Na
sequência, ele seguirá ao Rio, onde participará do encontro de líderes do G20 e se
encontrará com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em
termos práticos, porém, a viagem representará pouco para a floresta e para quem
vive nela.
A
visita amazônica deve ser um desfecho simbólico para um enredo de desacertos na
pauta ambiental e climática entre Lula e
Biden.
Brasileiros
e americanos, no entanto, concordam que a relação acabou salva pela atitude
assertiva de Washington na defesa à democracia no Brasil durante e depois das
eleições de 2022.
Quanto
à Amazônia, o acúmulo de frustrações é evidente. O mandatário americano
prometeu muito para o bioma - inclusive quando era ainda apenas candidato -
entregou quase nada e, a dois meses de deixar a Casa Branca, já
não tem muito mais a oferecer além de fotos e apertos de mãos.
Expectativa
x realidade
Ainda
em sua campanha para a presidência em 2020, Biden deixou claro que o combate
às mudanças
climáticas seria um tema central em sua gestão. E usou episódios de
graves incêndios na Amazônia meses antes para alavancar sua imagem de líder
ambiental internacional.
"Eu
começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20
bilhões [R$ 116 bilhões] para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a
Amazônia", prometeu Biden durante um debate televisivo com Donald Trump. À
ocasião, a manifestação gerou mal-estar no governo de Jair Bolsonaro, alinhado
a Trump.
No
poder, Biden destacou seu Enviado Climático, o ex-secretário de Estado John
Kerry, para negociar com o governo brasileiro avanços na preservação ambiental
no país em troca de recursos financeiros. A Kerry interessava mostrar
resultados que a gestão Biden queria obter rapidamente, para mostrar que os EUA
ainda tinham condições de liderar o mundo no assunto.
Já o
governo Bolsonaro queria que os americanos se comprometessem a destinar US$ 1
bilhão (R$ 5,8 bilhões) por ano à Amazônia brasileira de saída, sem que o
Brasil apresentasse resultados de redução de desmatamento de antemão. As
negociações, do lado brasileiro, ficavam a cargo do então ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles.
Enquanto
prometia empenho no trabalho de proteção ambiental aos americanos, o governo
federal cortava o orçamento dos órgãos de fiscalização dos biomas.
Com
o passar das semanas, entre os democratas criou-se a percepção de que Kerry
estava “sendo passado para trás” pelos bolsonaristas, tanto assim que ele
chegou a ser chamado a uma sessão no Congresso
para se explicar aos próprios democratas sobre o avanço das
negociações.
Mas,
na prática, embora as conversas com Kerry tenham se seguido até o fim do
governo Bolsonaro, nenhum dinheiro jamais foi liberado nesse período.
Lula
se elegeu prometendo promover o oposto da agenda de Bolsonaro em relação ao
meio ambiente e superou uma ruptura política histórica com Marina Silva para
instalá-la em seu Ministério do Meio Ambiente. Marina goza de alta reputação no
assunto com os americanos.
Então,
quando a gestão Biden pressionou por uma visita ainda nos primeiros três meses
de governo, em 2023, antes do embarque de Lula para a China, Brasília
entendeu que Washington cumpriria suas promessas de verbas, especialmente para
o Fundo Amazônia, recém reativado. Antes mesmo que Lula tomasse posse, ainda na
Cúpula do Clima do Egito, à qual o presidente eleito compareceu, os americanos
sinalizaram com a intenção de efetuar os repasses.
O
encontro, no entanto, foi planejado às pressas para o começo de fevereiro
daquele ano e quando os americanos revelaram suas intenções, eles tinham apenas
US$50 milhões para aportar no Fundo Amazônia.
O
valor foi enviado ao Brasil com um montante inicial
de US$3 milhões em dezembro de 2023, e o restante, US$47
milhões, em agosto de 2024.
Diplomatas
americanos disseram que este era apenas um “gesto inicial”, “unilateral”, “de
boa vontade” e confiança no trabalho que a gestão Lula viria a desenvolver, mas
que mais dinheiro viria na sequência. As autoridades do Brasil e dos EUA
acordaram então, que o valor, tido pelos brasileiros como “simbólico”, sequer
seria mencionado no comunicado conjunto dos dois países.
Em
abril de 2023, Biden pareceu cumprir sua promessa: anunciou que os americanos
pretendiam remeter US$ 500 milhões (R$ 2,9 bilhões) ao Fundo Amazônia,
divididos em cinco anos. Mas, na verdade, o envio dos recursos dependia de
aprovação do Congresso.
Com
a Câmara dos Representantes tendo maioria republicana, sempre foi remota a
possibilidade de que o dinheiro realmente desembarcasse na Amazônia.
Em
2023, durante as discussões do Orçamento do Executivo americano, a BBC News
Brasil procurou o Representante Mario Díaz-Balart, relator dos gastos com
política externa, para consultar sobre a possibilidade de que o Fundo Amazônia
fosse incluído na peça.
“Sinceramente,
nem sei de que fundo você está falando”, respondeu Díaz-Balart. O orçamento
aprovado não previu um centavo para o Fundo Amazônia.
“Agora
com a vitória de Trump, sabemos que as questões de meio ambiente estão fora do
jogo. É remoto que vejamos qualquer dinheiro para o Fundo Amazônia”, afirmou à
BBC News Brasil um embaixador brasileiro com conhecimento direto das
negociações.
Recentemente,
uma equipe de diplomatas do país interpelou o senador republicano Lindsey
Graham sobre o Fundo Amazônia. Ouviu dele que votaria a favor porque Graham é
caçador por hobby e precisa de animais vivos para poder caçar. Foi uma das
respostas mais positivas obtidas na base trumpista sobre o assunto.
A
expectativa dos brasileiros é que a proteção do meio ambiente acabe sendo um
efeito colateral positivo de políticas que devem interessar à administração
Trump.
Foi
durante o primeiro mandato do republicano que os dois países lançaram o US
Brazil Energy Forum, que deve se manter em funcionamento agora.
“Eles
estão interessados em coisas com viabilidade econômica alta e no domínio das
tecnologias de energia renovável, até para disputar com a China. Então há
interesses nessas áreas de hidrogênio verde, energia solar, baterias de lítio,
etc”, disse o mesmo embaixador.
Os
democratas nutriam a expectativa de “refundar” a relação ambiental com o Brasil
em um possível governo Kamala Harris e especulavam que ela usaria a viagem para
a COP-30, em Belém, no ano que vem, para anunciar grandes e concretas parcerias
binacionais. Trump atropelou os planos com sua acachapante vitória eleitoral.
Enão há no governo brasileiro qualquer expectativa de que Trump compareça à COP
do Brasil.
Legado
pessoal de Biden
Oficialmente,
o Departamento de Estado defendeu que o plano de Biden ir à Amazônia já estava
traçado antes da derrota democrata nas urnas e que a manutenção da agenda
apenas reforça o compromisso que ele sempre teve com o tema.
No
plano original, Lula levaria o americano a um tour semelhante ao do líder
francês Emmanuel
Macron, o que não se concretizou porque Lula reduziu as viagens depois de
um acidente doméstico.
Mas
ao menos quatro diplomatas brasileiros e democratas ouvidos reservadamente pela
BBC News Brasil, concordaram que a vinda de Biden à Amazônia no apagar das
luzes de seu mandato é o que os americanos costumam chamar de “too little, too
late”, “muito pouco, muito tarde”, na tradução literal.
Para
estas fontes americanas, a fotografia na floresta e a marca de ser o único
presidente em exercício dos EUA a ter estado ali são adições importantes para o
legado pessoal de Biden e para a construção de sua imagem em contraponto à de
seu antecessor, e agora também sucessor, Donald Trump, um negacionista das
mudanças climáticas cujo mote de campanha foi “Drill, baby, drill”, algo como
“perfure, baby, perfure”, sobre aumentar a exploração de petróleo do país.
Algo
que o Conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sullivan, também indicou
em uma breve manifestação nesta quarta, 13, ao comentar a viagem.
“O
presidente viajará para o Brasil e começará com uma parada histórica na
Amazônia para reforçar o seu compromisso pessoal e o compromisso contínuo dos
EUA em todos os níveis de governo e em todo o nosso setor privado e sociedade
civil para combater as mudanças climáticas no país e no exterior. E esta tem
sido, obviamente, uma das causas definidoras da presidência do Presidente
Biden”, disse Sullivan.
Domesticamente,
Biden tem avanços a mostrar no tema por ter aprovado o maior pacote da história
americana para impulsionar investimentos em transição energética e meio
ambiente (US$ 145,4 bilhões, aproximadamente R$ 843,32 bilhões), o Inflation
Reduction Act (IRA), e por ter criado a inédita figura de Enviado Climático da
gestão, que coube a Kerry.
Agora,
sua gestão corre para empenhar o montante do IRA ainda não usado antes que
Trump ocupe o salão oval, em 20 de janeiro de 2025. O republicano já disse que
pretende cancelar o que for possível de tais gastos.
Internacionalmente,
porém, a iniciativa mais visível de Biden foi o retorno ao Acordo Climático de
Paris. “Essa foi a única contribuição real dos americanos no assunto nos
últimos tempos. E Trump deve mais uma vez retirar os americanos disso”, avalia
um diplomata brasileiro em missão nos EUA, que acompanha a política americana
de perto.
Nenhum
dos profissionais da diplomacia brasileira ouvidos pela reportagem nutria
grande expectativa sobre qualquer possível anúncio que Biden possa fazer nesta
passagem por solo brasileiro. Até porque qualquer decisão pode ser desfeita em
pouco mais de 60 dias.
No
jargão político, a atual situação de Biden, um presidente ainda na cadeira com
sucessor político já eleito, é conhecida como “pato manco”. No caso de Biden,
seu sucessor é um opositor que promete o oposto do que o democrata pregava.
“Honestamente,
a viagem à Amazônia não faz muito sentido pra mim, não há agenda nenhuma a
salvar até porque já nada do que ele fizer importa. Existe pato manco e existe
O pato manco. Biden é deste último tipo”, afirmou, em caráter reservado, um
democrata especialista em América Latina e com vasta experiência no
Departamento de Estado e na Casa Branca.
(Fonte:
BBC)
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