Uma combinação que terá
efeitos negativos no curto prazo para a economia do Brasil, que deve
se preparar para enfrentar um ciclo de dólar mais alto e possível redução das
exportações para seu segundo maior parceiro comercial.
Entre
as propostas de Trump que suscitam maior preocupação entre especialistas está o
aumento generalizado das tarifas de importação praticadas pelos EUA, de 10% a
20% para todos os seus parceiros comerciais, de 60% para produtos da China, tratada
como inimiga na retórica trumpista, e sobretaxas de mais de 100% em
circunstâncias específicas.
O
republicano argumentou durante a campanha que o tarifaço incentivaria as
empresas a produzirem mais nos Estados Unidos e a criar empregos no país.
A
maioria dos especialistas discorda. Em uma consulta realizada pelo jornal
americano The Wall Street Journal com 39 economistas, todos desaprovaram a
medida, a única posição unânime diante de uma lista de
propostas polêmicas das candidaturas tanto do republicano quanto de sua
adversária derrotada, a democrata Kamala Harris.
O
protecionismo tarifário, como é chamado no jargão econômico, "ou vira
inflação ou vira redução de demanda", pontua o professor aposentado da
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo (FEA-USP) e economista-chefe do Banco Fator José Francisco de Lima
Gonçalves.
Ele
explica com um exemplo ilustrativo da China. Os americanos ou não fabricam ou
têm capacidade reduzida para produzir o que importam do país asiático.
Se
de uma hora para outra esses importados forem sobretaxados, o consumidor
americano ou vai topar pagar mais caro para ter acesso ao produto de qualquer
forma (o que os economistas chamam de demanda pouco elástica), ou vai deixar de
comprar porque acha que ele ficou caro demais, com impacto na redução do
consumo.
Nesse
último caso, a consequência para os parceiros comerciais, como o Brasil, é
direta: diminuição do volume de exportações.
Para
os produtos cuja demanda é menos elástica, o aumento na tarifa tende a ser
repassado para os preços, o que tende a alimentar a inflação.
A
alta nos índices de preços, por sua vez, costuma ser seguida por aumentos nas
taxas de juros pelo Federal Reserve (FED), o banco central americano, movimento
que fortalece o dólar.
"Os
EUA provavelmente vão ter uma inflação bem pior e, portanto, os juros vão ficar
lá em cima por mais tempo, o dólar vai ficar mais forte por mais tempo. Essa eu
acho que vai ser a grande dificuldade para o Brasil", opina o
economista-chefe do Banco Fator.
Steven
Kamin, pesquisador sênior do centro de pesquisa American Enterprise Institute,
reflete sobre um cenário alternativo: a imposição de tarifas elevadas também
pode levar a um grande aumento da incerteza e criar disrupções que podem
esfriar a atividade econômica americana e levar o FED a reduzir juros, em vez
de aumentar.
"Esse
não é o cenário mais provável agora, mas foi o que aconteceu em 2019", ele
ressalta, referindo-se ao primeiro governo Trump.
Fazia
um ano que o republicano havia dado início a uma guerra comercial com a China,
e o temor de que o aumento de tarifas pudesse prejudicar a atividade levou o
banco central americano a cortar juros em três ocasiões na segunda metade do
ano.
"Mas
esse cenário alternativo tampouco seria positivo para a América Latina",
ressalva o especialista. "Porque significaria uma desaceleração da
economia dos EUA e talvez até da economia global", completa.
Nesse
sentido, o professor titular aposentado da PUC-RJ e economista-chefe da Genial
Investimentos. José Márcio Camargo, chama atenção para uma possível
desaceleração econômica também da China, o maior parceiro comercial do Brasil.
Os
EUA são um dos principais destinos das exportações chinesas. Uma redução da
corrente de comércio entre os dois países poderia, por exemplo, diminuir a
demanda chinesa por commodities - que são, por sua vez, a principal categoria
das exportações brasileiras para o país asiático.
A
queda nos preços de commodities é, aliás, o cenário-base com o qual o
economista-sênior para América Latina Tim Hunter trabalha.
Uma
possível consequência positiva para o Brasil de uma guerra comercial em larga
escala entre China e Estados Unidos seria uma diminuição das compras chinesas
de soja dos Estados Unidos (atrás apenas do Brasil em volumes de exportação do
produto) o que abriria oportunidades para aumento de vendas brasileiras.
Logicamente,
o maior volume das exportações poderia não ser suficiente para compensar uma
brusca queda de preços da commodity.
Em
relatório enviado a clientes pouco antes da eleição, ele destacou que caso o
governo Trump materialize de fato uma guerra comercial, os preços de itens como
carvão, cobre, alumínio, ferro e soja tenderiam a cair.
Para
além do tarifaço, a proposta de deportação de milhões de imigrantes sem
documentos também é destacada pelos economistas ouvidos pela BBC News Brasil
como tendo potencial para prejudicar a economia americana e impactar
negativamente outros países.
Essa
mão de obra, argumenta Steven Kamin, é hoje a base de setores como a construção
e diversos segmentos de serviços, especialmente os que pagam menores salários.
A
redução dessa força de trabalho, além de criar um problema para essas
indústrias no curto prazo, alimentaria mais inflação - o que, em última
instância, pode significar dólar mais caro para o Brasil.
Os
especialistas ressaltam que a dimensão do impacto da agenda Trump vai depender
do que o presidente eleito colocar de fato em prática e como os países afetados
vão reagir.
Quantos
milhões de migrantes seriam de fato deportados? Vai haver aumento generalizado
de tarifas, com uma alíquota semelhante para todos os setores, ou alguns
segmentos vão ser mais taxados do que outros? Como a China vai responder?
(Fonte:
BBC)
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