Naquele
dia, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) recorda-se que estava em sua casa em São
Luís, depois de ter ido à Assembleia de Deus, onde atua como professora de
escola bíblica dominical, quando viu uma mensagem em grupo de Whatsapp com
imagens de destruição em Brasília.
“Eu
falei: gente, isso aqui não pode ser verdade. Isso é uma montagem, não é
verdade”, contou ao programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil.
“Eu
fiquei estarrecida. Levei minutos para acreditar no que estava vendo”, diz, se
recordando da multidão subindo a rampa do Congresso Nacional, quebrando vidros
do prédio e ocupando um pedaço do Senado Federal, onde cumpre mandato há cinco
anos.
O
impacto foi revivido quando, na segunda-feira seguinte (9), de volta de São
Luís, Eliziane Gama encontrou “um ambiente desolador, de guerra” no Senado.
“Parecia um filme de terror: o prédio totalmente escuro, o chão totalmente
molhado, as vidraças destruídas. Você não conseguia caminhar dentro do
Congresso Nacional.”
Ainda
pasmada com a voracidade destrutiva dos invasores, a senadora revela que a
possibilidade de distúrbio ainda que absurda estava no horizonte.
“O
que ocorreu era algo que a gente vigiava, que a gente dizia que não pode
acontecer, mas a gente nunca parou para pensar e dizer que isso vai acontecer.”
Na
opinião de Eliziane Gama, que foi relatora da CPMI do 8 de janeiro, tudo que se
viu foi semeado durante anos por Jair Bolsonaro quando ocupava a Presidência da
República (2019-2022) e atentava contra a democracia.
“Ele
questionava o processo da eleição, colocava em xeque a vulnerabilidade da urna
eletrônica. Então, essa coisa de criar uma instabilidade do processo
democrático, ele automaticamente criou um colchão de condições para que o
movimento mais extremista brasileiro chegasse ao que nós acompanhamos no 8 de
janeiro.”
Assinatura
de Bolsonaro
O 8 de janeiro tornou-se uma data na qual as pessoas costumam lembrar onde
estava, e o que estavam fazendo quando receberam a notícia de impacto, como
aconteceu nas transmissões do primeiro pouso do homem na lua (1969), do
acidente fatal de Ayrton Senna (1994) ou do choque dos aviões contra as Torres
Gêmeas do World Trade Center, em Nova York (2001).
Como
aconteceu com a senadora, a jornalista e escritora Bianca Santana lembra-se
vivamente onde estava quando soube dos incidentes: tinha aterrissado em
Brasília, vindo de São Paulo, naquela tarde de domingo. Ainda estava no avião
quando começou a receber mensagens no celular indagando sobre se tinha chegado
bem.
Curiosa,
começou a pesquisar no aparelho o que estava acontecendo. Uma amiga a buscou no
aeroporto da capital federal e a levou direto para casa.
“A
gente decidiu ficar recolhida. Nem saiu para comer.”
Para
Bianca Santana, a intentona que viu inicialmente pela tela do celular “tinha
uma assinatura muito forte”. Ela rememora que Jair Bolsonaro instigou a
balbúrdia, esvaziando a credibilidade do sistema de votação. “Ele anunciou
inúmeras vezes que não aceitaria o resultado das urnas”. Para ela, o
ex-presidente “o tempo todo colocou em xeque a confiança da população no
processo eleitoral. Isso já é um processo de tentativa de golpe”.
A
jornalista Juliana Dal Piva, autora do livro "O negócio do Jair: a
história proibida do clã Bolsonaro", avalia que o ex-presidente “criou uma
narrativa em cima de uma mentira e foi intensificando essa mentira” com o
passar do tempo, especialmente nos dois últimos anos de mandato, e apesar da
disseminação de falsidades, ”se recusava a admitir que ele não tinha prova”.
Ela lembra que Bolsonaro “foi eleito e reeleito [para] vários mandatos como
deputado federal [total de seis mandatos] e como presidente da República pelo
sistema eletrônico de votação“.
Golpe
encenado
Atos contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva eram esperados pelo senador
Randolfe Rodrigues (PT-AP).
“Eu
sabia que eles não aceitariam pacificamente o resultado das eleições de 30 de
outubro de 2022. Eu tinha consciência disso. Então, para mim, não foi
surpresa.”
Ele,
no entanto, admite o estarrecimento com a falta de iniciativa das forças de
segurança para proteger os prédios públicos.
“O
que eu não esperava era a negligência coordenada e organizada para permitir que
eles acessassem as sedes dos Três Poderes - os terroristas daquele dia. Mas
quando eu os vi invadindo o Congresso Nacional, o meu sentimento naquele
momento é que tinha um golpe de Estado em curso.”
Randolfe
Rodrigues, que é formado em História, diz que temeu um desfecho semelhante ao
do Chile nos anos 1970, quando o presidente Salvador Allende foi cercado no
Palácio de La Moneda pelas tropas lideradas pelo general Augusto Pinochet. “Eu
tive receio daquele Brasília - 8 de janeiro ser um 11 de setembro chileno de
1973”.
A
possibilidade de haver um novo golpe de Estado no Brasil era tão aventada que
os roteiristas da produtora Porta dos Fundos criaram dois esquetes humorísticos
simulando a mobilização de militares para fazer uma nova intervenção golpista.
“Havia
já, né, essa sombra do golpe. Ela já estava presente há muito tempo, né?”,
recorda-se o publicitário Antonio Tabet, um dos sócios e roteiristas da
produtora. “Falava-se muito disso, havia muitas indiretas, uma comunicação
truncada, umas ameaças veladas, e o fato de o governo da época [2019-2022] ser
alinhado com ideais e interesses não exatamente democráticos, fazia com que
esse assunto fosse efervescente”.
Na
opinião de Tabet, os esquetes Golpe em Brasília e Golpe no Rio foram
dissuasivos de alguns espíritos menos democráticos. “Eu tenho certeza que esses
vídeos circularam muito, tem milhões de views cada um deles. E certamente bateu
em alguém que queria fazer e que mudou de ideia vendo aquilo”.
“O
humor informa de uma maneira simpática. Às vezes, uma pessoa assistindo a um
telejornal, ela não consegue entender direito como funcionam as instituições,
para que servem, o que é isso, qual é o real perigo, o real ridículo disso. O
humor vai lá e joga um holofote na cara daquilo”, acredita o roteirista.
Roteiro
No
dia 8 de janeiro, como que seguindo um roteiro bem ensaiado, milhares de
pessoas que estavam acampadas no Setor Militar Urbano, em Brasília, iniciaram
às 13h uma longa marcha até a Praça dos Três Poderes.
Às
15h, os golpistas conseguiram subir a rampa do Congresso para invadir e
destruir prédio. Vinte minutos depois, outros vândalos derrubaram as grades de
isolamento do Palácio do Planalto, subiram a rampa, quebraram os vidros da
fachada e entraram no prédio. Às 15h37, iniciaram a invasão do edifício-sede do
Supremo Tribunal Federal (STF).
A reportagem
enviou mensagem, na segunda-feira (6), ao advogado Paulo Bueno, defensor do
ex-presidente Jair Bolsonaro, para manifestação, mas não obteve resposta.
(JB/Ag.Brasil)
Nenhum comentário:
Postar um comentário