiosidades populares e fornecerem algumas informações, como os nomes dos
pais de Maria, Joaquim e Ana; os pormenores do nascimento de Jesus numa gruta,
com a presença de um boi e um jumento; o número e os nomes dos magos; o nome do
soldado romano que perfurou com a lança o lado de Cristo; elementos para a
iconografia cristã”, enumera o teólogo.
“Os apócrifos cristãos procuram preencher
lacunas sobre a vida de Jesus e seus seguidores, sejam de forma complementar,
aberrante ou alternativa em relação aos canônicos, ainda que tenham recebido
influências de cristianismos gnósticos”, diz Faria se referindo à doutrina religiosa
dos primeiros séculos da Igreja que mistura aspectos do cristianismo com
judaísmo e algumas crenças orientais vigentes na região.
Ele classifica os apócrifos do Novo
Testamento em três grupos. Os aberrantes são aqueles que exageram nas descrições
de Jesus e seus seguidores. Os complementares trazem informações adicionais aos
textos canônicos, “demonstrando que havia outras formas de pregação e
catequese, sendo que algumas foram compiladas nos apócrifos, outras se
mantiveram na oralidade”. E os alternativos, que traziam narrativas não
compatíveis com o cristianismo que se tornou status quo.
“Os apócrifos resgatam a face dos
cristianismos perdidos ou excluídos, possibilitando-nos o conhecimento dessas
correntes de pensamento condenadas ao ostracismo, nas quais poderiam estar
traços do pensamento de Jesus que foram aplastados pelo cristianismo que se
tornou hegemônico”, destaca Faria.
“Os apócrifos do Novo Testamento revelam a
luta desenfreada pelo poder, nos primórdios do cristianismo, entre suas
lideranças. Nesse sentido, os apócrifos, sobretudo os gnósticos, evidenciam o
papel, a liderança da mulher na era apostólica”, exemplifica ele.
Nesse quesito, Maria Madalena é o melhor
exemplo. “Em dois livros de minha autoria sobre o evangelho de Maria Madalena
ressalto a importância dela e sua relação com Pedro, no que se refere ao poder
de liderança apostólica. Ela não aparece como prostituta nesse evangelho e
tampouco nos evangelhos canônicos. No apócrifo ela é mestra e detentora dos
ensinamentos do mestre”, salienta.
“As mulheres nesses materiais sempre têm um
forte protagonismo, colocadas como líderes e até apóstolas”, complementa
Carneiro.
O historiador Chevitarese também destaca a
importância da narrativa desse evangelho, como um “bom exemplo acerca das
tensões que gravitavam em torno dos papéis de liderança nos movimentos de Jesus
sem Jesus ao longo dos três primeiros séculos”.
Outro texto que ele comenta é o o chamado
Evangelho de Judas, que dá um significado diferente ao episódio da traição do
apóstolo.
“Eles abordam a figura de Judas com Jesus o
convencendo de que ele precisava agir, precisava matar o corpo de Jesus para
liberar sua alma, o seu espírito. É uma nova roupagem que mostra que havia,
para algumas comunidades, o problema de um discípulo ter traído Jesus”, analisa
Chevitarese.
“Os apócrifos poderão eventualmente servir para
completar aspectos da cultura, dos mitos, dos alcances e limites das diversas e
longas épocas em que foi escrita e transmitida a Bíblia”, avalia o teólogo
Zamagna.
“O fato desses materiais não terem sido
oficialmente canonizados não tirou deles o efeito de manter as tradições ricas.
Muitas coisas que os cristãos hoje pensam e creem vêm de textos apócrifos, e
não dos canônicos”, afirma Carneiro.
Um exemplo que ele lembra é a afirmação de
que os apóstolos Paulo e Pedro morreram em Roma. “[Isso] só pode ser explicado
pelos apócrifos, que registram suas mortes”, destaca.
“Os canônicos nada falam da morte deles.
Coisas assim são colocadas à parte, e não se fala nelas”, ressalta.
“Sobre Jesus, o que se fala são consideradas
lendas, mas se compararmos com os textos canônicos, quando lidos com frieza e
distância, não são muito diferentes. Logo, podem ter origem em situações
concretas”, diz Carneiro.
Críticas e controvérsias
“Popularmente falando, apócrifo ou
pseudoepígrafo designa um texto não autêntico, porque é de origem suspeita,
duvidosa”, ressalta Zamagna.
“O termo tem decididamente um sentido
negativo atualmente”, acrescenta.
“A Igreja Católica, há até bem poucas décadas,
impedia aos leigos o acesso dos apócrifos. Eu, quando comecei a publicar sobre
os apócrifos, em 2003, tive resistência por parte de vários bispos”, conta
Faria. “Hoje, é mais tranquilo.”
O cientista da religião Carneiro relata que a
“Igreja Cristã” — ainda não denominada Católica — quando chegou às esferas do
poder em Roma, “decidiu proibir toda essa literatura”.
“Muita coisa foi queimada e perdida”,
lamenta. “E, claro, os seguidores dessas tendências foram todos declarados
hereges, em especial nos movimentos onde mulheres tinham mais espaço de poder”,
diz ele.
“Em diferentes momentos da história, a Igreja
chegou a condenar quem usava esses textos”, afirma à BBC News Brasil o
vaticanista Filipe Domingues, vice-diretor do Lay Centre, em Roma, e professor
na Pontifícia Universidade Gregoriana, também em Roma.
“A difusão desses textos nunca foi
recomendada porque havia um medo de criar confusão. Mas agora, recentemente, há
uma abertura mais científica a esses textos”, complementa.
O teólogo Moraes lembra que tais narrativas,
em sua maioria, começaram a circular no século 2.
“Elas vão brotando e se consolidando. Vai
haver basicamente quase 400 anos para que a Igreja tenha um mínimo de
unanimidade em relação aos que deveriam ser canônicos e aqueles não aceitos”,
contextualiza.
Ao longo da história do cristianismo sempre
houve posicionamentos contrários e a favor do uso desses textos.
Ireneu de Lion (130-202), o Santo Irineu, foi
um dos primeiros críticos. Segundo Zamagna, ele argumentava que tais livros
continham “muitos erros”, intencionalmente “introduzidos para impressionar e
confundir os simples”.
Primeiro tradutor dos textos da Bíblia para o
latim, o teólogo Euségio Sofrônio Jerônimo (347-420), São Jerônimo, foi uma
evidente voz contra tais textos. “Defendeu que pouco se podia usufruir da
literatura apócrifa. Para ele, essa literatura era um delírio”, comenta Faria.
Outro santo, o teólogo e filósofo Agostinho
de Hipona (354-430), tinha opinião diferente. “Ele reconheceu certo valor nos apócrifos”,
diz o frade franciscano.
A organização do cânone da Bíblia remonta a
essa época, século 4. Foi quando aqueles considerados “pais da Igreja” foram
determinando o que era “livro inspirado” e o que não deveria ser adotado como
“a verdade”.
O período foi de discussões intensas entre os
líderes do cristianismo. “Havia uma agitação entre os membros daquele
cristianismo primitivo. O debate fez com que alguns dos primeiros padres da
Igreja escrevessem a respeito. Um deles disse que ‘muitos tentaram escrever o
Evangelho: a Igreja possui quatro, as seitas antigas possuíam numerosíssimos’”,
conta Maerki.
Hoje, o acesso aos apócrifos não é condenado
pelo Vaticano. Zamagna lembra, contudo, que “a Igreja não incentivou nem
incentiva a sua leitura fora do âmbito dos estudos especializados”.
“Atualmente, o pensamento da Igreja é que há
coisas importantes nesses textos, embora nem tudo o que esteja ali, segundo a
Igreja, seja ‘verdade de fé’. Hoje, certamente, a Igreja não proíbe esses
livros”, avalia Maerki.
Moraes destaca que a literatura apócrifa
“ajuda a compreender mais e melhor como o cristianismo se articulava em seu
momento inicial”, tendo um “valor inestimável”.
Para o professor Lourenço, a leitura desses
“textos marginalizados nos deixa vislumbrar o modo fascinante e diferenciado
como as várias gerações de cristãos entenderam e veneraram a figura de Jesus”.
“Interpreta-se hoje, na Igreja, que esses
textos são documentos históricos, embora o que esteja ali não é entendido como
‘verdade’, já que do ponto de vista religioso entende-se que os evangelhos
canônicos foram ‘revelados por Deus aos autores’. Mas reconhece-se o valor
cultural e a necessidade de se olhar historicamente.
“A principal relevância desse material é
entender a pluralidade do protocristianismo, quando ainda não era uma
instituição papal. Isso tem reverberação para os dias atuais”, acrescenta o
cientista da religião Carneiro.
Padre Rizzi comenta ainda que estudiosos
contemporâneos valorizam tanto a literatura judaica quanto a cristão não
canônica.
“Porque tais textos refletem concepções,
mesmo que parciais, mas ainda assim interessantes, para se entender o
desenvolvimento das várias formas de judaísmo e cristianismo”, destaca.
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