Nos
dois últimos encontros do G20 (na Indonésia, em 2022, e na Índia, em 2023), por
exemplo, a resolução sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia figurou como uma
preocupação da declaração dos líderes.
Os
ataques israelenses a Gaza e os conflitos entre os militares de Israel e
do partido político Hezbollah, do Líbano, que têm afetado as populações civis
palestinas e libanesas, ainda não tinham se iniciado na cúpula da Índia,
realizada em setembro do ano passado. No encontro de líderes deste ano, no Rio
de Janeiro, os conflitos internacionais devem continuar recebendo atenção do
grupo.
“O
G20 reúne as maiores economias do mundo, que são direta ou indiretamente
impactadas pelas guerras e conflitos armados em curso. É muito provável que
questões como a guerra da Ucrânia, o conflito israelo-palestino, as operações
militares [de Israel] no sul do Líbano, o tensionamento das relações entre
Israel e Irã sejam discutidos no G20”, afirma o coordenador do Grupo de
Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (Geesi) da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Augusto Teixeira.
Ele
destaca ainda que é possível que outras disputas internacionais com potencial
de se transformar em conflitos armados sejam tratadas, como a controvérsia
entre Egito e Etiópia em torno de recursos hídricos do Rio Nilo e o risco de
uma guerra envolvendo China e Taiwan, ilha cuja soberania é reconhecida apenas
por poucas nações e que a China considera parte de seu território.
Para
a professora de geopolítica da Escola Superior de Guerra Mariana
Kalil, como o G20 envolve países com interesses diversos, as declarações
de líderes do grupo costumam tratar de assuntos mais espinhosos, como as
guerras, de forma “sempre muito balanceada”.
“[A
declaração] costuma abordar temas complicados, temas que não são consensuais,
mas costuma fazer concessões a posições nacionais. Assim foi abordada a questão
da guerra da Ucrânia nas últimas duas declarações de líderes”, explica Mariana.
Ressaltando
que o G20 não é um fórum voltado para debater questões de segurança, a
professora da ESG acredita que, na declaração de líderes, deverão constar
condenações a ações terroristas e aos deslocamentos forçados, assuntos que
surgem à tona quando se trata do conflito entre Israel e o grupo palestino
Hamas.
Segundo
Teixeira, os países-sede das reuniões de cúpula costumam buscar um protagonismo
na discussão. E o Brasil, como sede e presidente rotativo do grupo, tem buscado
o diálogo para resolver os conflitos internacionais, como a guerra entre Rússia
e Ucrânia e os confrontos envolvendo Israel.
“A
cúpula do G20 é um momento de protagonismo do país que a sedia. Ao fazer esse
protagonismo, o país tem duas coisas. De um lado, a oportunidade de holofote,
de demonstrar liderança na construção de uma agenda comum. Da mesma forma que
permite que esse país exerça algum grau de poder e influência em relação a
temas de caráter global ou que afetem a ordem global”, destaca o professor.
No
entanto, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, deixou claro, no
início de novembro, que o G20 não deverá discutir o conflito entre Rússia e
Ucrânia, uma vez que o presidente russo, Vladimir Putin, não virá ao Rio, e o
ucraniano Volodymyr Zelensky não foi convidado para participar desta edição da
cúpula.
Reforma
da ONU
Uma
das propostas do Brasil, como presidente do G20, é reformar o sistema de
governança global, ampliando o Conselho de Segurança da Organização das Nações
Unidas (ONU) para garantir mais representatividade internacional e aumentando
as interações do conselho com a Assembleia Geral da ONU.
Em
setembro deste ano, os ministros de Relações Exteriores do G20 divulgaram um
documento em que se comprometem a ampliar o conselho e também fortalecer o
papel da Assembleia Geral “inclusive em questões relativas à manutenção da paz
e da segurança internacionais, através de uma interação melhorada e
intensificada com o Conselho de Segurança”.
Outro
compromisso dos chanceleres do G20 é fortalecer a Comissão de Construção da Paz
da ONU de formar a garantir que ela tenha um “papel aprimorado em lidar de
forma proativa com as causas e fatores subjacentes aos conflitos e na
mobilização de apoio político e financeiro para a prevenção nacional,
sustentando os esforços de paz e de consolidação da paz”.
Apesar
de os chanceleres do G20 apoiarem um aumento de representatividade no Conselho
de Segurança da ONU, o professor Augusto Teixeira acredita ser difícil que os
cinco atuais membros (que também integram o G20) abram mão do poder que têm no
conselho.
“O
Conselho de Segurança é a única instância nas relações internacionais
autorizada a permitir o uso da força militar legal. Então é o órgão mais
importante da paz e da segurança internacional. A questão é como seria
essa reforma, porque isso seria um caso de cessão de poder por parte das
grandes potências para outros países. E isso não acontece de forma pacífica nas
relações internacionais”, diz o professor da UFPB, ressaltando que tanto o
conselho quanto outras instâncias de governança global têm sido enfraquecidos e
enfrentam uma crise nos últimos anos.
Mariana
Kalil acredita que o apoio à reforma do Conselho de Segurança e de outros
órgãos de governança global seja citado apenas superficialmente.
“O
Brasil vai trabalhar na ideia de que existe um consenso relacionado à
necessidade de se ter maior representatividade nos foros multilaterais,
inclusive no Conselho de Segurança. A forma como isso vai se dar é uma questão
que não pertence necessariamente ao G20. Acredito que haverá uma declaração a
respeito da necessidade da democratização desses foros para que fiquem mais
funcionais e mais verossímeis em relação à realidade contemporânea. Mas os
detalhes de como isso vai ser feito devem ser evitados [na declaração do
G20]”, afirma a professora da ESG.
Para
o professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB)
Antonio Jorge Ramalho da Rocha, assuntos como as guerras e a governança global
devem ser tratados na cúpula, mas a margem de manobra do G20 nessas
questões é estreita.
“O
G20 não tem mandato para promover a governança global. Trata-se de um fórum em
que os representantes dos Estados dialogam mais livremente entre si e com
representantes da sociedade, concertam posições que serão levadas às
organizações internacionais. O G20, assim como o Brics, vem ganhando relevância
devido ao esvaziamento das instâncias formais. Ele pode desempenhar um papel
construtivo nesse sentido, o que vem ocorrendo sob a presidência do Brasil, mas
sua margem de manobra é estreita”, destaca.
(Ag.
Brasil)
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