No entanto, não deve trazer grandes mudanças para as relações bilaterais especificamente, segundo o especialista em relações Brasil-EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da universidade Berea College, no Estado americano do Kentucky.
Em
entrevista à BBC News Brasil, Poggio afirma que o desempenho de Trump,
que venceu a democrata Kamala Harris na disputa pela Casa Branca na eleição de
terça-feira (5/11), mostra "o fortalecimento de um certo modo de se fazer
política, de uma certa corrente ideológica".
Há
expectativa de que o desempenho do republicano energize movimentos de direita
ao redor do mundo.
No
Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030, é
admirador de Trump, e o resultado da eleição americana pode motivar setores do
bolsonarismo.
Mas
Poggio afirma que isso não deve ter grande impacto nas próximas eleições
presidenciais brasileiras.
"Uma
lição clara das eleições americanas é que a questão econômica é central.
Qualquer outro elemento deixa de ser importante quando a questão econômica se
torna central", afirma.
Relações
com Brasil e América Latina
A América Latina em
geral, e o Brasil em particular, não figuram na lista de prioridades dos
Estados Unidos e isso não deve mudar com o novo governo Trump.
"A
América Latina [só] é prioridade americana ligada à agenda da imigração.
Qualquer questão além disso não é prioridade nem dos democratas nem dos
republicanos", ressalta Poggio.
"Acho
que não tem grandes mudanças [na relação Brasil-EUA]", afirma.
"Historicamente,
a relação Brasil-EUA tem uma certa estabilidade, com algumas pequenas
alterações de rota, mas não mudanças expressivas."
Segundo
Poggio, a principal mudança com o novo governo Trump é que os EUA deixam
"definitivamente" para trás a proposta de construção de uma ordem
internacional, construída logo após a Segunda Guerra Mundial.
Com
o republicano, na visão de Poggio, será um país mais isolacionista,
nacionalista e protecionista.
"Sabemos,
por exemplo, que os europeus vão ter que se reorganizar, sem poder contar mais
com a ajuda americana, que prova ser não muito confiável", diz. "A
questão vai ser como outros países, como o Brasil, também vão se
organizar."
Poggio
salienta que as iniciativas de caráter global, que requerem cooperação entre
países, não devem mais contar com a presença dos EUA.
"Acho
que vamos ter uma reorganização dessas iniciativas todas, sem a presença
americana. E a questão é quem vai tomar a frente deste processo", diz.
O
analista vê um desmonte da liderança americana e de uma ordem internacional que
era liderada, patrocinada e sustentada pelos Estados Unidos.
"Temos
essa transformação, que é importante. Esses temas globais todos não afetam
apenas a relação Brasil-EUA."
Poggio
observa que pode aumentar o racha que já existe no Mercosul, diante da relação
de Trump com o presidente argentino, Javier Milei.
"Mas
isso deve ser mais por questões internas, de comportamento do que por alguma
política específica do governo Trump", prevê. "É curioso, porque
Milei é um libertário,
Trump é um protecionista."
"É
óbvio que há um fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma
certa corrente ideológica", afirma. "A prova de que o eleitor, de
fato não, liga muito para caráter ou estilo político ou bons modos quando
outras questões estão em jogo."
Lula
e Bolsonaro
O
analista acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "cometeu
um erro ao dar palpite na eleição americana".
Poucos
dias antes da votação, Lula declarou apoio à democrata Kamala Harris e criticou
Trump em entrevista à emissora francesa TF1+.
"Nós
vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo
aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados
Unidos", disse Lula.
No
entanto, para Poggio, após a confirmação da vitória de Trump, o presidente
brasileiro rapidamente tomou "a atitude correta" de parabenizar o
republicano.
"Acho
que isso é uma boa sinalização de que vai se buscar uma política externa menos
focada na relação entre pessoas e indivíduos", afirma Poggio.
"O
grande erro do governo Bolsonaro foi achar que uma boa relação com Trump se
traduziria em uma boa relação com os EUA."
Para
Poggio, "é uma lembrança de que a política externa deve ser feita com o
cérebro, e não com o coração".
O
analista lembra que a primeira vitória de Trump, em 2016, "abriu caminho
para uma série de cópias" e que "algumas delas se comprovaram
bem-sucedidas, outras nem tanto".
Poggio
destaca que esse novo estilo de fazer política, consagrado com Trump, inclui a
defesa de algumas pautas específicas, principalmente a questão do nacionalismo
e uma resistência ao processo de globalização, seja econômica ou cultural.
"É
um estilo que deixa de lado qualquer indício de civilidade. A civilidade deixa
de ser importante como um processo central na política. A espetacularização da
política torna-se mais importante do que qualquer tipo de bons modos",
opina.
Poggio
salienta que a vitória de Trump pode motivar a base do bolsonarismo, mas não
acredita que isso terá impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras
que, assim como ocorreu nos EUA, devem ter como questão principal a economia.
"A
percepção do americano de que a economia vai mal foi decisiva para a derrota de
Kamala Harris", diz, ressaltando o destaque para o custo de vida.
"Seja por dados concretos ou pela própria falta de comunicação do Partido
Democrata."
Para
o analista, esta é a "lição fundamental dessas eleições
norte-americanas".
"Se
o Brasil estiver indo bem economicamente, isso favorece o governo. Se não
estiver indo bem, não favorece."
(Fonte:
BBC)
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